Opinião

A tributação da publicidade online

Autores

  • Maria Ângela Lopes Paulino Padilha

    é doutora e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora do Ibet autora dos livros "As Sanções no Direito Tributário" e "Tributação de Software" e advogada no escritório Barros Carvalho Advogados Associados.

  • Bianca Santos

    é especialista em Direito Tributário pelo Ibet pós-graduanda em Contabilidade e Planejamento Tributário pela UNB e advogada no escritório Barros Carvalho Advogados e Consultores.

12 de fevereiro de 2022, 13h07

Tradicionalmente, o mercado possuía como principais meios de divulgação de propaganda e publicidade a mídia impressa, a TV, o rádio e os outdoors. O surgimento de novas tecnologias impactou na forma de fazer marketing, proporcionando, através da internet, múltiplas ferramentas e estratégias para a divulgação de mensagens publicitárias: aplicativos, jogos online, redes sociais, grandes portais de notícias e sites de busca. Nesse universo digital, anúncios são veiculados, por exemplo, através de post e links patrocinados em redes sociais, banners expostos em espaços importantes nos sites, e através de pop ups, que são janelas que abrem automaticamente na página onde o usuário está navegando. Para os exemplos citados, as empresas anunciantes podem pagar pela exibição do anúncio ou pela quantidade de cliques recebidos.

Embora a discussão da tributação da publicidade exista há muitos anos, com o crescimento da economia digital e, por conseguinte, do marketing via canais eletrônicos, intensificaram-se os conflitos entre estados e municípios para alcançar as receitas resultantes da divulgação de produtos e serviços na internet. Afinal, tais receitas sujeitam-se ao ISS ou ao ICMS?

A tributação pelos municípios
O Decreto-Lei nº 406/68 já previa, no item XV, que o serviço de propaganda e publicidade voltado a promover vendas, planejar campanhas e elaborar material publicitário, bem como a divulgação desse material por qualquer meio, figura como serviço tributável pelo ISS. Com a edição da Lei Complementar nº 56/87, tais atividades foram segregadas nos itens 85 e 86 [1].

O projeto da LC nº 116/03 manteve as atividades separadas entre os itens 17.06 [2] e 17.07 [3]. Porém, somente o item 17.06, relativo à atividade do profissional publicitário e à criação de anúncios, foi aprovado, vetando-se o item 17.07, que trazia, na lista anexa de serviços, a atividade de veiculação e divulgação de materiais de propaganda e publicidade por qualquer meio. Entre as razões para o veto, foi indicada potencial afronta ao artigo 150, VI, "d", da CF, na medida em que a expressão "por qualquer meio" permitiria que, no limite, o ISS alcançasse veículos (livros, jornais e periódicos) que gozam de imunidade. Com o veto ao item 17.07, a Secretaria de Finanças do município de São Paulo publicou diversas soluções de consulta [4] no sentido de que a atividade de veiculação de publicidade estaria fora do campo de incidência do ISS após a promulgação da LC nº 116/03.

Posteriormente, a LC nº 157/16, ao incluir o item 17.25 na lista anexa, autorizou os entes municipais a tributar a "inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, em qualquer meio (exceto em livros jornais, periódicos e nas modalidades de radiofusão sonoro e de sons e imagens de recepção livre e gratuita)". Nota-se que as razões que provocaram o veto anterior não mais permaneceram. 

No município de São Paulo, o item 17.25 foi incorporado à legislação com a edição da Lei nº 16.757/17. Ocorre que, mesmo antes do advento da LC nº 157/16, o município havia publicado o Parecer Normativo SF nº 01/16, cujo artigo 1º dispôs que os serviços de divulgação, disponibilização e inserção de propaganda e publicidade enquadram-se no item 17.06 da lista de serviços, sujeitando-se à incidência do ISS. O artigo 2º do parecer previu, ainda, que as suas disposições normativas assumiriam caráter interpretativo, revogando aquelas em contrário, especialmente as soluções de consulta emitidas anteriormente. A partir dessa nova orientação, as autoridades fiscais paulistanas procederam à lavratura de inúmeras autuações para cobrar ISS sobre fatos geradores ocorridos antes do advento da LC nº 157/16 e cominar multas pela falta de emissão de notas fiscais.

