Processo Tributário Analítico

Possíveis relações entre as ações anulatória de débito e executiva fiscal

Autor

  • Rodrigo Dalla Pria

    é advogado doutor em Direito Processual Civil mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professor do programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado) do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) professor e coordenador do curso de extensão Processo Tributário Analítico (Ibet) coordenador das unidades do Ibet em Sorocaba e Presidente Prudente coordenador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico (Ibet) e membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

13 de fevereiro de 2022, 8h00

Ajuizada a ação anulatória de débito fiscal, não se verificando nenhuma das causas suspensivas de exigibilidade prescritas no artigo 151 do CTN, o questionamento judicial do crédito tributário poderá ocorrer em paralelo à prática de atos de cobrança, inclusive judiciais, tendentes à constrição e expropriação do patrimônio do sujeito passivo (784, §1º, do CPC) [1].

Essa possibilidade tem repercussões importantes no plano processual, em especial no que diz com a relação que se estabelece entre as ações anulatória e executiva fiscal, influenciando diretamente a (re)definição do foro competente para ajuizamento e processamento das indigitadas demandas.

Isso porque o §2º do artigo 55 do CPC/2015 [2], incorporando orientação jurisprudencial construída no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, atribui os mesmos efeitos processuais da conexão (reunião dos processos para decisão conjunta) aos casos em que se verifique a tramitação simultânea de processos que, de um lado, questionem a legitimidade de débitos tributários regularmente inscritos em dívida ativa e, de outro, se prestem a exigi-lo [3].

É esse, exatamente, o caso da ação anulatória que tenha por objeto débito tributário cobrado via execução fiscal proposta ulteriormente.

O reconhecimento da conexão e a reunião das ações anulatória e executiva para processamento e julgamento conjunto, no entanto, estão condicionados a dois requisitos expressamente prescritos na legislação processual, quais sejam: 1) que as competências para julgamento dos referidos processos sejam relativas (artigo 54 do CPC) [4]; e 2) que nenhum dos processos haja sido sentenciado (artigo 55, §1º, in fine, do CPC).

Verificados os requisitos legais, a reunião dos autos para julgamento conjunto dar-se-á em favor do juízo prevento (artigo 58 do CPC) [5]  isto é, do juízo no qual o registro/distribuição da petição inicial haja sido efetuado em primeiro lugar (artigo 59 do CPC) [6].

Pois é no primeiro dos requisitos que devemos nos reter, visto que é extremamente comum, na vida forense, a instalação de varas especializadas em execução fiscal, unidades detentoras de competência absoluta para processar e julgar demandas desse jaez, o que inviabiliza o efeito fulcral da conexão: a modificação da competência [7].

A despeito disso, quer nos parecer que as regras processuais que fixam os critérios e, principalmente, os limites para a reunião dos processos de conhecimento (anulatória) e executivo (execução fiscal) para julgamento conjunto diferem a depender do momento em que cada uma das demandas (cognitiva e executiva) for proposta.

Com efeito, para os casos em que a propositura da ação anulatória precede a propositura da ação executiva fiscal, a limitação prescrita no artigo 54 do CPC, que restringe a modificação da competência à condição de ser ela relativa, é plenamente justificável, dada a impossibilidade de se processar a ação executiva fiscal em juízo diverso daquele tido por especializado.

A recíproca, todavia, não seria verdadeira: no caso de a demanda executiva fiscal preceder a propositura da ação anulatória de débito fiscal, a regra de prevenção a ser aplicada deverá ser, em nosso sentir, a prescrita no artigo 61 do CPC, dispositivo segundo o qual "a ação acessória será proposta no juízo competente para ação principal" [8].

Nesse tocante, havemos de recordar que o pressuposto que subjaz à regra do artigo 55, §2º, inciso I, do CPC, está relacionado à "identidade" entre os débitos que são, simultaneamente, objeto da ação anulatória e da ação executiva, o que nos permite concluir que as "matérias" versadas em ambas as demandas são as mesmas, de sorte que, por essa razão, o juízo especializado não estaria tratando de matéria estranha à sua competência ao apreciar a pretensão anulatória.

Além disso, da análise dos precedentes que antecederam  e certamente inspiraram  a inovação advinda com a regra do artigo 55, §2º, inciso I, do CPC verifica-se que a ideia por detrás do instituto diz com o reconhecimento de que a ação anulatória, ao se voltar contra débito fiscal objeto de cobrança via ação executiva, assume a função de "embargos do devedor", fazendo-lhe as vezes [9].

