Opinião

Regulação de ativos virtuais via PL nº 4.401/21 é ruim, mas seria pior sem ela

Autor

  • Isac Costa

    é sócio de Warde Advogados professor do Ibmec do Insper e da LegalBlocks doutor (USP) mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito engenheiro de Computação (ITA) e ex-analista da CVM onde também atuou como assessor do colegiado.

1 de dezembro de 2022, 12h13

Com a aprovação do PL 4.401/2021 nesta terça-feira (29/11), pela Câmara dos Deputados, em breve qualquer empresa que ofereça "serviços de ativos virtuais" (negociação, emissão, custódia, transferência etc.) no Brasil deverá obter autorização prévia, cumprindo requisitos a serem estabelecidos por órgão ou entidade do Poder Executivo federal. Após a obtenção do registro, a empresa ficará sujeita à fiscalização e à aplicação de punições pelo descumprimento de regras, inclusive o cancelamento da autorização.

A lei traz alguns princípios, tais como proteção do consumidor, boa governança, segurança da informação, proteção de dados pessoais, solidez e eficiência das operações. Porém, em termos mais concretos, a norma prevê expressamente apenas o dever de manter registros sobre operações suspeitas de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo e sua comunicação às autoridades responsáveis.

Mudanças para o investidor-consumidor
Dentre os requisitos a serem estabelecidos, o Poder Executivo federal provavelmente exigirá a constituição da sociedade no Brasil e quem poderá exercer cargos de administração e ser acionista controlador. Por isso, caso os investidores sofram algum tipo de prejuízo, poderão ingressar com demandas junto ao Poder Judiciário que serão mais efetivas, pois, ao menos em teoria, haverá contra quem litigar no Brasil e, em caso de condenação, essas empresas terão mais dificuldade em deixar de pagar os seus clientes.

A possibilidade de fiscalização pelas autoridades brasileiras pode resultar na adoção de políticas e controles pelas empresas autorizadas que mitiguem riscos aos investidores e ao mercado. Em teoria, será mais difícil lavar dinheiro via cripto, por exemplo, mas isso dependerá muito de quão eficaz for a supervisão estatal.

A nova lei é uma vitória (de quem?)
A existência de um marco legal, por pior que seja, traz um mínimo de reconhecimento, pelas autoridades brasileiras, de que o mercado cripto existe e algum ente estatal irá formular sua disciplina jurídica e será responsável pela sua supervisão.

Uma nova rodada de diálogo se inicia, quando as empresas do setor irão discutir com o Estado brasileiro o nível de detalhamento das regras, tentando resgatar alguns pontos importantes que ficaram fora do debate legislativo e que são fundamentais para o bom funcionamento desse mercado.

Mesmo entidades com pontos de vista diferentes chegaram a um consenso de que a ausência da lei impediria novos investimentos e a adoção ainda maior dessa nova classe de ativos, seja para pagamento ou para investimento, pela falta de segurança jurídica, com a sensação de "Velho Oeste" usualmente mencionada em todo o mundo.

O que ficou fora
É inegável que criptoativos são utilizados atualmente muito mais como investimento do que como meios de pagamento. Por essa razão, a norma ignora as preocupações típicas da tutela do bom funcionamento de um mercado semelhante ao mercado de valores mobiliários, no qual busca-se proteger o investidor pela imposição de regras de boa formação de preços, desincentivos a atuar deixando o interesse do investidor em segundo plano, assegurando a divulgação de informações claras, adequadas, suficientes e verdadeiras sobre as empresas que emitem ativos e todo o processo de negociação.

Essa lacuna poderá ser preenchida na regulamentação da norma, mas a ausência de uma indicação, pelo menos como o enunciado de um ou mais princípios, denota que o legislador — e boa parte do mercado — ou ignora ou não quer que sejam criadas regras para a tutela de investimentos em criptoativos, preocupando-se apenas com a sua custódia, como se os prestadores de serviços fossem instituições de pagamento.

Não há nenhum sinal de que a regulamentação buscará mitigar os riscos que são endereçados por normas típicas do mercado de valores mobiliários, relativas a intermediários, custodiantes, escrituradores, gestores, administradores fiduciários, analistas, consultores e assessores de investimentos. Todas essas atividades já são exercidas hoje com relação a ativos virtuais e não há clareza sobre como será a sua nova realidade.

Por fim, a segregação patrimonial é um ponto controvertido que merece maior detalhamento, razão pela qual detalharei o tema em outro texto oportunamente.

Preocupações
Após tramitar por anos, a norma prevê um período de transição de 180 dias, no mínimo, o que significa que demorará significativamente para que sua regulamentação infralegal seja criada. Depois disso, ainda pode haver a previsão de um novo período de transição (o que é comum para permitir que os agentes de mercado se adaptem) e, enfim, quando as empresas solicitarem a autorização, este processo poderá levar em torno de um ano — prazo otimista para obtenção de autorização de instituição de pagamento atualmente.

Ou seja, a lei não produzirá nenhum efeito prático relevante na realidade do mercado cripto brasileiro por algo entre 12 meses (cenário otimista), 18 meses (cenário conservador) e 24 meses (cenário pessimista). E, nesse período, que pode ser considerado uma eternidade no mercado cripto, as empresas poderão continuar a ter controles internos fracos, dispor livremente de recursos de seus clientes, deixar de constituir sede no Brasil, fazer vista grossa à manipulação de mercado, uso indevido de informação privilegiada e lavagem de dinheiro.

Por fim, apesar da criação de um novo tipo penal (um "estelionato 4.0") desnecessário, a lei não traz nada de novo em matéria de repressão a pirâmides financeiras e ofertas de valores mobiliários sem autorização prévia. Os golpes continuarão a existir e as empresas que desejarem emitir ativos virtuais que sejam valores mobiliários não terão um regime mais barato e flexível, tendo que realizar essas emissões fora do Brasil ou assumir o risco de não serem “pegas” pelo regulador brasileiro.

Em síntese, a lei é um mero espantalho, apesar de ser minimamente melhor do que nada, pela sua função simbólica. Embora muitos concordem com essa opinião, publicamente precisamos admitir que é uma vitória, ainda que seja uma vitória de Pirro.

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    é sócio de Warde Advogados, professor do Ibmec e do Insper, doutorando (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito, engenheiro de computação (ITA) e ex-analista da CVM, onde também atuou como assessor do colegiado.

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