Opinião

FGC: funções, natureza jurídica e contribuição para estabilidade do sistema

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14 de dezembro de 2022, 16h14

Desde 1995, quase 40 instituições financeiras "quebraram" no Brasil. Por mais impressionante que seja esse dado, a maior parte da população o desconhece, provavelmente por uma boa razão: em todos os casos de quebras bancárias no período, o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) pagou mais de R$ 10 bilhões a cerca de 4 milhões de depositantes e investidores, abrandando em muito o impacto das quebras.

Em 27 anos, o FGC também já desembolsou cerca de R$ 25 bilhões em operações de assistência financeira a mais de 40 instituições associadas, para atender a demandas de insuficiência de liquidez, reenquadramento de capital ou mitigação de impactos.

Neste artigo, apresento aspectos básicos sobre a função dos fundos garantidores de créditos e a respeito da natureza jurídica e organização do FGC.

A importância de fundos garantidores de créditos
Os primeiros fundos garantidores de créditos datam do século 19, criados nos Estados Unidos, após uma onda de quebras bancárias. Autoridades constataram que rumores sobre a fragilidade de um banco poderiam causar pânico em seus clientes, que, ao correrem para sacar seus recursos, poderiam levar à quebra da instituição. Percebeu-se, então, a necessidade de criar mecanismos para garantir parte dos recursos depositados, contra o risco de quebra bancária [1].

A crise global gerada pelo subprime, em 2008, nos Estados Unidos, talvez seja o melhor exemplo recente da função fundamental exercida pelos fundos garantidores de créditos: preservar e promover a confiança da população no sistema bancário.

Natureza jurídica e as funções do FGC
O FGC é uma associação civil sem fins lucrativos, criada e regulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). É usualmente classificada como paybox plus, já que, além de desempenhar a função de pagar garantias a depositantes e investidores, também presta assistência financeira a instituições financeiras ou seus controladores. Suas finalidades estatutárias são: proteger depositantes e investidores no âmbito do Sistema Financeiro Nacional (SFN), até os limites estabelecidos em seu regulamento; contribuir para a manutenção da estabilidade do SFN; e contribuir para a prevenção de crise bancária sistêmica.

A entidade não representa os interesses de suas associadas, nem sofre qualquer interferência em suas decisões executivas, algo primordial para atuar de maneira imparcial e técnica, predicados de um órgão cuja função social é contribuir para a estabilidade econômica do País.

Quanto às garantias, o Estatuto Social do FGC estabelece o pagamento aos respectivos beneficiários a partir da decretação de intervenção ou de liquidação extrajudicial de uma associada, ou reconhecimento, pelo Banco Central do Brasil, do estado de insolvência dessa instituição. Atualmente, a garantia ordinária provida pelo FGC é limitada a R$250 mil por CPF ou por CNPJ [2].

Já em relação às operações de assistência ou de suporte financeiro a instituições financeiras, o FGC está autorizado a contratá-las com instituições associadas, diretamente ou por intermédio de empresas por elas indicadas, ou com seus acionistas controladores.

Diferentemente de uma agência de fomento, o FGC não tem a função de incentivar a concorrência entre instituições financeiras por meio das operações de assistência, mas sim de contribuir para a manutenção da estabilidade do Sistema Financeiro Nacional. As operações tampouco visam lucro, o que não quer dizer que sejam ou que devam ser gratuitas. Afinal, o FGC administra recursos relevantes à sociedade, e deve ter respeitado seu direito de recuperar os recursos emprestados.

Funcionamento desses fundos ao redor do mundo
Atualmente, garantidores de créditos estão presentes em mais de uma centena de países. Em sua maioria, as entidades garantidoras de depósitos são filiadas a uma associação internacional, denominada International Association of Deposit Insurers (Iadi). A associação, da qual o FGC também faz parte, é responsável por fixar os princípios a serem observados pela regulação aplicável a seus membros.

