Opinião

Responsabilidade civil no caso do assassino em série de Aracruz

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4 de dezembro de 2022, 10h46

"Ataque em escolas deixa três mortos e 13 feridos em Aracruz, no ES" foi das notícias mais chocantes na imprensa, número de mortes que subiu para quatro com o de uma professora que estava internada.

Diante do triste fato surge a seguinte indagação: de quem é a responsabilidade civil no caso?

Da responsabilidade civil das escolas
As mortes se deram em duas escolas, uma pública e outra privada. Passemos a analisar primeiro o caso da escola pública, onde três professoras morreram.

No caso em questão estamos diante de uma situação de responsabilidade extracontratual da Administração Pública, que é aquela não decorrente de um contrato público, pois três servidoras foram mortas no exercício da função.

Quanto ao tema, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma:

"Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incube de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos [1]."

Pelo conceito do autor supracitado, podemos perceber que o estudo da responsabilidade extracontratual se baseia na análise da responsabilização civil do Poder Público pelos danos decorrentes dos atos praticados pela Administração Pública, sejam atos lícitos ou ilícitos, sejam atos comissivos ou omissivos.

No mais, a nossa Constituição atual, no parágrafo 6º do artigo 37, afirma:

"§6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."  

Assim, conforme o texto constitucional supra, as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos atos praticados pelos seus agentes no exercício da função, ao menos como regra, de forma objetiva, ou seja, independentemente da comprovação de dolo ou culpa. Entretanto, no caso em testilha não houve um ato praticado por um agente público e sim uma omissão em não evitar o acontecido.

Desse modo, estamos diante de uma responsabilidade do Poder Público em virtude de uma omissão em não evitar a tragédia e quando falamos em responsabilidade objetiva da Administração Pública estamos querendo dizer responsabilidade pelos atos comissivos (decorrentes de uma ação) praticados por ela, pois em relação aos atos omissivos a doutrina e a jurisprudência entendem pela necessidade, como regra, da comprovação de dolo ou culpa, ou seja, podemos afirmar que a responsabilidade pelos danos decorrentes dos atos omissivos praticados pela Administração Pública é, como regra, subjetiva [2], sendo esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) [3].

Em vista do aludido, não basta um dano decorrente de uma omissão estatal para se caracterizar o dever de indenizar, é necessário que a omissão seja culposa, ou seja, é necessário que a administração tivesse o dever de agir e tenha se omitido. Não podemos, por exemplo, culpar o ente público toda vez que formos assaltados na rua, alegando que o dano decorreu da falta de segurança que é dever do Estado, mas se ficar comprovado a prática de um assalto ao lado de uma viatura policial e que os policiais se omitiram de forma negligente, não impedindo o dano, apesar de ser possível evitá-lo, aí sim teremos a possibilidade de o Estado responder pelos atos praticados pelos seus agentes.

Entretanto, a referida lógica não se aplica, segundo o STF, quando o Estado está na situação de garante, ou seja, quando alguém está sob a tutela específica do Poder Público, como no caso das escolas públicas em relação aos alunos e alunas e em relações aos seus agentes públicos, como as professoras e professores, situação em que necessariamente haverá a responsabilidade estatal objetiva, independentemente de se estar diante de uma ação ou de uma omissão [4].

Assim, em relação ao caso de Aracruz, o Estado deve ser responsabilizado civilmente pelas mortes das professoras, não havendo o que se falar em culpa exclusiva do atirador, primeiro porque ele era menor e segundo porque a escola deveria ter a segurança necessária para evitar tragédias do tipo.

Já em relação à escola particular, onde uma aluna veio à óbito, a lógica da responsabilidade da instituição de ensino é a mesma, existindo dispositivo no Código Civil falando expressamente sobre a responsabilidade civil das instituições de ensino, senão vejamos:

Artigo 932. São também responsáveis pela reparação civil:

"IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;". 

Além disso, é aplicado ao caso o Código de Defesa do Consumidor ao afirmar:

"Artigo 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".

