Licitações e contratos

Prazo para pleitear o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato

Autores

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

  • Raphael Guimarães

    é advogado e sócio do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados com larga experiência na área de contratação pública.

23 de dezembro de 2022, 8h00

A preservação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos decorre de imposição legal de cláusula contratual obrigatória, conforme disciplinado no artigo 40, XI, da Lei nº 8.666/1993[1], bem assim no artigo 25, §7º, da Lei nº 14.133/2021[2], cujas normas buscam concretizar a garantia constitucional insculpida no artigo 37, XXI, da CRFB/1988[3].

Spacca
Por oportuno, cumpre esclarecer que a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo pode ser realizada pelas seguintes formas: i) reajuste e ii) repactuação, referentes às perdas inflacionárias; e iii) revisão, referente a fatos de consequências inevitáveis, ainda que previsíveis, classificados em força maior e caso fortuito. Ainda que não haja irrefutável consenso, seja no âmbito doutrinário, seja na jurisprudência, acerca das definições dessas formas, tal inquietude não revela qualquer prejuízo à ideia buscada no presente artigo.

Esquadrinhado o normativo jurídico basilar da preservação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, faz-se interessante analisar a possibilidade de o reajuste, a repactuação ou a revisão serem deferidos após o encerramento do contrato. É dizer, findo o prazo de vigência ou exaurido o objeto contratual, os valores previstos no instrumento contratual podem ser alterados?

Sob a égide da Lei nº 8.666/1993, não existia solução normativa explícita para a sobredita situação. Todavia, a Advocacia-Geral da União já possuía Orientação Normativa (22, de 1º de abril de 2009) no sentido de que "o reequilíbrio econômico-financeiro pode ser concedido a qualquer tempo, independentemente de previsão contratual, desde que verificadas as circunstâncias elencadas na letra "d" do inciso II do artigo 65, da Lei nº 8.666/1993".

Com o advento da Lei nº 14.133/2021, o lapso temporal para o contratado solicitar o restabelecimento da original equação econômica-financeira contratual passou a dispor de expressa solução normativa, senão vejamos:

Art. 131. A extinção do contrato não configurará óbice para o reconhecimento do desequilíbrio econômico-financeiro, hipótese em que será concedida indenização por meio de termo indenizatório.
Parágrafo único. O pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro deverá ser formulado durante a vigência do contrato e antes de eventual prorrogação nos termos do art. 107 desta Lei.

Se, por um lado, o legislador andou bem ao dispor que o pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro deve ser formulado durante a vigência do contrato, o mesmo elogio não deve ser estendido quando a norma prevê que o pedido de restabelecimento também deve ser formulado antes de eventual prorrogação, como se tal direito estivesse sujeito a uma espécie de preclusão lógica.

Não há que se falar em preclusão lógica, uma vez que o "silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa" e que os "negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se restritivamente", conforme disciplinados pelos artigos 111 e 113, do Código Civil.

A propósito, anote-se que o disposto no artigo 107, da Lei nº 14.133/2021, não traz, como exigência para formalização de prorrogação contratual, a inserção de cláusula sobre o equilíbrio econômico-financeiro do contrato:

Art. 107. Os contratos de serviços e fornecimentos contínuos poderão ser prorrogados sucessivamente, respeitada a vigência máxima decenal, desde que haja previsão em edital e que a autoridade competente ateste que as condições e os preços permanecem vantajosos para a Administração, permitida a negociação com o contratado ou a extinção contratual sem ônus para qualquer das partes.

E por que não é exigida tal cláusula no aditivo contratual de prorrogação? Porque o próprio edital licitatório já é obrigado (Lei nº 14.133/2021, artigo 25, § 7º) a prever índice de reajustamento de preço, o qual se incorpora ao contrato. Logo, permanecem inalteradas todas as cláusulas que não são afetadas por ocasião da formalização do aditivo prorrogador.

Nessa senda, "o silêncio do particular (e da própria Administração) apenas podem gerar efeitos jurídicos quando for inquestionável a existência de uma manifestação de vontade", adverte Marçal Justen Filho.[4]

Por sua vez, Joel de Menezes Niebuhr[5] assevera que a formalização de aditivo contratual visando à prorrogação de seu prazo de vigência, ainda que silente sobre eventual necessidade de se preceder ao restabelecimento da equação econômico-financeira, não atrai a incidência da preclusão lógica. "Quem concorda em estender o prazo do contrato não está com isto realizando um comportamento logicamente incompatível com a repactuação, reajuste ou revisão. Um diz respeito ao prazo e o outro ao valor do contrato. Um não depende do outro, são coisas distintas."

Na prática, a necessidade do restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, designadamente na forma de revisão, somente é percebida durante a execução da prorrogação contratual, haja vista que a revisão pressupõe a ocorrência de força maior ou de caso fortuito.

Para além, não pode ser ignorada a complexidade inerente à elaboração do pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo na modalidade da revisão.

No que se refere à preservação da original equação financeira-econômica do contrato pelas formas de reajuste ou de repactuação, ainda que, em tese, sejam elas mais simples de serem realizadas, o direito em questão não deve restar prejudicado por eventual formalização de aditivo contratual sem ressalva, sob pena de se chancelar enriquecimento sem causa por parte da Administração, o que é inconcebível e intolerável pelo ordenamento jurídico brasileiro, com suporte, designadamente, no inciso XXI, do artigo 37, da CRFB/1988.

Para Juliano Heinen, "em contrato extinto não cabe revisão, salvo se ela foi pleiteada antes do término do pacto".[6] Sendo assim, eventual repercussão econômico-financeira ocorrida durante a execução do contrato deve ser avaliada mesmo depois de sua extinção.

No nosso sentir, não há razão para conferir ao disposto no artigo 131, parágrafo único, da Lei nº 14.133/2021, interpretação no sentido de que foi positivada a incidência da preclusão lógica por ocasião da formalização de aditivo contratual sem a previsão de reajuste, repactuação ou revisão, sobretudo porque o equilíbrio econômico-financeiro em questão decorre de garantia constitucional.

À guisa de conclusão, considerando a possibilidade de os valores serem alterados após o encerramento do contrato, verifica-se que o almejado equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo deve ser plenamente assegurado, desde que solicitado durante a vigência do contrato.

Se, porém, for solicitado após o encerramento do contrato, ao requerimento deve se conferir maiores ressalvas, com motivada justificativa quanto à impossibilidade de fazê-lo durante a vigência do contrato, todavia, evitando, em todos os casos, o enriquecimento sem causa por parte da Administração, sob pena de violação direta e literal ao texto constitucional.


[1] Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.

[2] Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

[3] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

[4] JUSTEN FILJHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei 8.666/1993 – 18. ed. -ver., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, pág. 1.327-1.328.

[5] NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo – 4. ed. ver. e ampl. – Belo Horizonte: Fórum, 2016, pág. 1.056

[6] HEINEN, Juliano. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. – Salvador: Editora JusPodivm, 2021, pág. 668.

Autores

  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

  • é advogado e sócio do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados, com larga experiência na área de contratação pública.

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