Opinião

Compliance público municipal como planejamento de futuro da gestão pública

Autores

  • José Gutembergue de Sousa Rodrigues Júnior

    é advogado associado do escritório Gonçalves Santos Advogados mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Campina Grande doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba especialista em Direito Público membro do Grupo de Pesquisa Sistema de Justiça e Estado de Exceção da PUC-SP e pesquisador do Núcleo de Pesquisa de Interpretação e Decisão Judicial (Nupid).

  • Newton Nobel Sobreira Vita

    é advogado mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Gama Filho (UGF) e em Gestão Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) procurador-chefe da Assembleia Legislativa da Paraíba ex-juiz membro titular do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba consultor jurídico da Assembleia Legislativa da Paraíba e conselheiro da Ordem dos Advogados Seccional Paraíba.

  • Clara Skarlleth Lopes de Araújo

    é advogada juíza leiga do TJ-PB mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Campina Grande pós-graduada em Direito Constitucional pela Universidade Regional do Cariri ex-professora de Direito e Processo Penal da Universidade Regional do Cariri e membra do Grupo de Pesquisa Sistema de Justiça e Estado de Exceção da PUC-SP.

30 de dezembro de 2022, 17h15

Atualmente, nosso país passa por uma crise política de identidade. Bons governos, que sejam responsáveis, responsivos e eficientes na alocação de recursos públicos é o que espera a maior parte dos eleitores ao fazer suas escolhas nos pleitos eleitorais. Mas, para tanto, governantes necessitam de expertise burocrática e probidade na administração pública. A primeira, pois, está diretamente relacionada aos níveis de acertos e erros na execução de políticas, ou seja, ao nível de ocorrência de impropriedades, que são caracterizadas por casos que envolvam negligência, imperícia e imprudência por parte do gestor público, e a segunda relacionada com gestores probos, que perseguem a integridade do erário, e que coíbam desvios de recursos ou corrupção.

No sistema político brasileiro, cabe ao Poder Executivo, nas suas diferentes esferas, a execução da maior parte das políticas públicas. Em nível municipal, portanto, o prefeito detém grande parte dessa responsabilidade, em especial as relacionadas com a área social, o que lhes é conferida pelos eleitores, que por sua vez esperam que suas demandas sejam atendidas a contento.

Na perspectiva do controle dos agentes públicos, o papel dos mecanismos de accountability ganha centralidade. Sugere-se que menores serão os episódios de captura de recursos públicos, por exemplo, se os instrumentos de accountability forem fortes e eficazes. Em outras palavras, o incremento pelo Estado de instrumentos de responsabilização com atuação incisiva nas diferentes esferas de governo, traduz-se numa redução dos incentivos a ações lesivas aos cofres públicos.

Para Lindberg (2009) [1], a ideia central que norteia a responsabilidade governamental é o princípio da delegação, o qual deve estar sempre atrelado à avaliação das realizações e a imposição de sanções. Segundo ele, sempre que a tomada de decisão for transferida para um agente, o principal deve dispor de mecanismos para mantê-lo prestando contas de suas decisões e sendo passível de punição, quando necessário for. Accountability, por este prisma, está relacionada à efetivação de mecanismos que possibilitem a prestação de contas dos governos para com a sociedade e a avaliação que esta, e os demais órgãos de controle pretendam realizar sobre aqueles.

Dentre os elementos componentes do aparato de Estado, as estruturas que objetivam fiscalizar e controlar a aplicação dos recursos públicos vêm ganhando atenção por parte da sociedade. Elas se subdividem em dois tipos clássicos: o daquelas que exercem o controle interno e o das que exercem o controle externo.

No que se refere ao controle externo das ações de governo, no caso brasileiro, em seus diferentes níveis, o Congresso Nacional, as assembleias legislativas, e câmaras de vereadores configuram exemplos de instituições que exercem tal função. O sistema de controle interno, por sua vez, tem por finalidade produzir informações acerca de como está sendo desempenhado o trabalho dos mais diferentes órgãos administrativos, verificando, para isso, dentre outros, o cumprimento de metas, a legalidade dos atos e os resultados, quanto à eficácia e eficiência das ações implementadas.

