Futuros desafios

"Apesar do gigantismo, TJ-SP é eficiente, operante e econômico", diz Ricardo Anafe

Autor

13 de fevereiro de 2022, 8h33

Apesar de todo o gigantismo, o Tribunal de Justiça de São Paulo é eficiente, operante e econômico. A declaração é do presidente da corte, desembargador Ricardo Anafe, eleito para conduzir o maior tribunal do país no biênio 2022-2023.

Spacca
Spacca

Com orçamento de R$ 13,5 bilhões para este ano e sem déficit, Anafe planeja investimentos em novas tecnologias, como inteligência artificial, e um reajuste salarial aos mais de 38 mil servidores. Além disso, o presidente pretende enviar à Assembleia Legislativa, ainda no primeiro semestre, um projeto de lei de implantação do quinto assistente nos gabinetes dos desembargadores.

Em entrevista exclusiva à ConJur, Anafe falou sobre os projetos para os próximos dois anos e as dificuldades da pandemia da Covid-19. "O home office deu muito certo, com uma produtividade muito grande", afirmou o presidente, que pretende manter o regime híbrido após a pandemia, conforme regulamentado na gestão anterior.

Na entrevista, o presidente também fez questão de destacar os números elevados do tribunal: são mais de 21 milhões de processos em andamento, o que representa 32% do total de ações na Justiça estadual e 25% dos processos de todo o Judiciário brasileiro. E, segundo Anafe, o TJ-SP gasta 30% menos do que a média dos demais tribunais do país.

A despesa total da corte corresponde a 0,56% do PIB de São Paulo, sendo que a média da Justiça estadual é de 0,80%. É nesse cenário que Anafe mandou um recado aos magistrados do estado: "Todo juiz do estado de São Paulo tem motivos de sobra de ter orgulho de ser um juiz paulista".

Leia a seguir a entrevista:

ConJur O senhor integrou o Conselho Superior da Magistratura na última gestão, como corregedor-geral de Justiça, e sabe das dificuldades dos últimos dois anos, com a pandemia da Covid-19. Agora, o senhor assumiu o tribunal ainda em uma situação de pandemia. Quais os principais desafios deste início de gestão?
Ricardo Anafe Na realidade, hoje a situação de crise sanitária é muito mais suave do que foi no início. O Conselho de 2020-2021 teve uma situação muitíssimo mais difícil. Até porque éramos noviços em termos de crise sanitária. Nenhum de nós tinha passado por uma crise sanitária antes. Quer dizer, o estado não tinha passado por essa crise sanitária. Foi uma situação muito mais difícil para o Conselho à época, para o presidente à época (Geraldo Pinheiro Franco). No dia 16 de março de 2020, fechamos o tribunal e começou um home office pleno. Depois, houve uma mitigação do home office. A ideia, no final do ano passado, era voltar 100% ao presencial já em janeiro, e aplicar a Resolução 850 (que regulamentou o teletrabalho no Judiciário paulista), porque o home office deu muito certo, com uma produtividade muito grande.

Só que aí fomos surpreendidos pela nova variante, ainda que mais suave, o que causou uma preocupação muito grande. O tribunal teve de reduzir o número de servidores em trabalho presencial, já estávamos a 50%, passamos a 25%, tomando todas as cautelas necessárias. O provimento vai até o dia 18 e, antes disso, vamos reavaliar a questão. A expectativa do governo do estado é que no final de março, início de abril, a crise sanitária esteja totalmente controlada. Temos de tomar conta e zelar por todos aqueles que têm atividade na família forense. Essa é a maior preocupação.

ConJur O senhor também já assumiu com um modelo de teletrabalho consolidado e regulamentado…
Ricardo Anafe Já está regulamentado, inclusive para o futuro, que é a Resolução 850, que foi feita com base na experiência do período mais gravoso. Estávamos todos em home office e a produtividade se manteve em grau absolutamente elevado. É uma coisa interessante, porque tanto eu como o ex-presidente Pinheiro Franco éramos visceralmente contrários ao home office e mudamos de opinião. Nós vimos, tivemos a experiência e os resultados foram inquestionáveis. A imprensa do tribunal sempre trazia aqueles números enormes, milhões de decisões, o que encantava a todos. Isso motivou a Resolução 850 e o preconceito em relação ao home office caiu diante dos fatos, da própria evidência da sua eficiência.

O Poder Judiciário de São Paulo não parou um único dia, verdade seja dita. Aliás, sua produtividade inicial foi muito além da normal. A produtividade foi extremamente alta e foi um período muito conturbado, muito difícil para toda a sociedade. Tínhamos reuniões do Conselho no sábado, no  domingo, no feriado, provimentos foram discutidos e votados em sábado, domingo e feriado. O Conselho, por inteiro, trabalhou muito nesses dois anos que passaram e o atual Conselho trilha mais ou menos o mesmo caminho, mas com mais tranquilidade. O que posso dizer é que todo juiz do estado de São Paulo tem motivos de sobra de ter orgulho de ser um juiz paulista. Apesar de todo o gigantismo da corte paulista, o tribunal é eficiente, operante e econômico.

