Opinião

Imunidade tributária e blindagem patrimonial posta em xeque pelos tribunais

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12 de dezembro de 2022, 17h12

Nos últimos anos, houve intensa publicidade quanto às vantagens das chamadas holding's familiar e patrimonial. Boa parte da comunidade jurídica referente ao nicho do direito imobiliário, empresarial e sucessório passou a fomentar e a democratizar a expansão de tais holding's fazendo com que ocorresse um crescimento exponencial de tais estruturas jurídicas.

E tais formatos vieram para dar solução a duas questões. A primeira delas relaciona-se ao fato do inventário judicial ser caro e moroso e o inventário extrajudicial, embora célere, permanecer sendo caro, ante a incidência do imposto estadual ITCMD. A segunda questão remonta à vulnerabilidade dos empresários quanto às dívidas sociedades empresárias fruto de decisões judiciais flexíveis relativamente à desconsideração da personalidade jurídica, fontes geradoras de insegurança jurídica.

Neste contexto, as holding's familiar e patrimonial surgem, não só para fins de planejamento sucessório e não pagamento, tanto do ITCMD, como do ITBI, ante a imunidade tributária quanto a este último referente à integralização de imóvel em sociedade empresária, mas também para fins de blindagem patrimonial, pois os bens particulares serão todos patrimônio da sociedade e, assim, blindados por ela.

Importante destacar que, o artigo 156, §2º, inciso I, da Constituição Federal, instituiu a imunidade do ITBI em relação à transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital. A matéria também veio disciplinada nos artigos 36 e 37 do Código Tributário Nacional. Assim, a realização de capital social de empresa mediante a transferência de imóvel, em tese, é imune à tributação.

Porém, ao conceder tal imunidade o legislador pretendeu incentivar o incremento da atividade econômica no país. De todo modo, a holding familiar tem como estrito objetivo, o planejamento tributário, sucessório ou a blindagem patrimonial de seus sócios. E, certamente, este objetivo não se enquadra no preceito imunizante, haja vista ela não é criada para fomentar o mercado e a geração de emprego e renda.

Da mesma forma, as holding's familiares e patrimoniais vêm sendo utilizadas para frustrar cobranças e blindar os sócios por suas dívidas pessoais, configurando-se, assim, abuso da personalidade jurídica fruto do desvio de finalidade. À toda evidência, os tribunais não podem aceitar que a pessoa jurídica seja utilizada com o propósito de esvaziamento do patrimônio das pessoas físicas e, com isso, frustrar credores.

O Superior Tribunal de Justiça, por meio do Agravo em Recurso Especial nº 1675017-PR, tendo Sérgio Kukina como ministro relator, no dia 18 março de 2022, se debruçou sobre o tema, negando provimento a agravo em recurso especial, assim pontuando:

"Assim, verifica-se que o Tribunal de origem decidiu a controvérsia à luz de fundamentos prevalentemente constitucionais, matéria insuscetível de ser examinada em sede de recurso especial (…) nego provimento ao agravo."

E, o acórdão de origem do Tribunal de Justiça do Paraná, assim dispunha:

"Ao conceder referida imunidade o constituinte pretendia incentivar a livre iniciativa, com o objetivo de que os imóveis sejam utilizados na atividade desempenhada pela pessoa jurídica (…) a impetrante é empresa constituída sob a forma de holding não financeira (…) Logo, o único objetivo da criação da empresa, aparentemente, é o planejamento tributário, sucessório ou a blindagem patrimonial dos sócios. Obviamente esta é uma medida legal, a priori. Contudo, tal objetivo não se encaixa no preceito imunizante esclarecido anteriormente, haja vista que a empresa não foi criada para fomentar o mercado com a geração de empregos e riquezas."

Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Federal, através de decisão publicada no dia 2/5/2022, de relatoria do Presidente do STF, em sede de Agravo em Recurso Extraordinário nº 1378663- PR, negou seguimento ao agravo interposto, e o acórdão de origem, também advindo do TJ-PR, assim discorreu:

"Empresa constituída sob a forma de holding não financeira (…) o único objetivo da criação da empresa, aparentemente, é o planejamento tributário, sucessório ou a blindagem patrimonial dos sócios. Obviamente esta é uma medida legal, a priori. Contudo, tal objetivo não se encaixa no preceito imunizante esclarecido anteriormente, haja vista que a empresa não foi criada para fomentar o mercado com a geração de empregos e riquezas."

Na mesma linha, o TJ-PR, de forma originária:

"As prova existentes nos autos revelam que a impetrante atua como 'Holding Familiar', sem exercer qualquer atividade econômica destinada a produção de bens ou prestação de serviços, o que afasta os elementos ínsitos a imunidade de ITBI na integralização de capital com bens imóveis, prevista no artigo 156, §2º, I da Constituição da República". (Proc. nº 0045798-31.2021.8.16.0000, relator: Vicente Del Prete Misurelli, Data de Publicação: 3/5/2022).