O controle interno visa, assim, dar ao administrador melhor condição de decisão, no que se refere a sua administração, fazendo com que ele identifique problemas, tais como impropriedades ou corrupção, e proceda com as medidas corretivas e punitivas necessárias. E é justamente neste sentido que, atualmente, vem ganhando força a implementação do compliance público.

Em linhas gerais, compliance é um conjunto de regras e de estruturas organizacionais, de que devem lançar mãos as empresas ou a pessoa jurídica, para detectar atos de corrupção e colaborar com os agentes estatais de controle, caso queiram ser beneficiadas com um abrandamento calculado de punições. Neste sentido, diferentemente de auditorias internas, como a ISO 19.600, dentre outras, que exercem um controle esporádico e pontual, direcionado para analisar amostragens, o compliance é um programa permanente e sempre preventivo (BOTTINI, 2019) [2].

Dentro do ordenamento jurídico pátrio, a doutrina legal que veio a transferir estes conceitos de cunho originário do Direito Privado foi a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13), que garantiu os meios de persecução dos crimes vinculados à atuação dos agentes e empresas públicas. Ato contínuo, com o advento do Decreto Regulamentador (Decreto 8.420/15), houve a qualificação legal do "Programa de Integridade" previsto no Capítulo IV, pela previsão dos artigos 41 e 42 do diploma legal.

No âmbito da administração pública, a Nova Lei de Licitações tornou obrigatória a adoção de programas de integridade pelas pessoas jurídicas nos contratos de grande vulto firmados com a administração pública (contratos com valor superior a R$ 200 milhões), devendo, no prazo de até 6 meses da celebração do contrato, instituir um programa de compliance na estrutura interna da organização (Lei 14.133/2021, artigo 25, §4º), estabelecendo ainda a implementação do programa de integridade como critério de desempate entre dois ou mais licitantes, assim como, a determina como requisito obrigatório de reabilitação na seara administrativa.

Em outro sentido, à luz da ideia de abrandamento calculado de punições, a Lei 14.230/21, que promovera alterações substanciais na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), sem seu artigo 17-C, inciso "f", menciona que a sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, entre outras questões, observar a atuação do agente em minorar os prejuízos e as consequências advindas de sua conduta omissiva ou comissiva.

Assim, resta claro que, na última década, o legislador brasileiro passou a apostar fortemente na formação de uma cultura de integridade no interior das organizações privadas, que, em nossa visão, deve se estender às instituições públicas que, por certo, possuem dever acentuado de ética pública e de fornecimento do exemplo a ser seguido na ordem privada, constituindo uma nova forma de política criminal por meio do aumento da utilização do direito administrativo sancionador.

Neste sentido, tem-se que o mecanismo do compliance na administração pública brasileira, em especial, no tocante à importância de sua aplicação na gestão dos municípios, já vem sendo estudado e aplicado por alguns municípios. Deste modo, de forma pioneira, o Programa de Compliance Público Municipal, criado pelo estado de Goiás, tem como fim estabelecer um conjunto de procedimentos e estruturas destinados a assegurar a conformidade dos atos de gestão com padrões morais e legais, bem como garantir o alcance dos resultados das políticas públicas e a satisfação dos cidadãos, fomentando a ética, o governo aberto e a gestão de riscos, conforme menciona expressamente a Controladoria-Geral do Estado de Goiás [3].

Conforme Barros (2020) [4], com base nas informações e dados coletados pelo Ministério Público de Contas do Estado do Paraná, em estudo realizado no período compreendido entre o segundo semestre de 2019 e o primeiro semestre de 2020, foi possível auferir o nível de maturidade que os municípios daquela localidade possuíam em relação a aplicação da Lei Anticorrupção nº 12.486/2013 e do Decreto nº 8.420/2015, e, também, visualizar na prática como o tema "boas práticas de governança" tem influenciado na gestão de entidades e órgãos públicos, independente do Poder constituído que integram.