Desse modo, a escola particular também responde de forma objetiva quando o serviço prestado não funcionada de forma adequada, tal como aconteceu no caso estudado no qual não foi garantida a segurança da aluna que estava sob a guarda da instituição de ensino.

Agora, visto a responsabilidade civil das instituições de ensino, haveria também o que se falar em responsabilidade dos pais do atirador devido ao fato dele ser menor de idade?

É o que veremos no tópico seguinte.

Da responsabilidade civil dos pais
No que tange as mortes das professoras na escola pública, o mesmo parágrafo 6º do artigo 37 acima mencionado afirma que ficará "assegurado o direito do regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Desta feita, o dispositivo legal em questão adotou o entendimento de que a pessoa responsável pelo dano ressarcido pelo Poder Público poderá ser cobrada por meio de uma ação de regresso a ser ajuizada pelo ente público.

Caso o Poder Público seja instado a indenizar, quem deve arcar com o valor da indenização em um segundo momento é o autor do dano ou seu responsável legal. Desse modo, surge uma outra indagação: poderia a pessoa lesada optar por entrar com a ação indenizatória diretamente contra o causador do dano ou no caso contra seu representante legal?

O STF entende que se o causador do dano fosse um servidor público no exercício da função essa possibilidade não existiria, pois, segundo nossa Suprema Corte, não seria possível a responsabilização "per saltum" do agente público, devendo esse último responder apenas por meio de uma ação de regresso, devido ao fato do mencionado §6º do artigo 37 da CF prever uma dupla garantia: uma para o lesado, de ser ressarcido e outra para o agente público, de só responder por meio de uma ação de regresso [5].

Entretanto, no caso em testilha o atirador não era um agente público no exercício da função, mas sim um ex-aluno, o que atrai para ele ou para os seus representantes legais a responsabilidade pelo ocorrido e a mesma lógica vale para a morte na escola privada, inclusive por força do Código Civil, que prevê: "Artigo 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia".

Desse modo, os familiares das vítimas podem optar por entrar com a ação reparatória somente contra o Poder Público ou a escola privada ou podem optar por entrar com a ação contra o Poder Público ou a escola em conjunto com os representantes legais do atirador ou podem optar por entrar com a ação diretamente e apenas contra os responsáveis legais do atirador.

Conclusão
Vivemos no nosso país tempos estranhos em que tragédias antes vistas mais em outros países vêm acontecendo com mais frequência em nossa terra, como aconteceu no caso de Aracruz, onde um filho de um policial militar com ideais nazistas [6] atirou em duas escolas, matando três professoras e uma aluna.

De qualquer forma, no caso surge a possibilidade de diversas responsabilizações e no âmbito cível cabe a reparação, ao menos financeira, das pessoas que perderam seus entes queridos, sendo responsável nesse caso de forma objetiva o Poder Público no caso da morte das professoras da escola pública e a própria escola privada no caso da morte da aluna.

Além disso, os responsáveis legais do atirador, que era menor de idade, também devem arcar com o valor da indenização e isso pode acontecer por meio de ações de regresso por parte do Poder Público e da escola ou em uma ação simultânea contra essas últimas e os responsáveis legais ou de forma isolada contra os pais caso essa seja a opção dos familiares.

No mais, a responsabilização no presente caso não é apenas uma questão de reparação de um dano, nem apenas uma forma de se fazer justiça, nem muito menos vai trazer as vítimas de volta, porém é uma forma de demonstrar para a sociedade que essa violência não pode ser normalizada no nosso país.

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Referências
ARAGÃO, Alexandre Santos. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso De Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros. 2004.

 


[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso De Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros. 2004. p.917.

[2] ARAGÃO, Alexandre Santos. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p.585.

[3] Vide: Recurso Extraordinário 237.561-RS.

[4] Vide: Recurso Extraordinário 841526.

[5] Vide: Recurso Extraordinário 327.904

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