Em 2018, a Secretaria de Finanças paulistana ratifica referido posicionamento por meio do Parecer Normativo SF nº 2, esclarecendo que, até a edição da Lei nº 16.757/17, os serviços de inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade enquadravam-se no subitem 17.06, dado que se trata de espécie de serviços pertencente ao gênero contemplado no subitem 17.06, sendo que, com a edição da lei municipal, tal atividade passou simplesmente a estar especificada em subitem próprio (17.24) da lista de serviços.

No âmbito processual administrativo, o Conselho Municipal de Tributos mantém as autuações por entender que não detém competência para declarar a ilegalidade ou a inconstitucionalidade de parecer normativo, tendo em vista a vedação do parágrafo único do artigo 53 da Lei 14.107/05 [5].

A tributação pelos estados
Os estados, por outro lado, sempre tiveram uma compreensão de que a veiculação e divulgação de publicidade por qualquer meio é fato gerador do ICMS-Comunicação. Os primeiros debates surgiram na veiculação de anúncios em outdoors e no exame da imunidade à publicidade inserida em mídia impressa.

O veto presidencial ao item 17.07, somado ao crescimento do mercado de publicidade online, fez com que os estados defendessem a incidência do ICMS sobre a exploração onerosa de veiculação de publicidade pela internet. A consultoria tributária da Sefaz/SP, amparada nos artigos 155, II, da CF, e 2º, III, da LC nº 87/96, orientava empresas dedicadas a essa atividade a efetuar a inscrição no cadastro de contribuinte e a recolher o imposto, sob o fundamento de que a atividade publicitária seria uma atividade comunicativa por ter como objetivo "tornar públicas informações que pretendem influenciar mercados consumidores através dos diversos veículos de comunicação". Segundo o órgão fazendário "a veiculação ou divulgação de publicidade, por qualquer meio, são prestações de serviço de comunicação e, como tal, estão reservadas à tributação pelo ICMS, competindo aos Municípios tributar a criação da propaganda" [6].

O Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) do estado de São Paulo examinou diversos autos de infração [7] lavrados contra grandes plataformas de tecnologia, como Google, Facebook, Microsoft e Yahoo. Dos julgados que mantiveram as autuações ao argumento de que a veiculação de publicidade online é serviço de comunicação, podemos destacar as seguintes linhas interpretativas:

1) Os serviços de veiculação de publicidade através da internet não se assemelham aos de provimento de acesso, pois têm como objetivo transmitir informação  anúncios e mensagens publicitárias dos clientes  ao público em geral ou a determinados segmentos;

2) Os meios propiciados pelas prestadoras de serviços de telecomunicações não são suficientes para a efetiva transmissão dos anúncios, exigindo-se a contratação da plataforma para que a mensagem publicitária chegue ao seu público;

3) A LC nº 157/16 refere-se à inserção e não à veiculação, cujos conceitos e práticas não se confundem: "Os materiais referidos no item 17.25 da Lei Complementar 157/2016 – textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade – são, num primeiro momento, passíveis de inserção em determinado meio, ensejando a cobrança do ISS, possibilitando, então, a veiculação da publicidade derivada da inclusão desses materiais no meio em questão (por exemplo, na internet), suscitando a cobrança do ICMS" [8].

No que concerne aos julgados que cancelaram as autuações fiscais, parte deles entendeu que a divulgação de publicidade através da internet consiste em serviço de valor adicionado na forma disposta no artigo 61, §1º, da Lei Geral de Telecomunicações, e a LC nº 157/16 só veio a ratificar a ausência da competência dos estados. Outros precedentes condicionaram a ausência de competência dos estados ao advento da LC nº 157/16: 1) para fatos geradores ocorridos antes da lei complementar, a atividade seria modalidade de serviço sujeito ao ICMS na forma prevista no artigo 2º, III, da LC nº 87/96; e 2) para fatos geradores ocorridos após a LC nº 157/16, incidiria o ISS.  

