Opinião

Há necessidade de criação de novas leis pelos estados e municípios?

Autor

  • Thiago Carvalho de Pinho

    é procurador do município de Parauapebas-PA pós-graduado em Ciências Criminais e Direito Tributário e membro da Comissão Nacional da Advocacia Pública da Ordem dos Advogados do Brasil.

30 de agosto de 2022, 7h03

Os cargos públicos de agente comunitário de saúde e de agente de combate às endemias, por fazerem parte da política de atenção básica de saúde instituída pelo Ministério da Saúde, que deve ser observada por todos os entes da federação, mas, em especial, pelos municípios, sempre gozaram de tratamento jurídico diferenciado dos demais cargos públicos, pois, independentemente do ente federado que integre (União, estados, Distrito Federal ou municípios), são submetidos às regulamentações expedidas pela União, conforme disposto no artigo 198, §5º, da Constituição de 1988. Senão vejamos:

"CF/88: Artigo 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
(…)
§5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico, o piso salarial profissional nacional, as diretrizes para os Planos de Carreira e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, competindo à União, nos termos da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial."

Em razão do referido dispositivo constitucional, foi editada a Lei nº 11.350, de 05 de outubro de 2006, que, dentre outros assuntos, trata sobre os requisitos de investidura, atribuições, piso salarial dos cargos de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, bem como sobre a forma de participação da União no pagamento de seus vencimentos, como se observa no seu artigo 9º-C:

"Lei Federal nº 11.350/2006:
Artigo 9º-C. Nos termos do §5º do artigo 198 da Constituição Federal, compete à União prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para o cumprimento do piso salarial de que trata o artigo 9º-A desta Lei.
(…)
§3º O valor da assistência financeira complementar da União é fixado em 95% do piso salarial de que trata o artigo 9º-A desta Lei.
§4º A assistência financeira complementar de que trata o caput deste artigo será devida em 12 parcelas consecutivas em cada exercício e uma parcela adicional no último trimestre.
(…)
§6º Para efeito da prestação de assistência financeira complementar de que trata este artigo, a União exigirá dos gestores locais do SUS a comprovação do vínculo direto dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias com o respectivo ente federativo, regularmente formalizado, conforme o regime jurídico que vier a ser adotado na forma do artigo 8º desta Lei."

Como visto acima, cabia à União, pelos termos da Lei nº 11.350/2006, prestar assistência financeira complementar aos demais entes da federação para que pudessem arcar com o pagamento do vencimento dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias.

Ocorre que com a entrada em vigor da Emenda Complementar nº 120, de 05 de maio de 2022, a União passou a ser responsável pelo repasse do valor integral do vencimento dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias aos demais entes da federão, como se observa no artigo 198, §§7º e 8º, da CF/88, com redações dadas pela referida emenda, conforme se verifica a seguir:

"CF/88: artigos 198. (…)
(…)
§7º O vencimento dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias fica sob responsabilidade da União, e cabe aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer, além de outros consectários e vantagens, incentivos, auxílios, gratificações e indenizações, a fim de valorizar o trabalho desses profissionais.
§8º Os recursos destinados ao pagamento do vencimento dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias serão consignados no orçamento geral da União com dotação própria e exclusiva."

Ademais, restou consignado, ainda, no mesmo artigo constitucional que o piso salarial dos cargos em análise passou a ser de dois salários mínimos, que será arcado, como já dito anteriormente, pela União, por meio de repasses aos demais entes, sendo que permanece sob a responsabilidade desses (Estados, Distrito Federal e Municípios) o estabelecimento de outras vantagens econômicas, tais como incentivos financeiros, auxílios, gratificações e indenizações, como forma de valorizar o trabalho desses profissionais.

Assim, tem-se que, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 120/2022, o vencimento, que, ao lado das atribuições, denominação e requisitos de investidura, é um dos elementos essenciais dos cargos públicos (artigo 3º, parágrafo único, da Lei nº 8.112/1990 [1]), dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias foi totalmente federalizado, passando a ser de responsabilidade da União.

Importante destacar que, após a publicação da Emenda Constitucional nº 120/2022, houve edição das Portarias GM/MS nº 1.971/2022 e GM/MS nº 2.109/2022, ambas do Ministério da Saúde, que dispõem sobre a forma como deverão ser realizados os repasses da União aos demais entes federados para cobrir o pagamento do vencimento dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias, que fazem jus ao novo piso salarial, desde 06 de maio de 2022, data da entrada em vigor da emenda retromencionada.

