Opinião

Segurança jurídica e apuração de crimes contra a ordem tributária

Autor

3 de fevereiro de 2022, 16h05

A discussão sobre o momento de apuração de crimes contra a ordem tributária está novamente em voga com a inclusão para julgamento em março, pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.980, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, questionando a redação dada pela Lei nº 12.350/2010 ao artigo 83 da Lei nº 9.430/96, que passou a dispor que "a representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos artigos 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente".

Objetiva-se excluir a necessidade de aguardar a decisão definitiva de tribunal administrativo sobre a exigência do tributo para o início dos trâmites para apuração na esfera penal.

Eliminar tal exigência traria ainda mais insegurança jurídica aos contribuintes.

Atualmente, com o encerramento da esfera administrativa, mesmo quando a questão é levada para discussão no Poder Judiciário, diversos casos são encaminhados para o Ministério Público. Apesar da discussão judicial, muitas vezes inclusive com garantia por depósito, seguro-garantia ou carta de fiança, enormes transtornos são causados aos contribuintes pessoas jurídicas cujos sócios, representantes legais e diretores recebem intimações de abertura de inquérito policial para verificar seu envolvimento em supostos crimes contra a ordem tributária, por mera ausência de recolhimento de tributo, repita-se, ainda em discussão.

Ou seja, o cenário de insegurança já existe!

A questão tributária se encerra apenas com o trânsito em julgado da decisão judicial. Mas, muito antes disso, os contribuintes são pressionados ao recolhimento do tributo, por meio do recebimento de intimação de abertura de inquérito policial, para extinguir a eventual discussão na esfera penal.

Trata-se de medida extremamente coercitiva utilizada para compelir os contribuintes e seus sócios, representantes legais e diretores ao pagamento de tributo, eles que se sentem pressionados por verem seus nomes e reputação envolvidos em questões criminais e pelo desgaste e custo de uma ação penal.

Além da discussão na ADIN, em outubro do ano passado, objetivando avançar ainda mais contra os contribuintes, foi editada pela Procuradoria-Geral da República a Portaria PGFN 12.072/2021, que "estabelece os procedimentos de envio das representações para fins penais aos órgãos de persecução penal, e dispõe sobre a atuação na esfera penal, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, no âmbito do Sistema de Recuperação de Créditos, instituído pela Portaria PGFN nº 32/2019".

A referida portaria tem, inclusive, em seu artigo 5º, a possibilidade de apresentação de recurso pelo procurador contra decisão de arquivamento da representação pelo órgão ministerial. Há uma invasão de competência da atuação do Ministério Público e demonstra claramente o interesse da Procuradoria em atuar de forma mais direta também na área penal.

É importante destacar que a questão não envolve apenas os órgãos federais. Estados e municípios também têm utilizado o encaminhamento de diversos casos de simples discussão sobre valor cobrado, divergências sobre base de cálculo, para representação para fins penais, mesmo verificando o ajuizamento de ações judiciais pelos contribuintes, com o simples intuito de pressionar ao pagamento do tributo.

São, inclusive, encaminhadas intimações ao contribuinte com a ressalva de que o pagamento do tributo encerra as providências tomadas para a discussão penal.

Ora, não há dúvida de que os órgãos públicos devem verificar as alternativas, alterar legislações e procedimentos para evitar a prática de crimes tributários.

Não obstante, não se pode perder de vista os direitos garantidores de ampla defesa e da segurança jurídica, daqueles contribuintes que recolhem adequadamente seus tributos e que possuem o direito de questionar administrativa e judicialmente exigências fiscais que não consideram devidas ou eivadas de ilegalidade e inconstitucionalidade.

Precisamos estudar alternativas para inibir a prática de crimes tributários e punir aqueles os cometem, mas não preterir os valores constitucionais e os direitos dos contribuintes.

A decisão a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal em breve pode mudar os rumos da atuação dos órgãos públicos e trazer ainda mais dificuldades para os contribuintes.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!