Opinião

A Lei Geral de Proteção de Dados e os condomínios

Autor

  • William Rocha

    é sócio do Terra Rocha Advogados doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Católica da Argentina (UCA) mestrado em Direito Empresarial Econômico pela UCA mestrando em Ciência da Informação pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBICT/UFRJ) especialista com MBA em Direito do Consumidor e da Concorrência pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ) e em Defesa do Consumidor Telecomunicações e Proteção de Dados ex-Procurador Adjunto da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro (Jucerja) assessor da presidência da Jucerja encarregado de Proteção de Dados (DPO) da Jucerja diretor vogal do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef-RJ) para contratos e LGPD e Conselheiro da Govdados e participante da Comissão de Defesa do Consumidor da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade e da Comissão de Gestão e Empreendedorismo Jurídico da OAB/RJ.

17 de dezembro de 2022, 7h10

A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), de nº 13.709, aprovada em agosto de 2018 e com vigência total a partir de 18 de setembro de 2020, regulamenta o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, tendo como principais fundamentos os direitos fundamentais de liberdade, privacidade e do livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural (artigo 1º).

Tem como modelo de inspiração a legislação europeia de proteção de dados, conhecida como GDPR — General Data Protection Regulation (vigente desde 25/5/2018). Atualmente mais de 130 países possuem legislação e proteção de dados em vigor.

Para aderir à LGPD nos condomínios, é preciso realizar um mapeamento detalhado dos dados pessoais tratados na atividade e o seu ciclo de vida. É necessário identificar onde estão, como estão armazenados, quem tem acesso, se os dados são compartilhados com terceiros e se eles estão seguros.

Dessa forma, com um planejamento correto e a aplicação de boas práticas de privacidade, é possível aplicar a LGPD no cartório e manter as operações com base nas melhores ações de transparência e defesa do cidadão.

Síndicos podem ser penalizados? Em quais casos?
Em dizeres jurídicos, para além da função e dos limites do consentimento do usuário, tema fortemente trabalhado na LGPD (especialmente em seus artigos 5º, XII, e 7º, I), impõe-se a transparência quanto às finalidades da coleta (artigo 6º, I), a adequação do tratamento de dados à finalidade informada (artigo 6º, II) e a utilização de mecanismos seguros para a realização de tais operações (artigo 6º, VII).

Muitos poderiam indagar sobre a aplicação da LGPD a condomínios, alegando a ausência de personalidade jurídica deste ente. Todavia, houve uma mudança neste aspecto, pelo contido nos enunciados (RGPD). n° 90, da I Jornada de Direito Civil, e n° 246, da III Jornada de Direito Civil. Ainda assim, se discutiam três ângulos, a serem observados: o primeiro quanto à efetividade de aplicação da LGPD, já que o conceito de controlador e operador não se encaixariam perfeitamente ao contexto; o segundo ponto, pelo fato de que, como a rigor os condomínios edilícios não possuem faturamento, assim seria ambígua a possibilidade de aplicação da multa simples e/ou diária previstas na LGPD; e, por fim, também juridicamente debatido, se eventual violação seria considerada objetiva ou subjetiva, dado à complexa cadeia de responsabilidade civil que permeia os condomínios.

Enunciado n° 90: "deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse";
Enunciado n° 246: "fica alterado o enunciado n° 90, com supressão da parte final: 'nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse'. Prevalece o texto: 'deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício'.

Como regra, o condomínio responde pelo prejuízo causado a terceiros por ação ou omissão do síndico, respondendo o síndico perante o condomínio por atos que extrapolam as suas atribuições e, seguindo a mesma lógica, o administrador (muitas vezes pessoa jurídica), enquanto delegado do síndico. Na prática, será preciso determinar as figuras de controlador e/ou operador envolvidas, de modo a delinear a medida da responsabilidade pelo tratamento de dados de cada um.

Porém, é certo que há a necessidade do tratamento adequado dos dados das partes envolvidas. Ou seja, fica claro que os responsáveis pela proteção a esses dados (e eventualmente aos dados sensíveis que se coletem nos condomínios) devem seguir os requisitos legais, até mesmo pela lógica da proteção que usualmente permeia a cultura organizacional dos condomínios, notadamente no nível residencial, sendo prudente que se realize treinamento dos recepcionistas, porteiros, vigias, e sincronia entre a proteção e segurança que se busca oferecer, juntamente com os administradores e gestores.

