Opinião

A prova pericial em matéria previdenciária: um pequeno desabafo

Autor

  • Diego Henrique Schuster

    é advogado professor doutorando e mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro da atuação jurídica do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

7 de dezembro de 2022, 16h47

Não é inconformismo de perdedor, mas se eu soubesse que as preliminares de cerceamento de defesa seriam todas rejeitadas com fundamento no formulário PPP (perfil profissiográfico previdenciário) "sem inconsistências", ou seja, como prova absoluta da não exposição a agentes nocivos, eu teria dispensado não apenas o relatório, mas também a sustentação oral e, quiçá, a própria ação previdenciária, já que a resposta estava pronta, muito antes da pergunta.

Agência Brasil
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O indeferimento da prova pericial indispensável para a demonstração da exposição a agentes nocivos constitui não apenas verdadeira restrição ao direito de prova, mas ao próprio acesso à justiça, tornando evidente a ausência de jurisdição. O que acrescenta gravidade à ausência de um devido processo constitucional é o fato de a decisão transitar em julgado e fazer coisa julgada.

Dum ponto de vista hermenêutico, o que me irrita profundamente é a inexistência de uma resposta capaz de ser, em situações similares, universalizada. Cumpre perguntar: o formulário PPP "sem inconsistências" faz prova absoluta da não exposição a agentes nocivos? Insisto: Não está incorreto dizer que o formulário "não apresenta inconsistências". O problema é que, no caso concreto, pode ser absolutamente falsa a presunção de que o formulário reproduz com exatidão a realidade laboral vivenciada pelo trabalhador.

Antes do julgamento dos recursos, decisões haviam sido confirmadas em processos cuja prova pericial fora deferida em primeira instância, privilegiando a Turma o laudo pericial, o que mostra que a prova pericial é irrelevante até que seja feita. Centenas de perícias, algumas na própria empresa, justificam, pois, a necessidade/utilidade de prova pericial ou, até mesmo, a validação do laudo. Até mesmo quando o procurador do INSS desafia a especialidade da atividade, alegando a existência de laudos contrários, ele está, em última análise, justificando a necessidade/utilidade de prova pericial, a partir de um padrão de dúvida relevante.

Assim sendo, melhor sorte assiste ao segurado que tem o seu pedido de prova pericial deferido em primeira instância. Então, cumpre perguntar aos membros das Turmas do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (tribunal no qual atuou), a fim de provocar o estranhamento/reflexão: tivesse sido produzida a prova pericial ainda no primeiro grau, com pleno contraditório, num aparente conflito entre as informações do formulário e o laudo judicial, o que prevaleceria? Ainda assim seria mantido o formulário "sem inconsistências"?

Em relação à prevalência do laudo pericial, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região já decidiu:

"A presunção de veracidade das informações constantes nos formulários e laudos emitidos pela empresa não é absoluta. Dessa forma, se a parte autora apresenta indícios de que o PPP não retrata as suas reais condições de trabalho, o meio adequado para dirimir a controvérsia é a prova pericial.
Na existência de conflito entre os fatos demonstrados no PPP e as constatações registradas no laudo pericial produzido em juízo, deve preponderar a prova judicial, uma vez que foi submetida ao contraditório, com todas as etapas inerentes ao devido processo legal. Além disso, deve ser prestigiada a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo jurisdicional [1]."

Uma vez mais, portanto, resta claro que melhor sorte assiste ao segurado que tem o seu pedido de prova pericial deferido em primeira instância, e isso não se relaciona muito bem com igualdade perante o poder judiciário, tampouco com segurança jurídica. Nos casos em que indeferida a prova pericial em primeira instância, cria-se um fundamento irrecorrível (que não dá alternativa pra quem lê), qual seja, de que o formulário não apresenta inconsistências, afinal, ao juiz é possível conduzir a produção de provas conforme a sua consciência, como se fosse o único destinatário da prova – isso não é fundamentação, é ornamentação, como já vi o Professor Lenio Streck dizer!

Ainda: existe um limite temporal para a realização de prova pericial? Se hoje a prova pericial constatar a existência de agentes no meio ambiente de trabalho, ao juiz não é possível presumir, com suficiente margem de segurança, que, senão piores, as condições de labor ao tempo do exercício da atividade são idênticas? Isso porque o progresso das condições laborais caminha no sentido de reduzir os riscos e a insalubridade do trabalho. Com efeito, não se pode fazer qualquer restrição à prova pericial, vale dizer: antecipando a valoração do seu resultado. Note-se que o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia (CPC, artigo 473, §3º).

Das duas, uma: ou se criam critérios seguros e controláveis para se definir quando é possível a prova pericial (já escrevi mais de 100 páginas sobre isso); ou se permite ao autor custear a prova pericial, mormente naqueles casos em que ela se apresenta como condição de possibilidade, vale dizer: para a comprovação dos agentes nocivos omitidos pela empresa. Até quando a prova pericial vai ser analisada ao gosto do juiz?

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[1] TRF4, AC 5034367-41.2014.4.04.7108, 5ª TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 26/07/2020. Aqui também: "Na existência de conflito entre os fatos demonstrados no PPP e as constatações registradas em laudo pericial produzido em juízo, deve preponderar a prova judicial, uma vez que foi submetida ao contraditório, com todas as etapas inerentes ao devido processo legal. Além disso, deve ser prestigiada a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo jurisdicional". (TRF4 5009949-95.2012.4.04.7112, QUINTA TURMA, relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 25/07/2020).

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