Segunda Leitura

A adesão do Brasil à OCDE e os reflexos sobre a proteção do meio ambiente

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

6 de fevereiro de 2022, 8h00

A sigla OCDE, em português, refere-se à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Organisation for Economic Co-operation and Development[1], entidade criada em 1961, com sede na França, que conta com 36 países-membros. Conhecida como "clube dos ricos", a entidade exige dos países interessados em fazer parte do grupo que adiram aos seus propósitos.

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Segundo o site InfoEscola, "atualmente, os principais objetivos da OCDE estão voltados para o desenvolvimento da economia sustentável, incentivando práticas que considerem a questão ambiental; ao combate à instabilidade econômica e da pobreza; à ampliação do acesso a sistemas de saúde eficazes; e ao desenvolvimento de mecanismos que garantam a criação de novos postos de emprego" [2].

Pertencer à OCDE dá ao país uma espécie de "selo de qualidade", uma confiança de que suas instituições funcionam com respeito às regras do desenvolvimento sustentável e do Estado democrático de Direito.

Isso por certo não é retórica, pois influencia diretamente os investimentos que Estados e empresas fazem, ou não, em determinados países. É comum empresas internacionais de grande porte colocarem no seu contrato social que só investirão em nações pertencentes à OCDE.

O Brasil manifestou pela primeira vez o seu interesse em ingressar no bloco em 1990 e, de lá para cá, esse interesse variou ao sabor dos ventos políticos, ora mais, ora menos, a depender da orientação política do partido no poder. Registre-se, contudo, que essa atração é recíproca, pois à OCDE interessa ter nosso país no grupo, com seu enorme corpo de consumidores, um parque industrial forte e uma agricultura que se revela líder mundial em alguns setores.

O ingresso de um país na OCDE dá-se por fases, como se fossem promoções. O Brasil já estava atuando como "parceiro-chave", o que incluía presença em comitês, reuniões, dados estatísticos e projetos importantes da organização. Todavia, no mês de janeiro passado sua adesão foi admitida junto com Argentina, Peru, Bulgária, Croácia e Romênia.

Importante ressaltar que adesão não é admissão, mas, sim, uma permissão de iniciar o processo de ingresso na organização. Na América do Sul, apenas o Chile é membro efetivo, estando a Colômbia cumprindo exigências que lhe foram feitas para a admissão.

Quando a adesão é autorizada, a OCDE formula uma série de exigências expostas em um roteiro ao país interessado, as quais variam conforme as peculiaridades de cada um. Como se vê, uma autêntica corrida de obstáculos. No caso do Brasil, são 251 as exigências, das quais 103 já foram cumpridas.

Mas que vantagens teremos e em quanto tempo. As vantagens serão o incremento de relações comerciais com países desenvolvido. Para que se tenha uma ideia da ação prática da OCDE, ela ajuda os países membros a auditar as contas das multinacionais, vigiando se elas estão a recolher os tributos corretamente. Não é possível prever um prazo para que as vantagens se tornem evidentes, pois tudo depende de circunstâncias várias. Mas elas são certas e alcançaram todos os aderentes.

Porém podemos indagar que tipos de imposições nos serão feitas?

Regra geral, os pretensos aderentes devem ter uma política fiscal condizente com o bloco econômico. Por exemplo, o Brasil terá que realinhar o seu Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), facilitando o comércio com outros países. Evidentemente, o papel do Congresso será essencial na realização desse tipo de iniciativa.

Outros aspectos de grande relevância revelam-se necessários. Por exemplo, o Brasil precisa sujeitar-se a um exame do nível de sua educação de primeiro grau. Nossos alunos terão de se submeter a uma espécie de Enem internacional, em que se apurará se os estudantes brasileiros estão no nível mínimo exigido. Isso, claro, nunca foi exigido ou feito e funcionará como um raio-X sobre nossa educação. Não será tarefa fácil, tendo em vista que o ensino no Brasil é compartilhado entre a União, estados e municípios.

O combate à corrupção é outro item relevante. Nesse particular o "Brasil caiu duas posições no ranking mundial de corrupção, é o que afirma o levantamento da Transparência Internacional divulgado neste terça-feira (25/1). A posição ocupada pelo país no Índice de Percepção da Corrupção (IPC) atualmente é a 96ª entre 180 localidades analisadas; em 2020, estava na 94ª posição" [3]. Essas quedas vêm sucedendo ano após ano. Evidentemente, nosso país terá de mostrar o que está fazendo nesse particular, sob pena de não ser admitido no grupo.

