Embargos Culturais

"Aula de inglês", de Rubem Braga, e a inocência do ensino e da aprendizagem

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente pela USP doutor e mestre pela PUC- SP advogado consultor e parecerista em Brasília. Foi consultor-geral da União e procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

25 de dezembro de 2022, 8h00

Na introdução de uma imperdível recolha sobre o tema, crônicas, Joaquim Ferreira dos Santos escreveu que a crônica é a "literatura de bermuda". Sem entrar na prosaica discussão se devo escrever literatura de bermuda ou literatura de bermudas (no caso acho que Joaquim está sempre certo), lembro-me, nesse quase fim de ano, da crônica, "Aula de Inglês", do espírito-santense Rubem Braga (1913-1990).

Spacca
Há uma importante lição metodológica nas páginas (poucas) dessa crônica, além, certamente, do leitor saborear aula sobre elegância ao escrever, bom humor, crítica cultural e ironia. O cronista de Cachoeiro do Itapemirim identifica, em poucas linhas, as razões explicativas da deficiência (e da insuficiência) do ensino tradicional do inglês entre nós. Creio que publicada originalmente em "Um Pé de Milho", em 1945, a crônica é anterior (muito anterior) à Netflix, à internet, ao Spotfy, a assinatura online do The Economist, e a todas essas facilidades que tornaram o inglês menos hierático.

Eu sou do tempo do livro do João Fonseca, "New Spoken English", com aquela capa escura com o Big Ben. Antes de minha geração estudava-se pelo "Spoken English", do mesmo João Fonseca, cuja capa exibia um guarda inglês (daqueles da cerimônia da troca de guardas) e uma mapa da Inglaterra. Encontrei esses dois livros recentemente em um sebo. Lembro-me que o negócio era decorar todos os textos, fórmula infalível para passar de ano. Algum leitor se lembra do João Fonseca, ou das aulas de inglês dos anos 1970? Em 1987 foi lançada a revista Speak Up, e então tudo mudou. Acho que a revista ainda existe, em forma digital. Voltemos às "Aulas de inglês".

Rubem Braga começa a crônica com a professora perguntando se o objeto que tinha nas mãos era um elefante (is this an elephant?). O aluno divaga para explicar com clareza e malícia que o objeto não poderia ser um elefante, e não porque a tromba seria o elemento que definiria o elefante. Para mim, a tromba lembra um "snorkel", e pode um dia ter tido essa utilidade.

Em seguida, o aluno responde que o objeto também não seria um livro. O cronista/aluno conhecia livros, lidava com livros, e os diferenciava de outras coisas, como tijolos e cerejas maduras. Em seguida, a pergunta torna-se quase irrespondível. A professora pergunta se o objeto era um "handkerchief". Não havia como saber, muito difícil, palavra complicadíssima. O aluno arriscou: "no, it is not!". Acertou. Ufa.

Ao fim, ao ser perguntado se o objeto era um "ash-tray", respondeu positivamente. A professora foi tomada de alegria e o aluno de orgulho e júbilo. Andando pelas ruas o aluno de tão contente imaginou comprar um cachimbo inglês e conversar com o embaixador da Inglaterra. O embaixador levaria um cachimbo à boca e o aluno afirmaria que não se tratava de um cinzeiro. Uma conversa profunda e producente.

Lido sob vários outros aspectos, que transcendem à curiosidade literária, e o gosto pelos bons textos, "Aula de inglês" é uma ode à inocência do ensino e da aprendizagem, uma crítica às metodologias centradas na forma, e não no conteúdo, bem como uma celebração à seriedade e ao comprometimento da professora, que, ao ouvir a resposta correta, "teve o rosto completamente iluminado por uma onda de alegria; os olhos brilhavam- vitória- vitória!". Rubem Braga era bacharel em Direito, formado em Belo Horizonte, em 1932. Nunca advogou.

Autores

  • Brave

    é advogado em Brasília (Hage e Navarro), professor livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC-SP, professor titular mestrado-doutorado na Uniceub (Brasília) e professor visitante (Boston, Nova Déli, Berkeley, Frankfurt e Málaga).

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