Ora, os embargos do devedor perfazem um dos exemplos mais comuns daquilo que a processualística denomina "ação acessória", assim se posicionando diante da ação executiva que se qualifica, nesse contexto, como "principal" [10]. Sendo a ação anulatória, quando proposta ulteriormente à ação executiva fiscal, um sucedâneo dos embargos do devedor, deverá ser ela considerada verdadeira demanda acessória, atraindo para si a incidência da regra de prevenção veiculada no artigo 61 do CPC [11].

Por essa razão, entendemos que a ação anulatória de débito fiscal dirigida contra débito objeto de execução fiscal efetivamente proposta deverá ser distribuída por dependência ao juízo em que estiver sendo processado o executivo, independentemente de se tratar de vara especializada (competência absoluta).

 


[1] "Artigo 784  São títulos executivos extrajudiciais:
(…)
§1º A propositura de qualquer ação relativa a débito constante de título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução".

[2] "Artigo 55  Reputam-se conexas duas ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.
§1º. Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado.
§ 2º. Aplica-se o disposto no caput:
I – à execução de título extrajudicial e à ação de conhecimento relativa ao mesmo ato jurídico".

[3] "Trata-se de regra que não estava no CPC/73. A possibilidade de reunião de execução e ação de conhecimento foi objeto de discussão, sob o argumento de que a reunião das ações não seria possível poisos procedimentos são distintos e não haveria julgamento conjunto. Defendia-se, assim, a reunião entre a ação de conhecimento e os embargos do executado (natureza de ação de conhecimento). Assim, se a execução tivesse sido proposta em primeiro lugar e estivesse embragada, sendo promovida ação de conhecimento relativa ao título que ensejou a execução, dar-se-ia a reunião para julgamento conjunto das duas ações de conhecimento.
Entretanto, o entendimento que vinha prevalecendo no STJ, antes do advento do CPC de 2015, era no sentido da reunião das ações quando elas tivessem a mesma origem, isto é, se fundamentasse em fatos comuns ou nas mesmas relações jurídicas". PIZZOL, Patrícia. In: Comentários ao Código de Processo Civil, p. 380.

[4] "Artigo 54  A competência relativa poderá modificar-se pela conexão ou pela continência, observado o disposto nesta Seção".

[5] "Artigo 58  A reunião das ações propostas em separado far-se-á no juízo prevento, onde serão decididas simultaneamente".

[6] "Artigo 59  O registro ou a distribuição da petição inicial torna prevento o juízo".

[7] "PROCESSO CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. AÇÃO ANULATÓRIA AJUIZADA ANTERIORMENTE. CONEXÃO. NORMA DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. EXISTÊNCIA DE VARA ESPECIALIZADA PARA JULGAR EXECUÇÕES FISCAIS. REUNIÃO DOS PROCESSOS. IMPOSSIBILIDADE. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. GARANTIA DO JUÍZO. NECESSIDADE.
 1) Cuida-se de conflito negativo de competência instaurado entre o juízo da 4ª Vara Federal de Santos/SP, suscitante, e o juízo da 1ª Vara Federal e Juizado Especial Cível de Foz do Iguaçu/PR, suscitado, nos autos de execução fiscal movida pela União Federal. Discute-se a possibilidade de serem reunidas execução fiscal e ação anulatória de débito precedentemente ajuizada, quando o juízo em que tramita esta última não é vara especializada em execução fiscal, nos termos consignados em norma de organização judiciária.
2) Em tese, é possível a conexão entre a ação anulatória e a execução fiscal, em virtude da relação de prejudicialidade existente entre tais demandas, recomendando-se o simultaneus processus. Precedentes.
3) Entretanto, nem sempre o reconhecimento da conexão resultará na reunião dos feitos. A modificação da competência pela conexão apenas será possível nos casos em que a competência for relativa e desde que observados os requisitos dos §§1º e 2º do artigo 292 do CPC.
4) A existência de vara especializada em razão da matéria contempla hipótese de competência absoluta, sendo, portanto, improrrogável, nos termos do artigo 91 c/c 102 do CPC. Dessarte, seja porque a conexão não possibilita a modificação da competência absoluta, seja porque é vedada a cumulação em juízo incompetente para apreciar uma das demandas, não é possível a reunião dos feitos no caso em análise, devendo ambas as ações tramitarem separadamente.
5) Embora não seja permitida a reunião dos processos, havendo prejudicialidade entre a execução fiscal e a ação anulatória, cumpre ao juízo em que tramita o processo executivo decidir pela suspensão da execução, caso verifique que o débito está devidamente garantido, nos termos do artigo 9º da Lei 6.830/80.
6) Conflito conhecido para declarar a competência do juízo suscitado. (CC 106.041/SP; 1ª Seção; relator ministro Castro Meira; DJe de 09/11/2009)".

