A investigação criminal se orienta ao levantamento qualificado de dados e informação que, após análise, pode se transformar em evidências suficientes à construção da Teoria do Caso. Na etapa de investigação criminal o escopo é a obtenção de elementos válidos e sólidos, aptos a suportar inferências quanto à autoria, à materialidade e ao elemento subjetivo (dolo ou culpa), com a atribuição ou a exclusão da possível responsabilidade penal. Para realização dos atos de investigação, os agentes policiais utilizam-se de técnicas específicas com o objetivo de fundamentar futura ação penal ou excluir responsabilidade penal, bem como justificar a instauração da Justiça Negocial (SANNINI NETO, CABETTE, 2017 [1]), especialmente por meio do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). Configuram-se, então, três escopos primordiais: (a) acusatório; (b) defensivo; e, (c) negocial.
Segue-se o dever de qualificar e de preservar a autonomia da atividade de investigação. Ganham relevância dinâmicas da investigação criminal como porta de entrada da aplicação de Justiça [4], de modo que a condução dos trabalhos investigativos deve observar critérios técnicos, racionais, coerentes, muitas vezes associados ao contexto digital, por meio da gestão qualificada dos atos e das estratégias aplicadas no decorrer dos procedimentos de apuração.
A gestão da investigação criminal se caracteriza pelo conjunto de atividades, tarefas e papéis realizados pelo tomador de decisão a fim de desenvolver questões operacionais relacionadas a planejamento, organização, influência e controle das dinâmicas de equipe e coleta de evidências relacionadas ao evento histórico referência. Nesse sentido, a gestão da investigação passa, necessariamente, pela interação entre as informações colhidas ao longo do processo investigatório e o andamento das ações desenvolvidas pela equipe de campo, devendo ser devidamente orientada e supervisionada, orientada à maximização da eficiência e da eficácia dos atos investigativos, em conformidade com as regras de obtenção e produção (NORDIN; PAULEEN; GORMAN, 2009 [5]).
Do ponto de vista histórico, a função de gestão da investigação criminal no Brasil se dá a partir da reforma do Código de Processo Penal em 1841, com a criação da Polícia Judiciária e os "chefes de polícia", podendo estes designar autoridades locais para o exercício da função da chefia de polícia de maneira delegada. Criam-se os cargos de delegados e subdelegados de polícia (BARBOSA, 2014 [6]).
A função do delegado de polícia, para além da presidência da investigação criminal, envolve, dentre outras atribuições, a gestão de unidade policial, resolução de questões burocráticas e administrativas, planejamento de atividades operacionais, gerenciamento de pessoas, além de políticas de reestruturação material da unidade, propondo medidas de engajamento da equipe (ASENSI, 2015 [7]). As dinâmicas guardam equivalência com o denominado "senior investigating officer" (SIO) — profissional da polícia do Reino Unido, encarregado de investigações criminais complexas, com a função de comandar a equipe, gerenciar recursos materiais e humanos direcionados à atividade investigativa (COOK, 2019 [8]).
Exige-se do delegado de polícia, além do conhecimento jurídico necessário para a condução da investigação e das dinâmicas do processo investigativo (SMITH; FLANAGAN, 2000 [9]), a compreensão relacionada à ciência da administração, viabilizando a boa gestão policial (SANTOS, 2021). Em consequência, do gestor da unidade de investigação de crimes espera-se a aquisição de habilidades investigativas vinculadas à construção da teoria do caso (relacionar, processar, compor os dados e informações por meio da construção da hipótese acusatória) e, também, de coordenação e de gestão de pessoas, processos, orçamentária e investigativa. (GOTTSCHALK; SOLLI-SÆTHER, 2007; EMIL BERG et al., 2008).
O entendimento quanto à gestão da investigação criminal ganha reforço com a necessidade de o presidente do inquérito ter a compreensão de todos os atos investigativos e de toda a informação possível relacionada ao crime investigado, a fim de viabilizar melhores decisões estratégicas, dentro do fair play. A necessidade de conhecimento do contexto investigativo sustenta-se em principiológica, destacando-se o princípio do equilíbrio e controle da investigação criminal, consistente no domínio integral da investigação por parte dos agentes policiais investigadores, exercitando-se o controle e a estabilidade das diligências realizadas com a condução das informações e desenvolvimento de ações devidamente orientadas a determinado objetivo (SANTOS, 2021 [10]). Além disso, o controle de legalidade e de legitimidade deve acompanhar os riscos associados aos eventos procedimentais, especialmente a regularidade dos meios de obtenção de prova, prevenindo responsabilidades e garantindo a eficácia probatória futura.
