Opinião

O princípio da publicidade e as audiências virtuais na Justiça do Trabalho

Autores

  • Adriano Marcos Soriano Lopes

    é juiz do Trabalho substituto no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região especialista em Ciências do Trabalho pela Faculdade Lions e autor de diversos artigos jurídicos e coautor do livro O Direito Autônomo à Proteção dos Dados Pessoais: uma Análise Constitucional-trabalhista.

  • Solainy Beltrão dos Santos

    é juíza do Trabalho substituta do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região especialista em inovações em Direito Civil e seus instrumentos de tutela pela Universidade Anhanguera autora de diversos artigos jurídicos e coautora do livro O Direito Autônomo à Proteção dos Dados Pessoais: uma Análise Constitucional-trabalhista e Sentença Trabalhista Descortinando a Teoria e Facilitando a Prática.

1 de fevereiro de 2022, 9h12

A pandemia da Covid-19 criou um mundo outrora inexistente. Suas consequências também impactaram as relações processuais e exigiram do Poder Judiciário adaptações para continuar prestando a jurisdição de modo eficaz e ininterrupto.

Fruto desse movimento, as audiências por videoconferência surgiram como alternativa para a continuidade do exercício jurisdicional, considerando a necessidade de isolamento social em razão da Covid-19, mormente na Justiça do Trabalho, em que os atos processuais da fase de conhecimento praticamente se resumem às audiências.

A princípio, a audiência trabalhista é una, nos moldes dos artigos 843, 845 e 849, todos da CLT, bem como realizada em sessão única a fim de atender aos princípios da celeridade e da economia processuais (artigo 5º, LXXVIII da CF), devendo nela ser praticados todos os atos integrantes do procedimento posteriores à notificação do reclamado, em respeito aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV da CF).

O artigo 813, caput, da CLT estabelece que as audiências trabalhistas serão públicas e a publicidade apenas é excepcionada quando o interesse público (artigo 770 da CLT) ou social (artigo 189 do CPC) exigirem, podendo o segredo de Justiça ocorrer a pedido ou mesmo de ofício pelo magistrado, limitando a participação no ato apenas aos envolvidos (partes, advogados, testemunhas).

Nesse sentido, o artigo 5º, LX, da CF também erigiu como direito fundamental o preceito que "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem". Em harmonia com essa disposição, o artigo 93, IX, do mesmo diploma estabelece que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação".

Tais garantias disciplinam a premissa de que o direito subjetivo das partes e advogados à intimidade somente estará garantido se não prejudicar o interesse público à informação, de forma que a publicidade apenas pode ser excepcionada nas estritas hipóteses dos artigos 189 e 368 do CPC e 20 do CPP.

Questão ainda que deverá ser apreciada no caso concreto é se, em caso de existência de tratamento de dados sensíveis, quais sejam, aqueles descritos no artigo 5º, II, da LGPD (dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural), haveria necessidade de excepcionar o princípio da publicidade.

Entende-se que a proteção de dados pessoais é um direito autônomo [1] e não propriamente um direito à intimidade, pois este não pode ser compreendido como todo e qualquer dado pessoal ou toda e qualquer "informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável"  (cf. artigo 5º, I, da LGPD).

Defende-se, nesses casos, a aplicação do artigo 194 do CPC [2], de forma que cada juiz ou tribunal deverá ter o cuidado de não expor informações desnecessárias e que possam afetar de maneira deletéria ou oprimir uma pessoa, mesmo que o processo não esteja em segredo de justiça. Isso quer significar dizer que, em ambiente apropriado, diante da existência de dados sensíveis, o julgador deve zelar para dar maior efetividade ao disposto no artigo 194 do CPC, podendo limitar o acesso de terceiros, sem que ao processo seja atribuído o segredo de Justiça em descompasso com a finalidade dessa medida excepcional. Assim, prestigia-se a proteção de dados pessoais, mas sem retroceder e elidir a conquista quanto ao respeito ao princípio da publicidade em afronta à Lei Maior.

Por essa razão, ainda, não se admite acordo de segredo de Justiça. Perante a jurisdição estatal, o processo é essencialmente público, ressalvadas, como dito, as exceções insertas em lei. Ao imperativo constitucional, portanto, sequer pode ser aplicado o negócio processual insculpido no artigo 190 do CPC.