[8] "Considera-se acessória a ação que guarda relação com outra ação, sendo esta considerada principal em relação a outra. Assim, para que se dê um melhor exercício da função jurisdicional, as duas devem ser processadas e julgadas no mesmo juízo. Pode-se afirmar que a reunião das ações propicia economia processual, pois as provas produzidas podem ser utilizadas para o julgamento das duas causas, e, especialmente, permite que as decisões sejam harmônicas. Assim pode-se afirmar que o órgão competente para a ação principal tem competência funcional (absoluta) para o julgamento da ação acessória. Se a ação principal já tiver sido ajuizada, a acessória será 'distribuída' por dependência ao juízo da principal; se a acessória for proposta antes, deverá sê-lo no juízo que será o competente para a principal". PIZZOL, Patrícia. In: Comentários ao Código de Processo Civil, p. 386.

[9] "PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO ANULATÓRIA DO DÉBITO. CONEXÃO.
1) Se é certo que a propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título não inibe o direito do credor de promover-lhe a execução (CPC, artigo 585, § 1º), o inverso também é verdadeiro: o ajuizamento da ação executiva não impede que o devedor exerça o direito constitucional de ação para ver declarada a nulidade do título ou a inexistência da obrigação, seja por outra ação declaratória ou desconstitutiva. Nada impede, outrossim, que o devedor se antecipe à execução e promova, em caráter preventivo, pedido de nulidade do título ou declaração de inexistência da relação obrigacional.
2) Ações dessa espécie têm natureza idêntica à dos embargos do devedor, e quando os antecedem, podem até substituir tais embargos, já que repetir seus fundamentos e causa de pedir importaria litispendência.
3. Assim como os embargos, a ação anulatória ou desconstitutiva do título executivo representa forma de oposição do devedor aos atos de execução, razão pela qual quebraria a lógica do sistema dar-lhes curso perante juízos diferentes, comprometendo-se a unidade natural que existe entre pedido e defesa
4. É certo, portanto, que entre ação de execução e outra ação que se oponha ou possa comprometer os atos executivos, há evidente laço de conexão (CPC, artigo 103), a determinar, em nome da segurança jurídica e da economia processual, a reunião dos processos, prorrogando-se a competência do juiz que despachou em primeiro lugar (CPC, artigo 106). Cumpre a ele, se for o caso, dar à ação declaratória ou anulatória anterior o tratamento que daria à ação de embargos com idêntica causa de pedir e pedido, inclusive, se garantido o juízo, com suspensão da execução" (CC 38.045/MA; relatora ministra Eliana Calmon; 1ª Seção; DJ de 09/12/2003).

[10] "PROCESSUAL  CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA  EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL  VARA DA FAZENDA E JUÍZO DO INTERIOR  COMPETÊNCIA DO ÚLTIMO  PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.
A ação anulatória de débito fiscal sendo acessória à de execução fiscal, não desloca a competência do Juízo do domicílio do devedor. "Tratando de conexão por acessoriedade, a competência do Juiz da ação principal existe, sendo irrelevante que a ação acessória seja ajuizada antes, durante ou depois de terminado a ação principal". (TJ-SC – CC: 7288 SC 1996.000728-8; 1ª Câmara de Direito Comercial; relator desembargador Amaral Silva; Julgamento de 20/08/1996).
PROCESSUAL
 CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA  EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL  VARA DA FAZENDA E JUÍZO DO INTERIOR  COMPETÊNCIA DO ÚLTIMO  PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.
A ação anulatória de débito fiscal sendo acessória à de execução fiscal, não desloca a competência do Juízo do domicílio do devedor. 'Tratando de conexão por acessoriedade, a competência do Juiz da ação principal existe, sendo irrelevante que a ação acessória seja ajuizada antes, durante ou depois de terminado a ação principal'  (TJ-SC
 CC: 7270 SC 1996.000727-0; 1ª Câmara de Direito Comercial; relator desembargador Amaral e Silva, Julgamento: 20/08/1996.

[11] "Artigo 61 – A ação acessória será proposta no juízo competente para a ação principal".

Autores

  • é advogado, doutor em Direito Processual Civil, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professor do programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado) do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), professor e coordenador do curso de extensão "Processo Tributário Analítico" do Ibet, coordenador das unidades do Ibet em Sorocaba e Presidente Prudente e coordenador do grupo de estudos de "Processo Tributário Analítico" do Ibet.

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