Ausência do direito ao esquecimento não impede desindexação na internet
13 de fevereiro de 2022, 9h23
Recentemente, a 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça paulista enfrentou um tema recorrente há muito que, mesmo após decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 1.010.606/RJ [1], em fevereiro de 2021, afastando a existência do direito ao esquecimento no Brasil, ainda gera dúvidas na comunidade jurídica e trará debates sobre os limites e alcance da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Nos autos em questão, ação sigilosa distribuída em 2020, após a vigência da LGPD e antes, pois, do julgamento proferido pelo STF, um médico postulava, com base no direito ao esquecimento, sustentando também o pleito nos artigos 17 e 18 da LGPD [2] e no Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil [3], a exclusão de matéria jornalística que relatava sua condenação por porte de drogas no passado e, ainda, a desindexação da referida matéria por provedor de buscas.
Na sentença proferida, o juízo de origem deferiu parcialmente o pedido, determinando a desindexação do conteúdo na ferramenta de busca do provedor, mas rejeitou o pedido de apagamento de matéria jornalística objeto da ação.
Insatisfeitos com o julgamento proferido, as partes apelaram da decisão e o tema chegou ao TJ-SP para julgamento após a prolação de decisão pelo STF, dotada de repercussão geral inclusive.
Em unânime votação, os desembargadores afastaram a aplicação da LGPD ao veículo jornalístico, corréu na ação, fundamentando, de forma acertada, a inaplicabilidade da referida lei conforme disposto no artigo 4º, II, "a" [4]. Por isso o pedido de apagamento da matéria jornalística foi julgado improcedente. Tal pleito foi rejeitado, igualmente, por tratar de fatos efetivamente ocorridos, dos quais sequer o autor negava, não se tratando, por exemplo, de direito de resposta ou correção de matéria a justificar sua alteração.
No entanto, o tribunal refletiu de forma curiosa sobre o deferimento do pleito em face do provedor de busca, aplicando a LGPD a essa hipótese e determinando a desindexação do conteúdo objeto da ação, contrariando posições anteriormente proferidas pelo próprio TJ-SP e cortes superiores.
É que, de acordo com a câmara julgadora, o pleito do autor estaria amparado pela construção jurídica, verdadeiro diálogo entre legislação penal, processual penal e, obviamente, cível no tocante à privacidade.
Em síntese, o órgão revisor entendeu que comprovada a reabilitação após o cumprimento de pena, é assegurado o sigilo dos registros do condenado [5], aí incluído o direito à desindexação do conteúdo gerado.
O tribunal também afastou a aplicabilidade da Reclamação 5072/AC [6], utilizada pelo provedor como tese defensiva, pois, segundo a corte, referida decisão é anterior à LGPD e, portanto, estaria prejudicada de forma superveniente, viabilizando o pleito do autor, ao menos parcialmente.
Mesmo após julgado em segunda instância e acolhidos parcialmente os embargos de declaração apresentados pelo provedor de busca apenas para fins de prequestionamento, é certo que o tema será levado novamente às instâncias superiores para novo reenquadramento do tema, visando à harmonização definitiva do tema.
Com efeito, segundo o TJ-SP, embora reconhecidamente incompatível com o ordenamento, o direito ao esquecimento não impede a desindexação de conteúdo ou mesmo a anonimização de dados pessoais, ao menos até que nova e definitiva posição da Corte Suprema adicione os dispositivos da LGPD nesse debate, que volta à tona gerando oportunidades para novos entendimentos sobre o assunto.
[1] Tese fixada pelo STF: Fixa-se a seguinte tese: "É incompatível com a Constituição a ideia de um direito o esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais — especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral — e das expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível".
[2] "Artigo 17 – Toda pessoa natural tem assegurada a titularidade de seus dados pessoais e garantidos os direitos fundamentais de liberdade, de intimidade e de privacidade, nos termos desta Lei.
Artigo 18 – O titular dos dados pessoais tem direito a obter do controlador, em relação aos dados do titular por ele tratados, a qualquer momento e mediante requisição:
IV – Anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários, excessivos ou tratados em desconformidade com o disposto nesta Lei".
[3] VI Jornada de Direito Civil — Enunciado 531 A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. VII Jornada de Direito Civil — Enunciado 576. O direito ao esquecimento pode ser assegurado por tutela judicial inibitória.
[4] "LGPD, Artigo 4º – Esta Lei não se aplica ao tratamento de dados pessoais:
I — realizado por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos;
II — realizado para fins exclusivamente:
a) jornalístico e artísticos".
[5] Nesse item, o TJSP compilou o disposto no artigo 93 do Código Penal, artigo 748 do Código de Processo Penal e o indicado no artigo 202 da Lei das Execuções Penais, que assim determinam respectivamente:
"Artigo 93 – A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação".
"Artigo 748 – A condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal".
"Artigo 202 – Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei".
[6] Nessa reclamação, o STJ havia decidido em 2013 que os provedores de busca não podem ser responsabilizados pelos resultados encontrados, já que são apenas instrumento de identificação de conteúdo gerado por terceiro.
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