No entanto, há de se ressaltar que os cargos tratados neste artigo não foram inseridos no plano de cargos, carreiras de salários da União e que eles continuam sob a esfera de comando das autoridades administrativas dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios, a depender da unidade da federação que façam parte, motivo pelo qual pode haver dúvidas pelos agentes públicos responsáveis pelos departamentos de pessoal acerca da necessidade de criação de novas leis por esses entes para regulamentar o pagamento do novo piso salarial.

Quanto a esse ponto, o melhor entendimento é o que assegura aos agentes comunitários de saúde e aos agentes de combate às endemias o recebimento do vencimento previsto na EC nº 120/2022, desde a data da sua publicação, na forma de complementação salarial, quando for apurado, por estudo técnico do órgão responsável pela folha de pagamento, que os ocupantes desses cargos receberam ou recebem vencimento inferior a dois salários mínimos, uma vez que cabe à União proceder aos repasses necessários ao pagamento, já tendo sido, inclusive, publicadas portarias específicas para garantir as transferências necessárias entre a União e os demais entes federados.

Por fim, em que pese a nova norma constitucional não tenha exigido a edição de leis próprias pelos estados, Distrito Federal e municípios para a regulamentação do novo piso salarial, entende-se que esses entes, por meio de suas assessorias jurídicas, devem avaliar a possibilidade de adequação dos vencimentos iniciais dos cargos de agente comunitário de saúde e de agente de combate às endemias, para que passem a constar, nas leis que tratam sobre o plano de cargos, carreiras e salários, em valor correspondente a dois salários, conforme dispõe o artigo 9º-A, da Lei nº 11.350, de 05 de outubro de 2006 [2]. Agindo dessa forma, os servidores que porventura já tenham adquirido eventuais evoluções funcionais, em razão de progressões na carreira, terão o direito de receberem vencimento superior aos que ingressaram no serviço público há menos tempo.

Conclusão
A partir da data da entrada em vigor da EC nº 120, de 5 de maio de 2022, a União passou a ser a responsável pelo repasse do valor integral do vencimento dos cargos de agente comunitário de saúde e de agente de combate às endemias.

Os estados, Distrito Federal e municípios que possuam agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, nos seus quadros de pessoal, deverão proceder ao pagamento do vencimento desses servidores tendo como base o novo piso salarial, que entrou em vigor em 06 de maio de 2022.

Em que pese não haja obrigatoriedade de elaboração de leis próprias pelos estados e municípios, para procederem ao pagamento do novo piso salarial, entende-se que a edição de novas leis pelos referidos entes é necessária para adequar os seus planos de cargos, carreiras e remunerações ao novo padrão de vencimento instituído pela União, assegurando.

Referência Bibliográfica
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 32º ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.

_____. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Brasília, 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l8112cons.htm>. Acesso em: 23 ago. 2022.

_____. Portaria GM/MS nº 1.971, de 30 de junho de 2022. Estabelece o vencimento dos agentes de combate às endemias, repassados pela União aos Municípios, aos Estados e ao Distrito Federal, conforme a Emenda Constitucional nº 120, de 05 de maio de 2022. Brasília, 2022. Disponível em: <https://brasilsus.com.br/wp-content/uploads/2022/07/portaria1971.pdf>. Acesso em: 23 ago. 2022.

_____. Portaria GM/MS nº GM/MS nº 2.109, de 30 de junho de 2022. Estabelece que o piso salarial dos Agentes Comunitários de Saúde passa a ser de R$ 2.424,00 (dois mil e quatrocentos e vinte e quatro reais), repassados pela União aos entes federativos. Brasília, 2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-gm/ms-n-2.109-de-30-de-junho-de-2022-411780550. Acesso em: 23 ago. 2022.


[1] Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990:

Artigo 3º Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.

Parágrafo único. Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão.

[2] Lei nº 11.350/2006: Artigo 9º-A. O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Combate às Endemias para a jornada de 40 horas semanais.

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  • é procurador do município de Parauapebas-PA, pós-graduado em Ciências Criminais e Direito Tributário e membro da Comissão Nacional da Advocacia Pública da Ordem dos Advogados do Brasil.

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