Opinião

Entrada em vigor do novo regulamento de arbitragem do CAM-CCBC

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6 de dezembro de 2022, 7h06

No último dia 1º de novembro entrou em vigor o novo Regulamento de Arbitragem (Regulamento 2022)[1] do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC).

O Regulamento 2022 substitui aquele até então vigente desde 2012 (Regulamento 2012) e traz mudanças significativas no regime aplicável a arbitragens sob administração do CAM-CCBC.

De início, o artigo 1.2 do Regulamento de 2022 inova ao esclarecer que o "CAM-CCBC também poderá administrar processos regidos pelo Regulamento de Arbitragem da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (Uncitral)".

De outro lado, confirmando a tendência que ganhou força durante a pandemia de Covid-19, o artigo 3.1 do regulamento prevê, agora como regra geral, que as comunicações escritas relativas ao procedimento arbitral serão feitas apenas em formato eletrônico, salvo acordo em sentido diverso.

A nosso ver, trata-se de uma medida que imprime maior celeridade ao trâmite dos procedimentos e que, em acréscimo, está alinhada a uma tendência de greener arbitrations, isto é, arbitragens mais sustentáveis do ponto de vista dos recursos físicos nela empregados.

O regulamento 2022 também conta com importante regra voltada a preservar a higidez do tribunal arbitral. Trata-se do artigo 9.7, que veda às partes, "no curso do processo, a criação de fato superveniente que caracterize impedimento a um ou mais árbitros, inclusive sob a alegação de alteração de sua respectiva representação, financiamento ou assistência".

Em linha com as regras de arbitragem empregadas em instituição internacionais, como a International Court of Arbitration da International Chamber of Commerce, em Paris, e a London Court of International Arbitration, o regulamento 2022 trouxe, também, regra específica quanto à indicação de árbitros nas chamadas arbitragens multiparte, nas quais há mais de uma pessoa física ou jurídica em ao menos um dos polos do litígio.

A nova regra, prevista no artigo 12.1 do regulamento, prevê que, "não havendo consenso sobre a forma de indicação de árbitro pelas partes, a Presidência do CAM-CCBC, considerados os interesses perseguidos pelas partes na arbitragem, poderá nomear todos os membros do tribunal arbitral, indicando um deles para atuar como presidente".

É uma alteração bem-vinda e que busca assegurar que os diferentes polos da disputa recebam tratamento igualitário, em especial considerando que a escolha do árbitro é vista como uma das principais vantagens do recurso à arbitragem. Assim, ou bem todos os polos indicam os coarbitros que desejam, ou nenhum deles indicará, e a instituição arbitral fará a escolha de todos os membros do tribunal.

Outra modernização relevante do Regulamento 2022 refere-se à integração de partes adicionais à arbitragem. O artigo 18 agora prevê, de modo expresso, a possibilidade de qualquer das partes solicitar a integração de terceiros ao processo, devendo fazê-lo "na primeira oportunidade que tiver para se pronunciar".

Caso todos os envolvidos consintam com a inclusão do terceiro na arbitragem, a questão não propõe maiores desafios. Na hipótese, mais comum, de isso não se verificar, a Presidência do CAM-CCBC analisará, em caráter provisório, a vinculação do terceiro à convenção de arbitragem aplicável ao litígio, devendo o tribunal arbitral (kompetenz-kompetenz) revisitar a questão após sua constituição. Se o pedido de integração surgir após a nomeação dos árbitros, a questão deverá ser levada diretamente ao tribunal.

Em qualquer hipótese, o artigo 18.6 do Regulamento 2022 prevê que a parte integrada ao procedimento "deverá concordar com o tribunal arbitral constituído e deverá ser firmado adendo ao Termo de Arbitragem" (artigo 19, § 1º da Lei 9.307/96  Lei de Arbitragem). Trata-se de um detalhe importante, pois visa a evitar que no futuro as partes questionem a higidez da formação do tribunal arbitral e, portanto, a validade da sentença que vier a ser proferida.

A possibilidade de consolidação de procedimentos, tratada timidamente pelo Regulamento 2012, também mereceu maior destaque no Regulamento 2022. A medida terá lugar 1) diante da concordância das partes; 2) se todas as demandas formuladas tiverem por fundamento a mesma convenção de arbitragem; ou 3) ainda que não o tenham, se as disputas estiverem relacionadas à mesma relação jurídica e as convenções de arbitragem, na visão da Presidência do CAM-CCBC, forem compatíveis entre si.