O síndico, é o responsável pela gestão de um condomínio, nesse caso deverá estar atento às responsabilidades de gestor e cumpridor das determinações legais que envolvem os condomínios. Não haverá responsabilizações fora do previsto em lei.

Informe público de inadimplência?
A lei exige dos condomínios o mapeamento e a adequação das atividades que envolvam tratamento de dados pessoais, que vão desde a coleta de informações para que um terceiro adentre um edifício comercial até o registro da lista de condôminos inadimplentes.

A empresa de cobrança poderá acessar os dados do condomínio para fins de recuperação do crédito em favor de toda coletividade, não sendo caracterizada a violação aos dados pessoais ou sensíveis na forma do artigo 7º, II e X da LGPD.

No mesmo sentido, o artigo 11º da Lei estabelece as hipóteses para utilização dos dados sensíveis: "(…) cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador; (…)".

Sobre o informe de inadimplência, da mesma forma, aplicam-se tais dispositivos aos demais prestadores de serviços do condomínio onde há a necessidade de armazenamento e utilização destes dados para cumprimento das suas atividades, como administradora, empresa de sindicância e empresa controladora de acesso (portaria remota).

Quais são os dados pessoais coletados e tratados em um condomínio?
Não há regras específicas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) sobre esse assunto, mas duas situações diferentes devem ser destacadas:

a) regra geral: a imagem é um dado pessoal, logo, em princípio a LGPD se aplica à sua captação por câmeras, em ambientes públicos ou privados;

b) exceções: a LGPD não se aplica ao tratamento de dados pessoais (logo, à captação de imagens) realizado por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos (artigo 4º, I), ou realizado para fins exclusivos de segurança pública, defesa nacional, segurança do Estado, ou atividades de investigação e repressão de infrações penais (artigo 4º, III); portanto, em todas essas situações (que abrangem, por exemplo, o cercamento eletrônico no município e o uso de uma "dashcam" em automóvel particular) a LGPD não incide.

Ainda que não haja a aplicação da LGPD, a imagem é protegida como um direito da personalidade, ou seja, não se pode esquecer que devem ser observadas as regras do Código Civil.

E dos visitantes, pela portaria?
Sobre visitantes, as bases legais previstas na LGPD e que mais se adéquam à situação são: legítimo interesse (artigo7º, IX) e para proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiros (artigo 7º, VII). A correta subsunção vai depender da finalidade do tratamento no caso concreto.

Como lidar com os dados de crianças e adolescentes?
Ainda que a LGPD não tenha previsto os dados pessoais de crianças e adolescentes no rol de dados sensíveis do artigo 5º, II, a lei imprime obrigações mais rígidas para o seu tratamento. Em outras palavras, o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes exige medidas mais cautelosas, para a sua proteção.

Como proteger as imagens coletadas nos sistemas do circuito de TV?
Sobre a utilização de câmeras de vigilância ou segurança e do uso de CFTV (circuito fechado de televisão) em ambientes públicos e privados. Atualmente não há uma lei específica sobre a regulamentação quanto ao uso de câmeras de segurança. O ideal é que deve sempre ser levada em conta a ética e o respeito aos direitos de privacidade garantidos pela Constituição Federal, assim como, o tratamento de dados pessoais estabelecidos na LGPD (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018).

O artigo 5º, inciso I, da LGPD conceitua dado pessoal como "informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável". O uso de ferramentas de monitoramento, como as câmeras de vigilância ou segurança, é muito comum em ambientes públicos ou privados.

A instalação de câmeras CFTV devem ser instaladas de tal modo que filmem o perímetro da propriedade a qual o indivíduo pertence, caso contrário, ao captar imagens da casa de outras pessoas (vizinhos) e transeuntes, o proprietário da câmera/residência estaria ferindo a lei de proteção de dados.

É recomendável que o proprietário das câmeras deva informar às pessoas que aquele local está sendo gravado. O meio mais utilizado para alertar os transeuntes é através de símbolos em placas, que devem ser claros e legíveis.

