Prática Trabalhista

Dia Mundial do Câncer: Reflexões sobre a doença e o trabalho

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

3 de fevereiro de 2022, 8h00

O dia 4 de fevereiro é conhecido como o "Dia Mundial do Câncer", de modo que em tal data o objetivo é ampliar a conscientização e a educação sobre uma das doenças que mais levam a óbito no mundo [1]. Trata-se de uma iniciativa global organizada pela União Internacional para o Controle do Câncer (UICC), e que conta com o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) [2].

Segundo uma pesquisa realizada pela Agência Internacional para Pesquisa em Câncer, em fevereiro de 2021, em todo o mundo são esperados 28,4 milhões de novos casos de câncer em 2040, que se traduz num aumento de 47% em relação a 2020 [3].

Outro estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) concluiu que, no ano de 2018, 9,6 milhões de pessoas morreram por causa da moléstia, sendo considerada a segunda principal doença causadora de mortes no planeta [4].

Além das adversidades decorrentes da gravidade da doença, a pessoa acometida por esta enfermidade sofre com as dificuldades no ambiente laboral, tanto em relação às práticas discriminatórias, quanto à reinserção no mercado de trabalho.

Um levantamento feito pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) revelou que, no Brasil, a taxa de retorno das mulheres ao trabalho, após dois anos do diagnóstico de câncer de mama, é de 60% [5], de forma que 40% deixam de retornar as suas atividades.

Nesse prumo, oportunas são as palavras de Antonieta Barbosa [6]:

"O diagnóstico de câncer tem o poder de transformar o cotidiano e em geral provoca reflexões e mudanças na vida do paciente. Algumas pessoas modificam seus hábitos, passam a rever conceitos, valores, crenças, comportamentos e atitudes, promovendo uma reviravolta em suas vidas.
É um caminho sem volta e a consciência da morte, antes tão distante, passa agora a fazer parte dos pensamentos do portador dessa estigmatizante doença, causando também sofrimento e solidão".

Dito isso, a Lei nº 14.238, de 19 de novembro de 2021, instituiu o "Estatuto da Pessoa com Câncer" [7], estabelecendo em seu artigo 6º [8] que não será admitido qualquer tipo de negligência, discriminação ou violência em relação a pessoa portadora da enfermidade.

Lado outro, a norma constitucional veda em seu artigo 5º, inciso III, qualquer tratamento desumano ou desonroso [9], assim como baliza no seu artigo 170 [10] o desenvolvimento da ordem econômica.

Inobstante a legislação seja expressa no sentido de vedar qualquer conduta discriminatória, por muitas vezes, infelizmente, isto não é respeitado no ecossistema laboral.

Frise-se, por oportuno, que o Tribunal Superior do Trabalho já foi provocado a se manifestar sobre a temática, ao analisar um caso sobre a dispensa discriminatória de um trabalhador acometido de câncer de próstata [11].

Para os ministros da Terceira Turma, no caso "sub judice" submetido àquele colegiado, o recurso de revista foi conhecido por contrariedade à Súmula 443 [12], e, no mérito, provido, eis que se presumiu discriminatória a descontinuidade do contrato de trabalho, pois, além do estado de fragilidade do empregado, não existiam elementos que comprovassem um motivo justificável para a dispensa.

Todavia, em seu voto, o ministro relator ponderou: "(…). Registre-se, entretanto, que a presunção de ilegalidade do ato de dispensa do empregado portador de doença grave, ressoante na jurisprudência trabalhista, não pode ser de modo algum absoluta, sob o risco de se criar uma nova espécie de estabilidade empregatícia totalmente desvinculada do caráter discriminatório que se quer reprimir. (…)" [13].

Noutro giro, a 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, ao decidir a respeito de um tema idêntico, lembrou que o reconhecimento do caráter discriminatório é relativo, e, por essa razão, ao analisar o caso concreto, rejeitou a análise do recurso [14]. Segundo o colegiado, impende ressaltar que, com base no entendimento sedimentado na Súmula 443, se o empregador comprovar que a dispensa ocorreu por outro motivo, que não tenha ligação com a doença, esta não será considerada discriminatória.

Em arremate, é forçoso lembrar que as empresas devem criar políticas de prevenção assim como realizar campanhas internas de educação e conscientização da doença, afinal, não há dúvidas de que o tratamento desta moléstia pode ser doloroso para qualquer pessoa. Por isso, todos devem contribuir para propiciar um ambiente de trabalho acolhedor, e, sobretudo, que seja combatido arduamente os impactos e estigmas causados por essa enfermidade.

 


[6] Câncer, direito e cidadania: como a lei pode beneficiar pacientes e familiares – 14ª ed. – São Paulo: Atlas, 2012, páginas 9 e 10.

[8] Artigo 6º. Nenhuma pessoa com câncer será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação ou violência, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei. § 1º Considera-se discriminação qualquer distinção, restrição ou exclusão em razão da doença, mediante ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, de impedir ou de anular o reconhecimento dos direitos assegurados nesta Lei.

[9] Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…). III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

[10] Artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país

[12] DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27/9/2012

Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.

Autores

  • Brave

    é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Brave

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho" da Universidade de São Paulo – NTADT/USP.

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