A tributação da publicidade online: críticas e a discussão no âmbito do Poder Judiciário
A compreensão do TIT para validar a cobrança do ICMS antes da LC nº 157/16 despreza o papel da Constituição Federal como demarcadora da competência tributária. A ausência de determinado serviço no rol da LC nº 116/03 não confere aptidão para os estados instituírem o ICMS sobre tal atividade.

A vigência da LC nº 157/2016, aplicada pelo tribunal administrativo como critério para concluir pela incidência do ICMS sobre fatos geradores que lhes são anteriores, significa admitir o absurdo de que o constituinte teria conferido competência a estados e municípios para tributar uma mesma atividade, quando, em verdade, a superveniência da referida lei complementar impõe reconhecer que a veiculação de conteúdo publicitário pela internet nunca esteve sob a égide da tributação do imposto estadual.

Além do mais, o posicionamento do TIT pela tributação do ICMS na veiculação de publicidade na internet destoa da orientação firmada no STJ. Há tempos decide a corte superior que o ICMS-Comunicação há de incidir sobre a disponibilização e a manutenção da infraestrutura necessária para a emissão, transmissão e recepção da mensagem, não abrangendo atividades complementares ou preparatórias, mesmo que imprescindíveis à efetiva prestação de comunicação e admitam a cobrança de tarifas.

O STJ assim decidiu ao excluir do campo de incidência do ICMS os serviços prestados pelos provedores de acesso à internet, uma vez que o prestador se vale da rede de telecomunicações que lhe dá suporte para então viabilizar o acesso do usuário final à internet [9]. No mesmo rumo, afastou a cobrança do imposto sobre os serviços de habilitação de celular, locação de aparelhos e assinatura. No entender jurisprudencial, tais atividades conexas ao serviço de telefonia, não representam a atividade-fim de colocar à disposição de terceiros meios e modos para que emissor e receptor troquem mensagens, mas envolvem atividades-meio levadas a efeito em benefício da própria empresa que realiza o serviço de comunicação [10].

A empresa contribuinte do ICMS é a pessoa jurídica que, detentora da outorga do serviço concedida pela Anatel, mantém o domínio e a exploração do canal que realiza o tráfego de dados. Os sites e aplicativos que veiculam conteúdo publicitário, por sua vez, são meros usuários da rede de serviços de telecomunicações, tal como o provedor de acesso à internet. Para que haja a transmissão de anúncios, as empresas que os veiculam e o público consumidor precisam contratar previamente um serviço de comunicação. Segundo normas regulatórias [11], a atividade de veicular publicidade através da internet equivale a serviço de provimento de informação na internet, pois adiciona conteúdo à uma comunicação pré-existente, afigurando-se SVA e, portanto, fora do alcance do ICMS.

A pretensão do município é igualmente merecedora de críticas. Depois de anos em que contribuintes organizaram seus negócios norteados pelas diversas soluções de consulta emitidas pela Secretaria das Finanças, o órgão muda de posição: passa a equiparar a criação do conteúdo publicitário pelas agências de propaganda à sua divulgação pelos diferentes meios existentes, de forma a ampliar o sentido do item 17.06. Além de incluir no rol de serviços atividades, à época, não contempladas na lista de serviços, o ente conferiu efeito retroativo ao novo posicionamento, o que ocasionou a lavratura de uma série de autuações fiscais.