Como tratar as imagens e áudios gerados nas assembleias?
Como já falado, a partir da vigência da LGPD todo e qualquer tratamento de dados para ser lícito deve observar, no mínimo, os seguintes pontos: 1) ter uma base legal que o justifique (artigos 7º e 11); 2) atender os princípios da Lei (artigo 6º) e 3) adoção de regras que garantam a segurança da informação (artigos 46 e 47).

É recomendável que o presidente da Assembleia deva informar às pessoas que aquela reunião está sendo gravada, isso pelo Zoom, ou qualquer aplicativo de reunião virtual.

As bases legais previstas na LGPD e que mais se adéquam à situação são: legítimo interesse (artigo 7º, IX) e obrigação legal/regulatória (artigo 7º, II).

Dados dos condôminos podem ser compartilhados? E os dos funcionários?
Sim, podem ser compartilhados, por questões de contrato, consentimento, determinação legal, etc. Mas o uso compartilhado de dados pessoais deve atender a finalidades específicas e atribuição legal, como previsto na LGPD.

Importância de investir num sistema de Segurança da Informação. Quais as responsabilidades do síndico diante das diretrizes da LGPD? Os riscos de multas e ações judiciais.

A LGPD prevê dois mecanismos de responsabilidade pelos agentes de tratamento de dados em razão das infrações cometidas em consonância com suas disposições: a responsabilidade administrativa e a civil. No caso da responsabilidade administrativa, ela trouxe mecanismos de sanções aplicáveis pela ANPD (artigo 52 da LGPD) e no caso da responsabilidade civil, trouxe o mecanismo de ressarcimento de danos, por meio de acionamento tradicional do Poder Judiciário (artigo 22 da LGPD).

Em ambos os casos, e até mesmo no caso de uma eventual responsabilidade administrativa, deverão ser instaurados processos administrativos pela ANPD, até pela própria observância do contraditório e ampla defesa, já que se apurará os riscos, danos e a conduta dos envolvidos no incidente. Apenas após este procedimento é que se aplicará a sanção condizente, em que uma delas, e em especial destaque, é a multa de até 50 milhões de reais por infração.

Para mitigar os riscos de multas e ações judiciais, deve-se adotar medidas preventivas e regras corporativas sobre segurança da informação, manutenção da integridade dos dados e procedimento padrão para casos de incidentes são ferramentas que não podem faltar a um Programa Institucional de Compliance com a LGPD.

Confira alguns documentos que podem ser adotados pelo condomínio:

 Acordo de confidencialidade com porteiro, zeladores, seguranças e demais colaboradores;

 Política interna de privacidade, delineando as regras e a finalidade do tratamento de dados de condôminos e funcionários;

 Política externa de privacidade, voltada ao tratamento de dados de visitantes e disponível para consulta;

 Manual para os colaboradores com orientações a respeito da coleta e tratamento de dados pessoais.

— Além de servirem como forma de esclarecer e orientar a respeito do tratamento de dados, esses documentos e políticas também ajudam a comprovar que o condomínio adota boas práticas de proteção de dados  um fator importante para a adequação à LGPD.

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Referências bibliográficas
ANPD. Guia orientativo para definições dos agentes de tratamento de dados pessoais e do encarregado. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e-publicacoes/2021.05.27GuiaAgentesdeTratamento_Final.pdf. Acesso em 30 de nov. de 2022.

Revista dos Condomínios Disponível em https://revistadoscondominios.com.br/impacto-da-lei-geral-de-protecao-de-dados-no-cotidiano-condominial/ Acesso em 30 de nov. de 2022.

Revista-FM-Connection Disponível em: https://millicare.com.br/wp-content/uploads/2022/10/Revista-FM-Connection_01_SET2022.pdf

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    é sócio do Terra Rocha Advogados, doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Católica da Argentina (UCA), mestrado em Direito Empresarial Econômico pela UCA, mestrando em Ciência da Informação pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBICT/UFRJ), especialista com MBA em Direito do Consumidor e da Concorrência pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ) e em Defesa do Consumidor, Telecomunicações e Proteção de Dados, ex-Procurador Adjunto da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro (Jucerja), assessor da presidência da Jucerja, encarregado de Proteção de Dados (DPO) da Jucerja, diretor vogal do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef-RJ) para contratos e LGPD e Conselheiro da Govdados e participante da Comissão de Defesa do Consumidor, da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade e da Comissão de Gestão e Empreendedorismo Jurídico da OAB/RJ.

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