 Na mesma linha, o regulamento passou a cuidar também das chamadas arbitragens multi contract, isto é, fundadas em múltiplos negócios jurídicos. A nova regra autoriza as partes a "deduzir demandas oriundas ou relacionadas a mais de um contrato, em um único processo arbitral".

Nesse caso, a tramitação conjunta de pleitos será possível quando os pressupostos indicados no artigo 20.3 estiverem cumulativamente presentes: 1) as convenções arbitrais presentes em cada um dos negócios forem compatíveis entre si; 2) os pleitos decorrerem do mesmo negócio jurídico ou série de negócios jurídicos; e 3) a medida não impactar de modo negativo a eficiência e celeridade do procedimento.

No contexto atual de relações jurídicas sempre mais complexas e com vários partícipes, as novas previsões relativas à integração de partes adicionais, consolidação de procedimentos e arbitragens multi contract revelam-se pertinentes e endereçam problemas práticos frequentes, já conhecidos da doutrina e jurisprudência internacionais, e, não raro, determinantes para o desfecho do litígio.

No particular, releva notar que, diversamente do que se verifica quanto aos procedimentos multi contract, o Regulamento 2022 não elenca como pressuposto necessário à consolidação de procedimentos que a medida não prejudique a eficiência da arbitragem. Na realidade, considerações quanto a eventual ganho ou perda de eficiência decorrente da consolidação não integram o suporte fático da regra.

A omissão não parece ser fortuita. Embora a promoção de eficiência processual tradicionalmente tenha sido apontada pela doutrina e casuística internacionais como justificativa para se admitir a consolidação de procedimentos [2], já há algum tempo questiona-se a precisão de tal afirmação.

Afinal, a consolidação pode se justificar não em razão de um ganho em eficiência, mas sim para dissipar o risco de decisões conflitantes. Em acréscimo, análises quanto à eficiência da consolidação de procedimentos dependerão da natureza dos pedidos em disputa  p.e., a consolidação não se mostrará eficiente para o litigante que deduzir pedido simples e circunscrito , bem assim o momento procedimental em que a providência é discutida [3].

O regulamento também traz importante inovação ao passar a prever a figura do árbitro de emergência, nos termos de seu artigo 21 e das regras detalhadas no Anexo I, e não mais apenas por meio de resolução administrativa. É relevante notar que a adesão às regras relativas ao árbitro de emergência segue se dando em sistema de opt out. Dessa forma, as regras sobre árbitro de emergência se aplicam a todos os procedimentos sujeitos ao Regulamento 2022, salvo se as partes estipularem em sentido diverso (artigo 21.2).

De outro lado, conquanto não altere o momento que marca a estabilização dos pedidos das partes, isto é, a assinatura do termo de arbitragem, o artigo 23.5 do regulamento 2022 prevê a possibilidade de posterior alteração, modificação, aditamento ou inclusão de novos pedidos, desde que autorizado pelo tribunal arbitral. Ao analisar requerimento dessa natureza, o tribunal "deverá considerar a natureza de tais novas demandas, o estado atual da arbitragem e quaisquer outras circunstâncias relevantes".

Por fim, dentre as alterações que julgamos dignas de nota, o artigo 30.4.1 passa a prever critérios para a divisão dos ônus sucumbenciais, ao dispor que o tribunal arbitral "levará em consideração o resultado do processo arbitral, a complexidade do caso, o trabalho dos advogados e o comportamento das partes e de seus patronos, inclusive litigância de má-fé ou abuso de processo" para definir o valor e a proporção do reembolso dos gastos com a arbitragem.

Nesse breve texto, buscamos sublinhar as principais alterações introduzidas no regulamento. As novas regras parecem ter como propósito endereçar problemas concretos frequentes e cujos impactos práticos não devem ser negligenciados.

Somente a aplicação do regulamento 2022 na prática poderá dizer se as medidas introduzidas de fato estão aptas a fazer frente a tais problemas. Em qualquer hipótese, conhecer a fundo as novas regras será fundamental, tanto na fase de redação da cláusula compromissória, como após a instalação litígio.

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Notas de rodapé
[1] https://ccbc.org.br/cam-ccbc-centro-arbitragem-mediacao/resolucao-de-disputas/arbitragem/regulamento-de-arbitragem-2022/

[2] Cf., por exemplo, Corn Products v. Mexico, ICSID Case n.º ARB(AF)/04/1, 20.5.2005; Canfor et al. v. USA, arbitragem ad hoc, 7.9.2005.

[3] Para uma análise crítica quanto à consolidação, cf., dentre outros, Howes, Ted; Stowell, Allison M. The Consolidation Dilemma: Is There Finally a Pragmatic Solution, in ‘Dispute Resolution International 10 (2016).

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