No Brasil, as normas do CMN que regulam a atividade do FGC incorporam vários princípios-chave emanados pela Iadi, dentre os quais destacam-se: a obrigatoriedade de que instituições financeiras contribuam com os fundos garantidores; a necessidade de ampla divulgação sobre os benefícios e limites dos fundos garantidores (justamente para evitar o pânico); que o fundo garantidor pague tempestivamente as garantias aos seus beneficiários (para assegurar a confiabilidade no mecanismo); e que a legislação assegure ao fundo garantidor o direito à sub-rogação nos créditos pagos, tornando possível habilitar os créditos sub-rogados contra a massa liquidanda ou falida na mesma classe original do crédito.

Há dois anos, o FGC lançou um aplicativo para smartphones, pelo qual o beneficiário da garantia pode receber seu pagamento sem a necessidade de se deslocar até uma agência bancária. É uma inovação significativa, em linha com o princípio de que o pagamento deve ser o mais célere possível.

Contribuições mensais são a principal fonte de receita
A maior parte dos recursos do FGC provém das contribuições mensais feitas pelas instituições associadas, que são obrigatórias. Também são fontes de receita os valores obtidos a partir de empréstimos concedidos, além de quantias eventualmente pagas por massas liquidandas ou falidas de instituições financeiras, com relação aos créditos nos quais o FGC se sub-roga.

Sub-rogação nos créditos dos beneficiários como mitigador do risco moral
Um dos princípios-chave da Iadi é o de que fundos garantidores devem ter assegurado seu direito de sub-rogar-se na mesma classe que aquela originalmente atribuída ao beneficiário/cedente do instrumento garantido [3]. Na base do preceito encontram-se duas questões caras ao sistema financeiro, e, por consequência, à sociedade: preservar os recursos dos fundos garantidores e mitigar o chamado "risco moral" (moral hazard) associado ao comportamento de investidores e controladores de instituições financeiras.

Quanto à preservação de recursos, os fundos garantidores são, em última instância, gestores indiretos de parte dos recursos de pessoas que os depositam em instituições financeiras, e, portanto, devem ter capacidade de recuperar os recursos da sociedade bancarizada. Em suma, devem ter respeitado o direito de tomar medidas para reaver ao menos uma parte do que vierem a despender no exercício da sua função.

Para compreender o problema do risco moral, basta pensar o seguinte: se os fundos garantidores não pudessem se sub-rogar nos créditos que pagam aos beneficiários da garantia, investidores e controladores de instituições financeiras quebradas não teriam de concorrer com os fundos garantidores pelo rateio do acervo da instituição, o que aumentaria o risco ao sistema.

Importância do Judiciário para a atuação do FGC
Em seus quase 30 anos, o FGC conquistou lugar de destaque no Sistema Financeiro Nacional. Os brasileiros têm a segurança de que sua poupança estará garantida, até os limites regulamentares, e nosso desafio é aumentar o conhecimento de todos a respeito da importância do Fundo. Para isso, é fundamental que o Poder Judiciário tenha ciência sobre o funcionamento e o propósito do FGC, para que os operadores do Direito estejam aptos a identificar com clareza os interesses legitimamente tutelados pelo Fundo em pretensões cujo objetivo é recuperar recursos financeiros para a sociedade.


[1] O Regulamento do FGC, que constitui o Anexo II da Resolução CMB 4222/2013 estabelece um limite de R$ 250 mil a título de garantia ordinária por pessoa por instituição financeira, ainda limitado a um total de R$ 1 milhão a cada período de quatro anos.

[2] O valor de R$250 mil por CPF ou CNPJ é ainda limitado a R$1 milhão a cada período de 4 anos consecutivos, contados do primeiro fato gerador para acionamento da garantia, contra o conjunto de todas as instituições em tal período.

[3] O princípio encontra-se concretizado na norma contida no §1º do artigo 3º do Estatuto Social do FGC que, por sua vez, constitui o Anexo I à Resolução CMN nº 4222/2013.

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