Daí discute-se se o princípio da publicidade estaria sendo violado com a prática de realização de audiências por videoconferência na Justiça do Trabalho. Isso porque, no ambiente  virtual, não raro aqueles que não participam do ato processual são deslocados à sala de espera virtual (lobby), local a que não têm acesso ao que é debatido na audiência até por medida de organização e idoneidade do procedimento, pois não podendo o julgador averiguar a incomunicabilidade e a lisura do ato ante a multiplicidade de ambientes dos participantes, mas seguro que esse controle se dê pela limitação dos interessados à sessão virtual.

A prática de sessões por meio telepresencial ou videoconferência, com transmissão de imagens e de sons em tempo real, já possuía previsão expressa nos artigos 236, §3º, 334, §7º, 385, §3º, e 453, §1º, todos do CPC, aplicáveis ao processo do trabalho por força da norma contida no artigo 769 da CLT.

Entre os princípios processuais constitucionais relevantes que devem ser repeitados nas sessões online pode-se mencionar o princípio do devido processo legal, os princípios do contraditório e da ampla defesa, o princípio do acesso à Justiça ou inafastabilidade da jurisdição e o princípio da razoável duração do processo (artigo 5º, LIV, LV, XXXV, LXXVIII, todos da CF). Além desses, há um conjunto de preceitos que merecem atenção, como o princípio da cooperação (artigo 6º do CPC), o princípio da boa-fé processual (artigo 5º do CPC), o princípio da oralidade e o da imediatidade, da imaterialidade, da ubiquidade e da desterritorialização.

E, com base nesse arcabouço constitucional e infraconstitucional, com especial destaque ao dever de colaboração das partes, é que se defende que as audiências virtuais não maculam o princípio da publicidade.

Quando o artigo 93, IX, da CF destacou a importância da fundamentação das decisões,  permitiu tanto um controle interno, qual seja, pelos envolvidos no processo, como um controle externo, este pela sociedade, principalmente diante do fato de que a instauração de um processo não representa pura e simplesmente respeito ao direito subjetivo dos envolvidos, pois, se assim o fosse, admitir-se-iam decisões ilegais ou inconstitucionais, com um processo particular tão somente para resolver a lide entre os que o instaurou. Por isso, deve haver um mecanismo de controle jurisdicional e a motivação das decisões, bem como a publicidade destas permitem a lisura do processo.

Quanto aos julgamentos virtuais, agasalha-se a ideia de que a publicidade está pujante pelo acesso aos acórdãos e votos prolatados, excepcionado nos processos com segredo de justiça. Isso porque, ao contrário do que se possa pensar, não existe um direito à participação no julgamento e a publicidade se dá pelo acesso ao resultado da atuação do julgador com a entrega da prestação jurisdicional.

Já no caso das audiências virtuais com participação síncrona de partes e procuradores, a garantia da publicidade determina que seja possível assistir ao ato, da mesma forma que ocorria com o ato presencial, sendo de bom alvitre que o julgador possibilite o ingresso de quem quiser acompanhar a audiência, com o registro dos interessados, independentemente da concordância das partes.

Em nótula de conclusão, isso é o mesmo que dizer que o julgador não é obrigado a deixar todos aqueles que estão na sala virtual assistindo à sessão só para não violar o princípio da publicidade, mas possibilitar que aquele que deseja assistir a audiência o faça, desde que mantenha o decoro, em respeito à solenidade do procedimento.

 

Referências bibliográficas
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, [2022]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.html. Acesso em: 29.jan.2022.

_______. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, DF: Presidência da República, [2022]. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htmL. Acesso em: 29.jan.2022.

________. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 29.jan.2022.

_________. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 6393. Relator: ministra Rosa Weber. Data de Julgamento: 07/05/2020. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15344950595&ext=.pdf. Acesso em: 22 jan.2022.

 


[1] Como já destacado no voto do ministro Luiz Fux no julgamento da ADI 6393 "a proteção de dados pessoais e autodeterminação informativa são direitos fundamentais autônomos extraídos da garantia da inviolabilidade da intimidade e da vida privada e, consectariamente, do princípio da dignidade da pessoa humana(…)".

[2] "Artigo 194 – Os sistemas de automação processual respeitarão a publicidade dos atos, o acesso e a participação das partes e de seus procuradores, inclusive nas audiências e sessões de julgamento, observadas as garantias da disponibilidade, independência da plataforma computacional, acessibilidade e interoperabilidade dos sistemas, serviços, dados e informações que o Poder Judiciário administre no exercício de suas funções".

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