contratação de médicos

Critério de hipossuficiência usado no STF para validar pejotização divide advogados

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11 de fevereiro de 2022, 14h36

Nesta terça-feira (8/2), a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal autorizou um instituto a contratar médicos como pessoas jurídicas. Para os ministros, a chamada "pejotização" é uma forma lícita de terceirização, e só deve ser barrada se for usada para camuflar relação de emprego.

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Para 1ª Turma do STF, pejotização é válida se o profissional não for hipossuficienteDollar Photo Club

A divergência, cujo entendimento prevaleceu, argumentou que os médicos em questão não seriam hipossuficientes — ou seja, teriam recursos suficientes para seu próprio sustento.

Para Camilo Onoda Caldas, advogado especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Gomes, Almeida e Caldas Advocacia, a tese de que a hipossuficiência não pode ser aplicada a todo tipo de trabalhador é bastante controversa, "porque, muitas vezes, mesmo nível superior e remuneração elevada não o tornam hipersuficiente de um profissional na relação capital e trabalho".

Ricardo Calcini, professor de Direito do Trabalho da Pós-Graduação da FMU e colunista da ConJur, lembra que o caso se referia a pessoas com alto nível de formação, e o modelo de contratação é igualmente utilizado por outros profissionais que não se enquadram na situação de hipossuficiência, tais como professores, artistas e locutores. Ele ressalta, no entanto, que a decisão foi proferida por maioria (em um placar de 3 x 2) e "não representa a opinião do Plenário do Supremo".

O advogado trabalhista Mauricio Corrêa da Veiga, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, também indica que a tese deve ser aplicada a essas outras profissões. "A ação do MPT se justificaria se a situação envolvesse trabalhadores hipossuficientes", reitera.

"No caso em análise, evidentemente não se está diante de um empregado hipossuficiente, não apenas por possíveis vultuosas contraprestações pelo labor, mas pela capacidade desses profissionais de se posicionarem de forma autônoma e independente sobre os seus próprios contratos de prestação de serviços", opina Helena De Marco Guimarães Pena Assis, advogada trabalhista no escritório Nelson Wilians Advogados.

Na visão da advogada Gabriela Locks, da área trabalhista do Baptista Luz Advogados, o posicionamento da 1ª Turma é "sinal de alinhamento entre a aplicação do Direito e a evolução das relações humanas e do trabalho", quando se trata de trabalhadores com acesso a um alto grau de instrução e remuneração. "Não é mais factível tratarmos trabalhadores com tais características como se fossem incapazes de decidirem sobre sua realidade e suas relações profissionais", assinala.

Locks ainda aponta que as instituições raramente possuem viabilidade financeira para custear médicos como empregados, devido ao alto patamar de remuneração. "Não se pode ignorar o fato de que, em muitas oportunidades, os próprios médicos se recusam a ser registrados, por simplesmente não ser atrativo se manter vinculado a uma única instituição. A expectativa de ganho e de crescimento profissional da categoria é diretamente proporcional com a capacidade de pulverização de seus serviços", finaliza.

Fernanda Zucare, especialista em Direito de Saúde, reforça que o modelo de pejotização de médicos "não tem óbice no Conselho Federal de Medicina e pode ser vantajoso ao médico, que pode atender com maior liberdade clínicas, hospitais e laboratórios, e, ainda, reduzir a sua carga tributária".

Nelson Jr./SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes proferiu voto vencedor no julgamento desta semanaNelson Jr./SCO/STF

Importância do precedente
Segundo Wilson Sales Belchior, sócio do RMS Advogados e conselheiro federal da OAB, "a legislação não pode ser obstáculo para o ambiente de negócios nem a organização empresarial". Para ele, a decisão do STF é acertada, pois "não está de acordo com os valores constitucionais brasileiros admitir intervenções que de forma desproporcional e irrazoável afetem a liberdade de organização das empresas".

Caldas indica que a tese firmada pode ser aplicada a outras categorias, mas as empresas ainda devem ser cautelosas com tentativas de pejotização: "As consequências econômicas decorrentes de vínculo empregatício podem ser devastadoras para empresa, sobretudo quando ela realiza isso sem critério e simplesmente substitui seus empregados tradicionais regidos pela CLT por prestadores de serviço que utilizam pessoas jurídicas para receber sua remuneração".

Jurisprudência
Na ocasião do julgamento, o ministro Alexandre de Moraes citou um caso anterior no qual a corte declarou constitucional a terceirização de serviços na atividade-meio e na atividade-fim das empresas. 

Calcini lembra que o STF já atestou a constitucionalidade da norma que autoriza a prestação de serviços intelectuais (como científicos ou artísticos) por meio de pessoa jurídica. "Naquela decisão, o Supremo tinha feito expressa menção ao fato de que eventual conduta de maquiagem de contrato de pessoa jurídica para a prestação de serviços intelectuais, como são os casos de fraude à legislação trabalhista, acarretaria o reconhecimento do vínculo de emprego entre as partes litigantes", indica.

Já segundo Locks, na ocasião, o STF entendeu que a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa devem ser interpretados em conjunto. "Em outras palavras, não é possível proferir um julgamento sopesando um desses elementos em detrimento do outro, com o intuito de determinar e alterar os efeitos da relação jurídica que outrora foi estabelecida de maneira idônea entre as partes", explica.

A advogada ainda recorda do julgamento no qual o Supremo validouLei 13.352/2016, que permitiu a contratação sob a forma de parceria em salões de beleza. A maioria do Plenário considerou que a modalidade é constitucional, desde que não seja usada para dissimular uma relação de emprego.

Agr na RCL 47.843

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