É possível indicar que o delegado de polícia, cargo equivalente ao SIO, exerce seis funções basilares na gestão da investigação criminal, divididas entre relações de ambiente interno da instituição e relação com ambiente externo. Quanto às primeiras, destacam-se as funções de líder de pessoal (garantindo função de motivação de equipe), gestor administrativo (promovendo a alocação de recursos para a execução do trabalho), porta voz (exercendo a função de rede entre a unidade policial e a instituição) e "empreendedor" (resolvendo os problemas das dinâmicas de trabalho e buscando recursos para melhoria das atividades do grupo). Acerca da relação com o ambiente externo, citam-se as funções de ligação e monitoramento (GLOMSETH; GOTTSCHALK, 2010 [11]). A primeira se relacionada às atividades de trocas de informações com ambiente externo à instituição policial, a exemplo do diálogo com a sociedade, imprensa, com a magistratura, Ministério Público ou outras forças policiais; a segunda se afigura como uma das mais significativas funções do delegado de polícia, denominada de "gatekeeper", caracterizada pela função de evitar que atividades e/ou forças externas possam prejudicar ou interferir no andamento regular das investigações, desvirtuando a atividade de Polícia Judiciária (EMIL BERG et al., 2008 [12]).
Figura 01: Framework da função gerencial do SIO
Dentre as seis funções acima indicadas, há destaque para a função de proteção da investigação criminal para evitar a influência e/ou manipulação externa nos atos e estratégias investigativas. A função de gatekeeper do delegado de polícia, portanto, deve estar alicerçada por instrumentos jurídicos que protejam a função de autoridade contra eventuais vinganças e/ou perseguições de ordem administrativa ou política. Nesse ponto, a Lei 12.830/13 garante ao delegado de polícia a proteção jurídica para evitar a redistribuição ou a avocação ilegítima de investigações, bem como a designação do delegado de polícia para outra unidade, sem justificativa que atenda ao interesse público — garantindo uma "semi-inamovibilidade".
O princípio do equilíbrio e controle da investigação criminal preconiza a coordenação estratégica das dinâmicas da investigação, o que não se coaduna com influências externas que alterem o panorama do planejamento investigativo. Segue-se o dever do delegado de polícia em promover o monitoramento dos atos investigatórios, evitando possíveis influências nefastas à eficácia das dinâmicas investigatórias.
Daí que assegurar ao delegado de polícia a plena autonomia investigativa se mostra essencial ao Estado Democrático de Direito, viabilizando a persecução criminal de maneira técnica, qualificada, impessoal e coerente, sem interferências indevidas na atividade investigativa policial, até porque existem mecanismos administrativos e penais de controle interno e externo. É preciso reconhecer cada vez mais a autonomia da função do delegado de polícia na condução e proteção da integridade das investigações criminais, otimizando-se mecanismos de controle contra qualquer interferência estranha ao interesse público associado à atividade investigatória atribuída.
Desejamos Feliz Ano Novo!
[1] SANNINI NETO, Francisco. SANTOS CABETTE, Eduardo Luiz. Estatuto do delegado de polícia comentado – Lei 12.830 de 20 de junho de 2013. Rio de Janeiro: Processo, 2017.
[2] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. EMais, Florianópolis, 2023.
[3] BULHÕES, Gabriel. Manual de Investigação Defensiva. Florianópolis: EMais, 2022.
[4] BERMUDEZ, André Luiz. A Investigação Criminal orientada pela Teoria dos Jogos. EMais, 2021.
[5] NORDIN, M.; PAULEEN, D. J.; GORMAN, G. E. Investigating KM antecedents: KM in the criminal justice system. Journal of Knowledge Management, v. 13, nº 2, p. 4–20, 2009.
[6] BARBOSA, A. M. Curso de Investigação Criminal. Porto Alegre: Núria Fabris, 2014.
[7] ASENSI, F. Delegados-líderes e a necessidade de pensar contra o cérebro. In: ZANOTI, B. T.; SANTOS, C. I. (Eds.). Temas Avançados de Polícia Judiciária. 1ª ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 103–138.
[8] COOK, T. Senior Investigating Officer's – handbook. 5ª ed. New York: Oxford University Press, 2019.
[9] SMITH, N.; FLANAGAN, C. The effective detective: Identifying the skills of an effective SIOHome Office, 2000.
[10] SANTOS, C. J. DOS. Teoria Geral da Investigação Criminal. 2ª ed. Belo Horizonte: Pandion, 2021.
[11] GLOMSETH, R.; GOTTSCHALK, P. Leadership Roles in Police District Management. v. 2, nº 4, p. 11–23, 2010.
[12] EMIL BERG, M. et al. Police management roles as determinants of knowledge sharing attitude in criminal investigations. International Journal of Public Sector Management, v. 21, nº 3, p. 271–284, 2008.