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Em defesa de quilombolas, TRF-6 suspende licenças de complexo minerário em MG

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19 de dezembro de 2022, 13h40

O Tribunal Regional Federal da 6ª Região determinou a suspensão imediata de quaisquer atividades realizadas no procedimento administrativo do Complexo Minerário Serra do Taquaril (CMST) a ser instalado na Serra do Curral, em Minas Gerais. Trata-se de uma área que abrange trechos dos municípios de Belo Horizonte, Nova Lima e Sabará. Foram ainda revogadas as licenças prévias e de instalação que haviam sido dadas anteriormente.

O TRF-6 classificou as atividades licenciadas como de alto potencial poluidor, de classe 6, pois podem acarretar sérias transformações sociais, econômicas e ambientais; e que houve violação aos direitos da comunidade quilombola Manzo Ngunzo Kaiango, que habita o local.

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Consulta prévia a grupos impactados, como quilombolas, faz parte de convenção da OIT

O desembargador Álvaro Ricardo de Souza Cruz entendeu que, além da "flagrante violação do direito à consulta dos quilombolas, também fica evidenciado que o início das atividades de instalação autorizados pelo Estado trazem risco direto e imediato à manifestação existencial da comunidade Manzo".

"Considerando a relação entre os quilombolas, a Serra do Curral e a grande expectativa de impacto nos recursos ambientais da referida área, vislumbra-se que as atividades de instalação da atividade minerária trarão o sufocamento das tradições da comunidade Manzo Ngunzo Kaiango, o que, por sua vez, enquadra a situação na alínea 'a' item 1 do art. 6º da Convenção nº 169 da OIT", escreveu o desembargador em sua decisão.

Em sua decisão, Souza Cruz alerta que "a Administração Pública, ao analisar licenciamento ambiental no qual as atividades examinadas possam impactar a vida dos povos quilombolas, deve consultá-los de maneira específica, conforme a particularidade do caso e das individualidades e tradições de suas comunidades".

Não são invisíveis
O desembargador afirma que "a discriminação positiva trazida pela exigência de uma consulta aos integrantes da comunidade Manzo Ngunzo Kaiango não só é lícita, como se faz imperiosa para que os rostos destas pessoas não sejam invisibilizados, sendo necessário o cumprimento da Convenção. (…) A memória, a religiosidade, a liberdade e cultivo de práticas relacionadas com a natureza, dentre outros elementos, não podem ser desprezados a partir da supressão da consulta e do consenso que a Convenção exige".

A suspensão das licenças prévias e de instalação da CMST foi provocada por pedido do Ministério Público Federal numa ação civil pública ajuizada em junho deste ano. De acordo com o MPF, as licenças concedidas pelo governo estadual são nulas porque foram concedidas sem a indispensável consulta livre, prévia e informada à Comunidade Quilombola Mango Nzungo Kaiango, conforme obrigam a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os artigos 215 e 216 da Constituição Federal.

O Juízo Federal de 1ª instância havia negado a concessão da liminar requerida pelo MPF, que então recorreu ao TRF-6.

Para o procurador da República Edmundo Antonio Dias, autor da ação e do recurso, "a decisão do TRF-6 é o primeiro caso em que a nova corte federal aprecia o direito à consulta prévia, livre e informada, que é uma obrigação que o Brasil assumiu internacionalmente, ao assinar a Convenção 169 da OIT. É uma decisão que, por sua indiscutível importância, tanto na matéria, como pela relevância que tem em Belo Horizonte e em nosso Estado, merece ser reconhecida por sua perfeita harmonia com os paradigmas mais atualizados na matéria".

"O licenciamento ambiental realizado pelo Estado de Minas Gerais simplesmente desconsiderou a existência da comunidade quilombola Mango Nzungo Kaiango. Essa invisibilização tem consequências jurídicas, pois o Estado brasileiro, que é pluriétnico e multicultural, obrigou-se a consultar previamente os povos e comunidades tradicionais sobre as medidas que possam afetá-los diretamente. E a consequência jurídica não pode ser outra senão reconhecer a nulidade das licenças ambientais concedidas para o empreendimento Complexo Minerário Serra do Taquaril, que agora se encontram suspensas por essa decisão muito importante do Tribunal Regional Federal da 6ª Região. Faltou abertura, do Estado de Minas Gerais e da mineradora Tamisa, para um diálogo intercultural. É preciso que se siga avançando para alcançarmos na prática o paradigma da autonomia que foi estabelecido pela Constituição brasileira de 1988", destaca Edmundo Antonio Dias.

Patrimônio cultural e imaterial
A Manzo Ngunzo Kaiango é uma comunidade quilombola do município de Belo Horizonte, reconhecida pela Fundação Cultural Palmares desde 2007. Atualmente é integrada por 37 famílias, compostas por 182 pessoas. Em 2017, foi registrada como Patrimônio Cultural Imaterial de Belo Horizonte após aprovação unânime do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município, e, em 2018, recebeu o mesmo reconhecimento no âmbito estadual (patrimônio cultural de Minas Gerais), pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA).

De acordo com o MPF-MG, ambos os registros, municipal e estadual, ressaltaram a importância da atuação estatal para garantir a manutenção das práticas culturais, religiosas e sociais do quilombo.

No dossiê de registro que a reconheceu como patrimônio cultural de Belo Horizonte, as autoridades municipais destacaram "a importância desses coletivos para uma cidade mais diversificada em Belo Horizonte e, principalmente, o reconhecimento das resistências históricas extraordinárias desses coletivos contra processos de desterritorialização, de violência racial, étnica, religiosa, e cultural, dentre outros processos hostis constituidores da formação das cidades".

No entanto, segundo o MPF, a comunidade de Manzo foi surpreendida com a notícia, pela imprensa, de concessão das licenças ambientais para a instalação do Complexo Minerário Serra do Taquaril, sem que lhe tivesse sido feita qualquer consulta, pela empresa ou por órgãos do poder público, a respeito do projeto. Com informações da assessoria de imprensa do MPF-MG.

Clique aqui para ler a decisão.
ACP nº 1029068-41.2022.4.01.0000

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