Opinião

LGPD e eleições: proteção de dados no contexto brasileiro

Autores

  • Henrique Rocha

    é advogado e Sócio no Peck Advogados mestre em Direito Empresarial pós-graduado em Direito Processual Civil e em Direito Digital e Compliance.

  • Jéssica Guedes

    é pesquisadora no Legal Grounds Institute estranda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) especialista em Direito Constitucional e graduada pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) pesquisadora do Observatório de Raça e IA do Lawgorithm e advogada.

3 de fevereiro de 2022, 18h29

Diante das eleições gerais, da plena vigência da Lei nº 13.709/2018 (LGPD) e do funcionamento pleno da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), o Direito Eleitoral tende a ser um dos principais pontos de discussão acerca de privacidade e proteção de dados no país em 2022.  

Antecipando esse cenário, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a ANPD firmaram acordo de cooperação técnica no final de 2021 com três objetivos principais: 1) conscientizar os agentes de tratamento da importância da privacidade e proteção de dados nas campanhas eleitorais; 2) informar os direitos dos titulares e alertar sobre os riscos do uso irregular dos dados pessoais e; 3) desenvolver um ambiente de segurança jurídica para os agentes que tratam dados no contexto eleitoral. 

Nesse sentido, logo no início de janeiro de 2022, as autoridades divulgaram o guia orientativo para aplicação da LGPD por agentes de tratamento no contexto eleitoral [1]. O guia é um primeiro documento de diretrizes acerca da proteção de dados nas eleições no contexto brasileiro, e, portanto, deve ser observado na construção de toda a estrutura da campanha.  

Para fins ilustrativos, podemos destacar cinco pontos interessantes do guia que refletem a aplicação da LGPD nas eleições:  

— Uso de dados em campanhas: o guia reconhece que parte importante do processo eleitoral é que os candidatos e candidatas conheçam os hábitos e opiniões dos eleitores, o que, atualmente, perpassa pela coleta e tratamento de dados. Contudo, deve existir especial atenção ao tratamento de dados dos eleitores, uma vez que a operação pode envolver a existência de dados sensíveis;

— Agentes de tratamento: como esperado, o guia destaca que os partidos, as coligações e os candidatos são agentes de tratamento, assim como instituições contratadas para prestar serviços específicos, sendo preciso analisar o caso concreto para averiguar se o agente estaria figurando como controlador, operador ou até em controladoria conjunta.  

— Legítimo interesse: tratando das bases legais, o guia reforça que o legítimo interesse não é aplicável ao tratamento de dados pessoais sensíveis (artigo 11, §1º, da LGPD). Como exemplos, indica que, no contexto eleitoral, não há legítimo interesse: 1) na obtenção de dados custodiados pela administração pública ou por pessoa jurídica de Direito Privado; 2) na venda de cadastros eletrônicos por pessoas físicas e jurídicas; e 3) na utilização de dados pessoais para envio de propaganda eleitoral por telemarketing.  

— Relatório de impacto à proteção de dados pessoais: o guia indica que a LGPD não estabelece os casos nos quais a elaboração do relatório é obrigatória, contudo, destaca que "como no contexto eleitoral pode ocorrer o tratamento de um grande volume de dados sensíveis relacionados a opiniões e filiações políticas, o RIPD se torna um instrumento importante de accountability". 

— Direitos do titular: o guia enfatiza que os agentes devem possibilitar que os titulares exerçam todos os direitos previstos pela LGPD e menciona a necessidade de disponibilizar canais de comunicação eficientes e facilmente acessíveis aos titulares.  

Por óbvio que o desafio de adequar o processo eleitoral à LGPD é grande para todos os agentes envolvidos e, apesar de o guia apresentar diretrizes, ele não esgota o tema e tampouco exaure as dificuldades práticas que podem surgir. Por exemplo, como os partidos realizam o tratamento de dados dos filiados, é aconselhável que façam a elaboração do RIPD, já que, via de regra, têm estrutura organizacional e financeira para dar seguimento a essa importante análise. Mas e as campanhas? Também devem fazer RIPD para um tratamento que dura somente o período de pré-campanha e campanha?  

O guia também menciona que um mesmo fato pode gerar repercussões a serem analisadas tanto pelo TSE quanto pela ANPD. Os agentes de tratamento devem estar atentos à complexa relação entre os dois órgãos para evitar punições na seara eleitoral  que podem culminar em cassação do mandato, a depender da gravidade  e sanções da ANPD, que podem prejudicar a própria continuidade do tratamento de dados da campanha ou do partido.  

Para além do guia, neste ano temos novidades que devem obrigatoriamente serem observadas pelos candidatos. Recentemente, atualizando a resolução que trata sobre propaganda [2], o TSE determinou novas previsões para que a legislação eleitoral esteja em acordo com a LGPD. A resolução exige que a finalidade da coleta deve ser respeitada no tratamento de dados para propaganda eleitoral, inclusive quando relacionado com dados tornados manifestamente públicos pelo titular, com o direito do titular opor-se ao referido tratamento. No mesmo sentido, se o tratamento realizado for de dados pessoais sensíveis ou quando for possível identificar titular por meio do cruzamento de bases de dados, deve-se observar o artigo 11 da LGPD.  

Assim como orientado pelo guia, as candidatas, os candidatos, os partidos, as federações e as coligações devem instituir canal de comunicação que permita que o eleitor exerça os direitos os titulares previstos no artigo 18 da LGPD e informar de forma clara e acessível o meio de acesso ao canal e o encarregado pelo tratamento de dados pessoais.  

Um outro ponto que deve continuar sendo destaque na relação entre LGPD e as eleições é o envio de mensagens entre partidos, campanhas e eleitores. É permitido realizar propaganda eleitoral para endereços cadastrados gratuitamente pelo agente de tratamento, desde que presente as hipóteses legais de tratamento com base nos artigos 7º ou 11 da LGPD. Contudo, deve ser oferecida a identificação completa do remetente e dispor mecanismos que permitam solicitar o descadastramento e a eliminação dos dados pessoais, condutas que devem ser adotadas pelo agente em até 48 horas.  

Como o envio de mensagens em massa foi um dos temas mais polêmicos das últimas eleições gerais, é preciso destacar o artigo 34, II, da resolução, que veda a realização de propaganda em determinados entre eles a ação realizada "por meio de disparo em massa de mensagens instantâneas sem consentimento da pessoa destinatária ou a partir da contratação expedientes, tecnologias ou serviços não fornecidos pelo provedor de aplicação e em desacordo com seus termos de uso". Interessante ressaltar que a resolução optou por prever expressamente que eventuais abusos e excessos com relação a esse tema podem ser objeto de investigação judicial para apurar o uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social com base no artigo 22 da Lei de Inelegibilidades. 

Todo esse panorama indica que será um ano movimentado para a privacidade e proteção de dados pessoais no contexto eleitoral. Será interessante acompanhar como os agentes de tratamento estão se adequando aos preceitos da LGPD e como será a atuação do TSE e da ANPD no período eleitoral que se aproxima.

 


[1] Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/guia_lgpd_final.pdf. Acesso em: 07.01.2022.  

[2] Disponível em: https://sintse.tse.jus.br/documentos/2021/Dez/23/diario-da-justica-eletronico-tse-edicao-eleitoral/resolucao-no-23-671-de-14-de-dezembro-de-2021-altera-a-res-tse-no-23-610-de-18-de-dezembro-de-2019-q. Acesso em: 07.01.2022. 

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