Mas é no aspecto da demonstração de defesa de valores importantes da humanidade que o Brasil será fiscalizado com maior rigor. Esses valores incluem, coincidentemente ou não, o pretendido pela política ESG, que vem sendo exigida das empresas e do próprio poder público.

Vale aqui lembrar que "ESG, em inglês, significa Environmental, Social and Governance, ou seja, meio ambiente, social e governança corporativa. Em outras palavras, significa como as empresas, nas suas múltiplas espécies, devem atuar no campo social (e.g., promovendo tratamento igualitário entre homens e mulheres), proteger o meio ambiente (v.g., aproveitando a energia solar) e na sua administração cooperar com a sociedade (v.g., zelando por uma praça)" [4].

Pois bem, no item meio ambiente, não será demais lembrar que a OCDE prega o desenvolvimento de forma sustentável e, entre outras coisas, a proteção contra o desmatamento ilegal, o resguardo da biodiversidade e a proteção da Amazônia. Inclusive, explicitamente adota princípios do Direito Ambiental, como o do poluidor-pagador [5].

No entanto, o Brasil vem grangeando má fama na área internacional. Mas, como afirmei em estudo sobre a matéria, "foi em 2020 que os fatos se aceleraram. Os incêndios na região amazônica, aos quais se seguiram os da região do Pantanal, originaram a mais alta fonte de inconformismo com a política ambiental brasileira. Para ficar em apenas um exemplo, o Parlamento Europeu rejeitou o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, mencionando no texto original as ações do governo brasileiro na área" [6].

As alarmantes consequências da mudança climática, os problemas com secas prolongadas nas regiões Sul e Sudeste, outrora inexistentes, a conscientização geral com a questão ambiental, tudo aliado a práticas repulsivas como a de um empresário ligado à exploração ilegal de ouro em terras dos índios Yanomami, em Roraima, que ordenou queima de helicópteros do Ibama [7], induzem a um controle interno e externo cada vez maior sobre o meio ambiente do Brasil.

Por óbvio não podem ser descartadas ações de comando e controle, impondo-se aos infratores as sanções administrativas, civis e penais correspondentes. Mas, por óbvio, da mesma forma, não faz sentido ir contra o apelo internacional com áreas de premiação/sanção, visto que o interesse em um meio ambiente saudável não é brasileiro, é internacional.

Em outras palavras, o descuido com a Amazônia, seja através de desmatamentos criminosos, mineração ilegal ou incêndios, não interessa apenas ao Brasil, mas, sim, a todo o globo.

Portanto, se a OCDE exige do nosso país que tais faltas sejam controladas e disto exija provas, nada temos a reclamar, mas, sim, a festejar, duplamente. Além de entrarmos nesse vantajoso clube fechado, gozaremos de um meio ambiente mais saudável. Que venham as exigências e a permissão de ingresso.

 


[1] Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD). Disponível em: https://www.oecd.org/about/. Acesso em 4 fev. 2022.

[2] InfoEscola. Organização para a cooperação e desenvolvimento econômico. Disponível em: https://www.infoescola.com/economia/organizacao-para-a-cooperacao-e-desenvolvimento-economico-ocde/. Acesso em 5 dez. 2022.

[4] FREITAS, Vladimir Passos de. Reflexos da ESG nas atividades da advocacia empresarial e ambiental. Revista Consultor Jurídico, 21 fec. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-fev-21/reflexos-esg-atividades-advocacia-empresarial-ambiental, Acesso em 5 fev. 2022.

[5] OECD. How we work, Set stardards. Disponível em: https://www.oecd.org/about/how-we-work/. Acesso em 5 fev. 2022.

[6] FREITAS, Vladimir Passos de. O novo papel das empresas na proteção do meio ambiente. Revista Direitos Democráticos & Estado Moderno | Faculdade de Direito da PUC-SP https://revistas.pucsp.br/index.php/DDEM | Nº. 01 | p.12, Jul. dez. 2020

[7] O Estado de São Paulo, Empresário ordenou queima de helicópteros do IBAMA, diz PF, 4 fev. 2022, A20.

Autores

  • Brave

    é ex-secretário Nacional de Justiça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).

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