ConJur Antes daquele 16 de março de 2020, o senhor achou que seria possível colocar o tribunal inteiro em home office em tão pouco tempo, como foi feito?
Ricardo Anafe O que fizemos de imediato foi em relação à primeira instância, que era a primazia da preocupação. A segunda instância deixamos um pouco de lado, porque o mais importante era a primeira instância, que trata dos problemas em primeiro lugar, aprecia os pedidos urgentes em primeiro lugar, que julga os conflitos de interesse em primeiríssimo lugar. Houve uma preocupação muito grande com a primeira instância para que pudesse desenvolver o seu trabalho normalmente, na medida do possível, nos processos eletrônicos, e, ao mesmo tempo, manter o fluxo de serviço dentro dos cartórios, e a possibilidade de advogados, promotores, defensores terem integral participação sem rompimento do devido processo legal. Isso se sucedeu o tempo todo, regulamentamos as audiências virtuais, o departamento de tecnologia e informação trabalhou incessantemente.

Houve um trabalho em conjunto muito grande da Corregedoria com a presidência para pôr tudo em ordem. Em seguida, nos preocupamos com o segundo grau. A primeira seção que o tribunal teve preocupação foi com o Órgão Especial. Fizemos uma sessão preparatória do órgão, para ver se todo mundo se habituava, e foi um momento de muita alegria porque funcionou muito bem, ou seja, nós, os velhinhos, estávamos sabendo mexer com o computador direitinho, todos participaram sem grandes dificuldades.

ConJur O presidente Pinheiro Franco, quando assumiu, tinha um déficit de R$ 300 milhões e mais R$ 300 milhões previstos para 2020. Esse déficit foi devidamente sanado? Como o senhor recebe o tribunal em termos orçamentários?
Ricardo Anafe Recebi o tribunal sem nenhum déficit orçamentário. Tanto em relação à fonte um, não se devia e nem havia crédito a receber, e em relação a fonte três, eu recebi bem também. Não tenho o que reclamar de como recebi. Só tenho a agradecer ao presidente Geraldo Francisco Pinheiro Franco.

ConJur No dia da posse, o senhor falou sobre R$ 1,2 bilhão vinculados à insuficiência previdenciária e que tentaria negociar a liberação desses recursos. Como ficou essa questão?  
Ricardo Anafe Os valores reservados à insuficiência previdenciária foram destacados como tal no orçamento, e permanecem como tal no orçamento, destacados à insuficiência previdenciária. Conto com esse recurso exclusivamente para a insuficiência previdenciária.

ConJur Mas o senhor tinha planos de usar de outra forma?
Ricardo Anafe Então, eu diria o seguinte: quem lida com orçamento, quanto mais, melhor, quanto menos, pior.

ConJur O orçamento total para 2022 é de R$ 13,5 bilhões. Sem esse R$ 1,2 bilhão, fica quase igual ao orçamento de 2021. Pode faltar dinheiro ao final do ano? Como o senhor pensa em gerir o orçamento?
Ricardo Anafe A gestão há de ser feita de forma que não haja nenhum déficit de um ano para o outro. Isso é uma coisa muito importante. Todo o exercício que foi feito nos anos de 2020 e 2021 é absolutamente válido. A situação é um pouco melhor esse ano, mesmo diante da verba vinculada de R$ 1,2 bilhão da insuficiência previdenciária. Não se pode olvidar que, no ano passado, não houve aumento vegetativo da folha, por força da Lei Complementar 173, que estava em vigência até o dia 31 de dezembro. Hoje não está mais, não temos aumento vegetativo da folha, mas temos a data-base, agora em março. Não é possível, com certeza, a concessão daquilo que o sindicato dos servidores espera, são percentuais extremamente elevados, e nem de tudo aquilo que eu gostaria de conceder. Mas acho que é possível a concessão, ainda que de forma tímida, de um reajuste, que é justo em relação aos servidores. Ainda que seja um percentual aquém do que eu gostaria, mas tem de ser um percentual que seja possível, compatível com o orçamento do Judiciário, até porque ficamos alguns anos sem ter a admissão de servidores.

Temos uma defasagem de sete mil escreventes no estado de São Paulo. Também temos um concurso para Capital e 4ª RAJ que finaliza em junho deste ano. Temos o projeto referente ao quinto assistente, o quarto assistente dos juízes substitutos de segundo grau, para que possam dar vazão, sempre com melhor qualidade e produtividade, dos processos que recebem. Isso é bom para todo mundo. Em especial, para a sociedade, que terá maior eficiência na prestação jurisdicional. Temos de nomear os assistentes de primeiro grau, que, em razão de contingências orçamentárias, também não foram nomeados, ou seja, o orçamento diz respeito à estrutura de todo o Poder Judiciário. Ele não diz respeito a uma única finalidade, mas atende a todas as finalidades do Poder Judiciário para que ele possa, em verdade, atingir o seu objetivo, que é uma prestação jurisdicional melhor e com mais celeridade. Ou seja, todo o investimento, esses R$ 13,5 bilhões, fitam apenas isso.

