Opinião

Impacto legislativo da relevância da questão de direito federal

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12 de dezembro de 2022, 13h20

Qual o volume de recursos especiais continuaria a ser admitido no STJ (Superior Tribunal de Justiça por tratar de questão de direito federal com relevância presumida? Qual o percentual de processos deixaria de ser recebido no STJ em razão da análise do requisito da relevância?

O estudo do impacto legislativo é indispensável para se responder a estas perguntas e se obter o melhor resultado possível da regulamentação legal. A frase torna-se ainda mais oportuna em razão do anteprojeto de lei enviado pelo STJ ao presidente do Senado em 5 de dezembro com a proposta de regulamentação da Emenda Constitucional 125 de 2022, que criou o requisito da relevância da questão de direito federal para a admissão de recursos especiais [1].

A Emenda Constitucional, que inseriu os §§2º e 3º ao artigo 105 da Constituição, trouxe duas situações distintas: 2) hipóteses em que o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei  cujo anteprojeto acabou de ser apresentado (§2º) e 1) hipóteses de recursos com relevância presumida (§3º).

A EC 125/2022 previu cinco hipóteses de relevância presumida no §3º do artigo 105 e admitiu que outras fossem acrescentadas por lei. No anteprojeto apresentado, não foram incluídas outras hipóteses no rol de relevância presumida, assim como também não foi especificado se a relevância presumida é relativa ou absoluta [2] e nem detalhadas as hipóteses existentes [3].

Um levantamento realizado pelo STJ em junho de 2022 traz alguns dados relevantes para auxiliar na análise do impacto legislativo da criação do requisito da relevância. O mapeamento foi elaborado considerando as classes REsp (Recurso Especial) e AREsp (Agravo em Recurso Especial) nos processos recebidos entre janeiro de 2021 e junho de 2022.

Para cada hipótese de relevância presumida indicada no 3º do artigo 105 da CRFB, o citado levantamento considerou os seguintes parâmetros:

a) ações penais: foram considerados todos os recursos de natureza criminal;
b) ações de improbidade administrativa: foram considerados os recursos com os assuntos "Dano ao erário", "Enriquecimento ilícito" e "violação dos princípios administrativos", referentes a ações de improbidade administrativa;
c) ações cujo valor da causa ultrapasse 500 salários-mínimos: foi utilizado um estudo realizado pela Secretaria Judiciária no ano de 2014, que incluiu o intervalo de  200 salários-mínimos, resultando em um percentual de 13% de recursos acima desta faixa, considerados na estimativa;
d) ações que possam gerar inelegibilidade: os motivos de inelegibilidade associados a condenação criminal e a improbidade administrativa já foram contabilizados nas hipóteses de ação penal e de improbidade;
e) hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do STJ: foram considerados todos os recursos de RESp e AREsp providos, uma vez que não foi possível identificar o motivo do provimento.

A partir desses parâmetros, e tomando por base os anos de 2021 e 2022 (até junho), foi possível identificar o seguinte impacto legislativo:

RELEVÂNCIA PRESUMIDA

2021

2022

Recursos recebidos no ano (RESP e ARESP)

291.044

144.967

          Penais – Inciso I

39.582

22.677

          Improbidade Adm  Inciso II

2.193

982

          Recursos Providos  Inciso V

27.699

16.169

      Recursos com VC > 200 SM – Inciso III

37.836

18.846

Total com relevância presumida

107.310

58.674

Percentual no ano

36,87

40,47

Restante para análise de relevância

183.734

86.293

Como se percebe, em 2021, por exemplo, dos mais de 291 mil recursos recebidos, cerca de 107 mil  ou seja, mais de um terço  teriam relevância presumida, sendo a maior parte das hipóteses referentes a ações penais e ao valor da causa superior a 200 salários mínimos (lembrando que redação da EC 125/2022 exige que o valor da causa ultrapasse 500 salários mínimos, mas ainda não há estudo específico com este valor). Com base nessa estimativa, a demonstração da relevância da questão federal deveria ser comprovada pelo recorrente em cerca de 184 mil processos  que corresponde a maior parte, ou seja, os dois terços restantes.

A partir destes dados, a questão fundamental para análise do impacto legislativo passa a ser: do total de recursos que o STJ terá que analisar a relevância da questão federal, por não se enquadrarem nas hipóteses de relevância presumida, qual percentual deixaria de ser admitido? Em outras palavras, usando por base os cerca de 184 mil REsp e AREsp recebidos em 2021, quantos destes não seriam admitidos em razão do instituto criado pela EC 125/2022?

O levantamento feito pelo STJ no auxilia a responder esta questão utilizando de empréstimo o percentual de impacto fornecido pelo STF em relação à repercussão geral nas classes recurso extraordinário (RE) e agravo em recurso extraordinário (ARE). Lá, foi estimado que o percentual de 36% de recursos das classes RE e ARE deixaram de chegar ao STF devido ao instituto da repercussão geral. A aplicação deste percentual aos recursos em que haveria análise da relevância no STJ gera a seguinte estimativa:

 

2021

2022

Recursos restantes para análise da relevância

183.734

86.293

Aplicação de 36%

66.144

31.066

Essencial uma observação neste ponto. Há diferenças entre os institutos da repercussão geral e da relevância da questão federal, assim como é distinta a forma como cada tribunal utiliza seus institutos processuais. Além disso, a natureza da competência do STJ é mais abrangente que a do STF. Estes fatores sugerem que o percentual final de processos que deixariam de ser recebidos pelo STJ em razão da criação do requisito da relevância pode ser superior aos 36% estimados acima.

A expectativa é que o anteprojeto comece a tramitar, por iniciativa do Senado, de forma célere e que esteja efetivamente implementado em 2023, daí a relevância de estudos de impacto legislativo.

O momento demonstra a importância de requisitos como este – por alguns chamado de "filtro"   para a dinâmica jurisdicional. Como concluímos na pesquisa conduzida por meio do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário (Ciapj), "a mudança de paradigma trazida pelos filtros é passível de tirar a ideia recursal de olhar pelo retrovisor, a fim de que se olhe para frente, para o futuro, no sentido de os tribunais superiores trabalharem na construção do direito e de paradigmas mais sólidos para embasar a atuação dos graus inferiores de jurisdição". Participaram da pesquisa, além dos dois autores deste texto: Fernanda Bragança, Humberto Dalla Bernardina de Pinho, Mariana Devezas, Osmar Mendes Paixão Côrtes, Renata Braga, Rodrigo Cunha Mello Salomão e Teresa Arruda Alvim.

Clique aqui para ler a pesquisa


[1] Disponível aqui.

[2] Disponível aqui.

[3] Anteprojeto disponível aqui.

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