Opinião

Lei nº 14.230/2021: uma retrospectiva jurisprudencial

Autor

  • Acácia Regina Soares de Sá

    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) coordenadora do Grupo Temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT integrante do Grupo de Pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

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30 de dezembro de 2022, 19h15

A Lei nº 14.230, sancionada em 25 de outubro de 2022, trouxe profundas alterações no sistema de combate à improbidade administrativa no Brasil. As referidas alterações decorreram de um anteprojeto de lei elaborado por uma comissão de juristas sob a presidência do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Mauro Campbell.

Após 14 meses de vigência, já foram propostas várias ações de inconstitucionalidade, sendo que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se pronunciou, definitivamente, sobre dois temas e, recentemente (27/12/2022), concedeu liminar sobre outros temas.

O primeiro a ser julgado foi o Tema 1.199 que tratou da "definição de eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente" [1].

No referido julgamento foram firmadas seguintes teses: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 — revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa —, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei".

No final do mês de agosto de 2022, o STF decidiu pela legitimidade dos entes públicos que tenham sofrido prejuízos em razão da prática de atos de improbidade administrativa para proporem ação e celebrar acordos de não persecução civil em relação aos atos de improbidade, declarando nulos os dispositivos da Lei nº 14.230/2021 que concediam ao Ministério Público legitimidade exclusiva para a propositura das ações em razão da prática de improbidade.

Em 27/12/2022 o ministro Alexandre Moraes, em medida cautelar, proferida na ADI 7.236 [2] suspendeu a eficácia do artigo 1º, § 8º, da LIA, que afastava a improbidade nos casos em que a conduta questionada se baseasse em entendimento controvertido nos tribunais; do artigo 12, § 1º, da LIA, que prevê que a perda da função pública atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza do agente com o poder público no momento da prática do ato; do § 10 do artigo 12, o qual estabeleceu que na contagem do prazo de suspensão dos direitos políticos, o intervalo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória deve ser computado retroativamente; do artigo 17-B § 3º, da que exigiu a manifestação do Tribunal de Contas competente para o cálculo do ressarcimento em caso de acordo de não persecução penal com o Ministério Público; e ainda do artigo 21, § 4º, segundo o qual, a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação por improbidade.

A medida cautelar acima mencionada indeferiu o pedido em relação aos artigos 11, caput e incisos I e II; 12, I, II e III, §§ 4º e 9º, 18-A, parágrafo único; 17, §§ 10-C, 10-D e 10-F, I; 23, caput, § 4º, II, III, IV e V, e § 5º e conferiu ainda interpretação conforme ao artigo 23-C, segundo o qual atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, serão responsabilizados nos termos da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, mas sem prejuízo da incidência da Lei de Improbidade Administrativa.

Diante da análise das decisões acima mencionada, é possível então observar que em pouco mais de um ano de vigência a Lei nº 14.230/21, que alterou a Lei n.º 8.429/92 já sofreu mudanças substanciais em razão dos julgamentos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal ante a divergência de sujeitos responsáveis pela apuração de atos de improbidade administrativa, a exemplo do ministério público.

As mudanças provenientes das decisões do STF impactam a reforma realizada, vez que alterou a configuração dada à lei aprovada pelo Congresso Nacional, em diversos pontos.

Dessa forma, ainda que algumas das interpretações decorrentes das decisões do STF venham de encontro às deliberações do Congresso Nacional, observa-se que estão se prestando a adequar a lei à realidade jurídica e fática do país, de modo a garantir sua efetividade no combate à corrupção e defesa da probidade administrativa, seus principais objetivos.

Autores

  • é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, especialista em função social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), mestre em políticas públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), coordenadora do grupo temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJ-DF, integrante do Grupo de Pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência, Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

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