Neste sentido, constatou-se no estudo que vários são os benefícios de utilizar um programa de compliance e de integridade na gestão municipal, dentre eles: a eliminação ou redução significativa da possibilidade de cometimento de atos ilícitos por parte dos agentes públicos; o ganho de credibilidade com potenciais investidores, fornecedores e clientes; o aumento da eficiência e da qualidade dos serviços prestados à sociedade; a melhora nos níveis de governança; a otimização dos recursos financeiros e humanos; a fortificação da legislação que rege a temática, garantindo, assim, a prevalência da segurança jurídica; a estruturação de processos e procedimentos que mitiguem a corrupção e eventuais desvios de conduta; a melhora no ambiente de trabalho; o fortalecimento da imagem do Estado; a previsibilidade e antecipação de problemas; a padronização das atividades desenvolvidas; a aproximação dos cidadãos e da iniciativa privada com os poderes públicos; e, a prevalência do princípio da transparência dos atos públicos.

Assim, é plausível e necessária uma análise da institucionalização de mecanismos de compliance na administração pública municipal voltada a prevenção de ilícitos, não tão somente para combater a corrupção por meio de medidas repressivas, como também, para promover ação preventiva por parte do Estado. Tais medidas são relevantes para minimizar os impactos causados pela parceria público-privado, em especial na implantação de grandes empreendimentos em pequenos municípios, que possuem pouca estrutura de pessoal e financeira, onde a integridade é fundamental, servindo de alicerce para sustentabilidade de toda parceria.

O Brasil conta com mais de 5.000 municípios, responsáveis por bilhões de reais gastos em compras públicas e contratações todos os anos. Para que haja o melhor aproveitamento possível de recursos, o gerenciamento adequado do patrimônio público, o cumprimento das metas e políticas públicas estabelecidas e a plena prestação de contas à sociedade, é imperioso que os municípios brasileiros disponham de órgãos e mecanismos de controle interno efetivos e que atuem, principalmente, de forma preventiva, acautelando eventuais prejuízos à imagem e confiabilidade do Estado, aos cidadãos, aos gestores e aos programas de governo.

Dessa forma, além de monitorarem e avaliarem a regularidade dos processos, procedimentos, compras e programas municipais, esses órgãos de controle também têm como atribuição disseminarem as melhores práticas de controladoria e de uma cultura de integridade e transparência em todo o município, viabilizando a participação e o controle social, bem como, fomentando, sempre que possível, a criação de estruturas próprias em cada uma das secretarias municipais e órgãos públicos, observado, claro, as limitações de cada organização.

Por fim, futuras pesquisas poderão ampliar o conhecimento sobre compliance na administração pública, detalhando a posição dos gestores neste contexto, evidenciando possíveis atitudes que contribuam para que os municípios consolidam medidas que abranjam a transparência e uma efetiva prestação de contas, contribuindo para o desenvolvimento municipal perene e sustentável.

 


[1] LINDBERG, Staffan I. Accountability: the core concept and its subtypes. (Working Paper, nº 1). London: Africa Power and Politics Programe, 2009.

[2] Bottini, P. C. (2019). Lavagem de dinheiro. São Paulo: Revista dos Tribunais.

[4] BARROS, Bruno Sampaio. A importância do compliance nos municípios brasileiros. Revista do Ministério Público de Contas do Estado do Paraná, v. 7, nº 13, 2020.

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    é advogado, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Campina Grande, especialista em Direito Público, pesquisador do Núcleo de Pesquisa de Interpretação e Decisão Judicial (Nupid).

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    é advogado, mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Gama Filho (UGF) e em Gestão Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), procurador-chefe da Assembleia Legislativa da Paraíba, ex-juiz membro titular do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, consultor jurídico da Assembleia Legislativa da Paraíba e conselheiro da Ordem dos Advogados Seccional Paraíba.

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    é advogada, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Campina Grande, pós-graduada em Direito Constitucional pela Universidade Regional do Cariri, pós-graduanda em Ciências Criminais pelo Cers e ex-professora de Direito e Processo Penal da Universidade Regional do Cariri.

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