ConJur O senhor falou sobre o quinto assistente, que foi uma das suas promessas de campanha. Já tem já alguma previsão de envio de projeto de lei à Assembleia Legislativa?
Ricardo Anafe A ideia é que isso se suceda no primeiro semestre. Estamos trabalhando para enviar o projeto à Assembleia ainda no primeiro semestre.

ConJur O vice-presidente, desembargador Guilherme Gonçalves Strenger, tem falado sobre a regulamentação da compensação por assunção de acervo, já autorizada pelo CNJ. Como o senhor vê o pagamento desse auxílio? É possível regulamentar a curto prazo?
Ricardo Anafe Em relação a esse auxílio específico, só posso tratar disso depois que a matéria passar pelo Órgão Especial, depois que houver o impacto financeiro desse auxílio. Por enquanto, não há nenhum ato do tribunal. Houve o requerimento firmado pelo vice-presidente ainda enquanto presidente da seção de Direito Criminal, que será processado perante a presidência, e quando estiver munido, devidamente instruído, vai ao Órgão Especial. É o Órgão Especial que definirá se pode, se não pode, o quanto pode. Essa é uma matéria de competência do Órgão Especial, e cumpre à presidência instruir esse processo com o aspecto orçamentário.

ConJur Há alguma previsão de acelerar o pagamento dos precatórios?
Ricardo Anafe Isso começou na gestão passada. Eu, como corregedor, o Geraldo, como presidente, trabalhamos nisso os dois anos, tanto que no ano passado a Upefaz (Unidade de Processamento das Execuções Contra a Fazenda Pública) pagou mais de R$ 4 bilhões em precatórios, foi um número recorde de pagamentos. Agora, a Upefaz continua com um trabalho de excelência. A expectativa é ter outro recorde de pagamento este ano, e simultâneo a isso, estou instrumentalizando o Depre (Diretoria de Execuções de Precatórios e Cálculos) para começar a fazer os pagamentos diretos. Tudo o que o Depre precisa está sendo concedido para que os pagamentos sejam feitos diretamente.

Não há nada pior do que propor uma ação contra o estado, ou município, ou suas autarquias, ganhar a ação, e são ações naturalmente demoradas em razão dos inúmeros recursos, e haver retardo no pagamento. Não pode haver retardo. Isso macula a imagem do Poder Judiciário e o que o Judiciário mais quer é que a prestação jurisdicional atinja o seu fim, que é o pagamento devido aos exequentes. Então, no que for necessário, a presidência está dispondo de todos os meios para instrumentalizar também a Upefaz e o Depre, para que todos os pagamentos se realizem sem atrasos.

ConJur O presidente da Seção de Direito Privado, desembargador Beretta da Silveira, falou da necessidade de mais juízes substitutos em segundo grau na seção. O senhor pensa em alterar a divisão dos juízes substitutos entre as seções do tribunal?
Ricardo Anafe Tivemos uma reunião no final do ano passado, antes da posse. Convidei os membros do futuro Conselho para participar de uma reunião na minha sala e disse que a divisão dos juízes substitutos em segundo grau seria absolutamente proporcional ao número de câmaras de cada seção. Isso vai se suceder agora. Tivemos uma remoção de quatro juízes substitutos (no último dia 9), o que já estabeleceu um equilíbrio entre as seções. A ideia é, sim, manter a proporcionalidade entre as seções. Não temos nenhuma seção do tribunal que esteja absolutamente tranquila em número de processos. Mas, sem sombra de dúvida, a Subseção de Direito Privado I, em razão da matéria que lhe é própria, em especial, a matéria de família, tem um número de agravos muito grande, maior que todas as outras subseções. Realmente tem um número muito maior, mas diz respeito à matéria própria daquela subseção.

ConJur Que investimentos em tecnologia o senhor projeta para os próximos dois anos? Há previsão de investir em inteligência artificial? Também estão no radar da presidência melhorias na comunicação do sistema do TJ-SP com os sistemas dos tribunais superiores (Athos e Sócrates) para agilizar a admissibilidade dos recursos especiais e extraordinários?
Ricardo Anafe Na realidade, nem o sistema do STF e o do STJ conversam entre si, são inteiramente distintos. Existe uma dificuldade. O que se determinou foi, em termos de TI, uma interoperabilidade entre os sistemas, porque eles são muito importantes, funcionam com inteligência artificial. É possível desenvolver os programas para tal. Agora, o tempo eu não sei. No que diz respeito à informática, qualquer coisa que dure mais que 15 dias está durando muito. Com a inteligência artificial tudo fica mais fácil. Estamos desenvolvendo um sistema de inteligência artificial, em contato com o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que criou um sistema de inteligência artificial próprio, algo fantástico. Já conversei com a presidência do TRF-3 e acertei essa troca de informações. Eles se colocaram inteiramente à disposição. Além disso, também vamos firmar a interoperabilidade do SAJ em relação ao PJe, para que todos consigam ter acesso. A interoperabilidade é só de acesso.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!