Tal postura do Fisco municipal vai de encontro a preceitos claros do Código Tributário Nacional. Viola o seu artigo 146 por envolver mudança de critério jurídico, motivo pelo qual a nova prática fazendária, mesmo que superada a falta de previsão na LC nº 116/03, somente poderia atingir fatos ocorridos a partir do PN/SF nº 01/16. Afronta também o seu artigo 100, parágrafo único, que veda a imposição de penalidades e juros quando a conduta do contribuinte está respaldada em atos normativos e reiterados expedientes cometidos pelas autoridades administrativas.

Por sorte, o Poder Judiciário tem acolhido os reclamos do contribuinte. Em prol da segurança jurídica, diversos julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo afastam a incidência do ICMS [12] sobre a veiculação e inserção de publicidade na internet e apenas admitem a cobrança do ISS após a vigência da LC nº 157/16 [13], desde que respeitados o princípio da anterioridade e a legislação de cada município.

Para encerrar tão controvertida temática é preciso aguardar o julgamento da ADI 6.034, oportunidade em que caberá ao STF, mais uma vez, solucionar disputa entre estados e municípios e, no caso, manifestar-se sobre a (in) constitucionalidade do item 17.25 da lista anexa à LC nº 116/03.

 


[1] "85. Propaganda e publicidade, inclusive promoção de vendas, planejamento de campanhas ou sistemas de publicidade, elaboração de desenhos, textos e demais materiais publicitários (exceto sua impressão, reprodução ou fabricação);
86. Veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de publicidade, por qualquer meio (exceto em jornais, periódicos rádio, e televisão)".

[2] "17.06  Propaganda e publicidade, inclusive promoção de vendas, planejamento de campanhas ou sistemas de publicidade, elaboração de desenhos, textos e demais materiais publicitários".

[3] "17.07. (Vetado) Veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, por qualquer meio".

[4] SC SUREM/SF nºs 13/07; 14/08; 36/09; 30/13; 26/15.

[5] Processo nº 6017.2017/0040724-3, Sessão de 21/02/18, 3ª Camara julgadora.

[6] Respostas à CT 389/04, 186/05, 2.072/13, 3.610/14, 6.097/15, 15.854/17; 15.003/17; 16.508/17; 22260/20

[7] AIIM 4.054.589-01, julgado 20/04/16; AIIM 4.078.422-8, julgado em 17/05/17; AIIM 4.100.456-5, julgado 08/11/19; AIIM 4.079.546-9, julgado 12/09/18; AIIM 4.107.021-5, julgado 11/12/20; AIIM 4.037.765-9, julgado 19/04/17; AIIM 3.154.111, julgado em 15/10/15, AIIM 4.086.771-7, julgado 23/10/18; AIIM 4.114.517-3, julgado 25/10/19; AIIM 4.010.254, julgado 04/05/2017.

[8] AIIM 4.114.517-3.

[9] REsp 456650, Súmula 334.

[10] REsp 1176753.

[11] Norma Anatel 4/95: "provedor de Serviço de Informações: entidade que possui informações de interesse e as dispõem na internet, por intermédio do Serviço de Conexão à internet".

[12] AC 1021230-97.2015.8.26.0053, de 06/11/2017; AC 1024278-93.2017.8.26.0053, de 07/02/2018; AC 1049846-82.2015.8.26.0053, de 18/04/2018; AC 1013576-59.2015.8.26.0053, de 09/08/2018; AC 1011558-96.2017.8.26.0602, de 18/06/2019 e AC 1019131-52.2018.8.26.0053, de 27/07/2020.

[13] AC 1034107-64.2018.8.26.0053, de 29/08/2019; AC 1070769-90.2019.8.26.0053, de 30/07/2020; e AC 1055365-96.2019.8.26.0053, de 13/08/2020.

Autores

  • Brave

    é advogada no escritório Barros Carvalho Advogados Associados, doutora e mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professora do Ibet e autora dos livros "As Sanções no Direito Tributário" e "Tributação de Software".

  • Brave

    é especialista em Direito Tributário pelo Ibet, pós-graduanda em Contabilidade e Planejamento Tributário pela UNB e advogada no escritório Barros Carvalho Advogados e Consultores.

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