QUESTÃO DE PRIORIDADES

Desembargador vê falta de 'bom senso' e dá liminar contra compra de tanques

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7 de dezembro de 2022, 14h47

O poder discricionário da Administração Pública não é absoluto. Ele deve atender aos pressupostos de conveniência e oportunidade, sob pena de incorrer em falta de razoabilidade, desvio de finalidade, ilegalidade e até mesmo de "elementar bom senso".

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ReproduçãoDesembargador viu urgência na liminar porque compra estava para ser assinada

Desse modo, o desembargador Wilson Alves de Souza, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, fundamentou a concessão de liminar para impedir a União de celebrar contrato para a aquisição de 98 tanques de guerra no valor de R$ 5 bilhões.

"A discrição administrativa não é um cheque em branco conferido à autoridade para agir de forma livre e desarrazoada, mas, sim, um poder limitado e instrumental, serviente a uma finalidade normativa", justificou Souza. Segundo ele, cabe ao Poder Judiciário analisar se a discricionaridade alegável ou alegada pela Administração, ou contra ela, foi ou seria utilizada adequadamente, dentro dos limites da lei. A liminar foi concedida no início da madrugada da segunda-feira (5/12).

A assinatura do ajuste entre a União e o consórcio italiano Iveco-Oto Melara (CIO) estava prevista para essa data. Ao suspender o trâmite da negociação, o julgador anotou estar "obstada a celebração do referido contrato pela Administração Pública". A decisão também torna "sem qualquer efeito" eventual contratação feita após ciência do que foi decidido ou em descumprimento à deliberação, até futura apreciação de mérito.

O desembargador considerou manifesta a presença do periculum in mora, "eis que a previsão de assinatura do contrato sob impugnação é amanhã (05/12/2022), o que pode suceder a qualquer hora". A liminar foi concedida em regime de plantão judicial, conforme prevê resolução do TRF-1, e, retardá-la ou negá-la, conforme Souza, representaria alto risco de perecimento de direito ou dano de difícil reparação, causando insegurança jurídica, principalmente porque a contratada é ente jurídico internacional.

Cortes de verbas
Souza vislumbrou "evidente a ilegalidade da conduta administrativa" da União ao pretender comprar as 98 viaturas blindadas por 900 milhões de euros (cerca de R$ 5 bilhões) em momento de grave crise financeira. Segundo ele, são "sabidos e consabidos cortes ou contingenciamentos (não importa a terminologia que se queira usar) de verbas da educação e da saúde, que ultrapassam R$ 3 bilhões, além de outros cortes financeiros nas demais áreas sociais, descumprindo-se Lei Orçamentária por falta de receita".

Conforme o julgador, ainda há a intenção de a União adquirir 221 unidades do Centauro II (modelo dos blindados) até 2037, sem que haja necessidade desses equipamentos bélicos, como se o País estivesse em guerra iminente ou atual. “Ao que consta a todos, a única guerra que se está a enfrentar nesse momento é a travada contra a Covid-19, que permanece e recrudesce no atual momento – e isso também é fato público e notório -, a exigir mais investimentos em lugar de cortes, exatamente na área da saúde”.

Além de não atender aos pressupostos de conveniência e oportunidade, o que exige o controle jurisdicional, o ato administrativo atacado afronta sobretudo o "bom senso", destacou Souza: "Pois outra classificação não há quando, ao mesmo tempo em que se faz cortes de verbas da educação e da saúde por falta de dinheiro, se pretende comprar armas em tempos de paz. […] Dúvida não há de que estão presentes os requisitos autorizadores da medida cautelar de urgência".

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Ag 1041046-15.2022.4.01.0000

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