Como verifica-se, o objetivo da concessão desta imunidade é facilitar e incentivar a atividade econômica e produtiva, não possibilitando o reconhecimento da imunidade tributária quando uma sociedade tiver por finalidade apenas o planejamento tributário de uma família, a qual a constitui não para desempenhar uma atividade produtiva e econômica. Resta, assim, claro que esse modelo de gestão familiar afasta o caráter econômico e empresarial da sociedade empresária constituída, não preenchendo os pressupostos constitucionais necessários para a concessão da imunidade tributária. Irrecusável que, a inatividade da sociedade concebida é incompatível com os dispositivos autorizadores da imunidade do ITBI.

Nesta trilha, segue o Tribunal de Justiça do Ceará:

"Não havendo atividade em exercício, demonstrada pela ausência de receita operacional e pelas considerações supracitadas, convirjo com o juízo de origem, pois não é razoável conceder imunidade à pessoa jurídica constituída sob forma de holding patrimonial familiar, cujo intuito é apenas facilitar a administração dos bens tributados que compõem o patrimônio familiar, sem propósito negocial". (Proc. nº 02696030520218060001, relator: FRANCISCO LUCIANO LIMA RODRIGUES, Data de Julgamento: 21/11/2022, 3ª Câmara Direito Público, Data de Publicação: 29/11/2022).

Da mesma maneira, o Tribunal de Justiça de São Paulo:

"TRIBUTÁRIO. ITBI. (…) Se a contribuinte está inativa desde a sua constituição, havida muitos anos atrás, não se pode considerar provável direito à imunidade oriunda da integralização do capital com imóveis da sócia". (Agravo de Instrumento nº 2089727-67.2022.8.26.0000; relator: Botto Muscari; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Data de Registro: 05/08/2022).

"Prova pericial  Imprescindibilidade para aferir o seu direito à benesse constitucional da imunidade tributária (…) converter o julgamento do Recurso de Apelação em diligência, determinando-se a realização de prova pericial no que diz respeito aos balanços patrimoniais e demonstrativos de resultados constantes dos autos, a fim de que se verifique se há receita operacional e qual a origem predominante das atividades da embargante". (Proc. nº 1009422-16.2020.8.26.0152, relator: Silvana Malandrino Mollo, 14ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 25/04/2022).

Por fim, também verifica-se que o intuído de blindagem patrimonial não vêm sendo alcançado, considerando a retirada do véu da blindagem pelos Tribunais.

Nessa linha, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

"A holding familiar foi utilizada para frustrar cobranças e blindar os sócios de suas dívidas pessoais, configurando abuso da personalidade jurídica na variante desvio de finalidade (…) a sociedade empresária agravante é utilizada como único fim de blindagem patrimonial dos bens (…) o que configura desvio de finalidade. O ordenamento jurídico não pode aceitar que a pessoa jurídica seja utilizada com o único propósito de esvaziar o patrimônio das pessoas físicas e, com isso, lesar credores". (Proc. nº 50380292520228240000, relator: Janice Goulart Garcia Ubialli, Data de Julgamento: 04/10/2022, 4ª Câmara de Direito Comercial).

O Tribunal de Justiça de São Paulo mostra-se também alinhado:

"Holding patrimonial não pode ser obstáculo para satisfação da obrigação. Executado que transferiu a integralidade de seus bens à holding patrimonial (…) Execução que corre desde agosto de 2014 sem sucesso na satisfação do crédito". (Proc. nº 2072778-65.2022.8.26.0000, relator: Régis Rodrigues Bonvicino, 21ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/08/2022).

"O conjunto probatório produzido demonstra o desvio de finalidade, uma vez que inequívoco nos autos que a constituição da empresa (…) se deu como tentativa de blindagem do patrimônio do coexecutado. (…) Evidências de atos com o intuito de lesar credores. Abuso da personalidade jurídica caracterizado". (Proc nº 2181446-33.2022.8.26.0000, relator: Walter Barone, 24ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/09/2022).

Por fim, assim acresce o Tribunal de Justiça do Paraná:

"A transferência de imóveis feita pelo devedor a ‘holding familiar’, administrada por sua esposa, na qual esta e os filhos do casal figuram como sócios, faz presumir o conluio com o fim de frustrar a execução, configurando fraude à execução". (Proc. nº 0025924-18.2021.8.16.0014, relator: Hamilton Mussi Correa, 15ª Câmara Cível, Data de Publicação: 23/05/2022).

Nesse sentido, apesar de toda a publicidade que envolve o tema, o estudo pragmático das recentes decisões judiciais fruto dos diversos Tribunais mostra que não é sólida a segurança jurídica, nem quanto à imunidade do ITBI, nem quanto à pretensão de blindagem patrimonial. Resta assim, por hora, ainda como real solução pacificadora da divisão patrimonial fruto do falecimento, o caro e moroso inventário judicial, quando inexistirem presentes os requisitos para realização do extrajudicial. Quanto à blindagem patrimonial, qualquer que seja, ela representa abuso de direito se o fim for lesar legítimos credores.

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