Ilegalidade decorrente da omissão da Receira sobre o enquadramento no Perse
30 de agosto de 2022, 17h06
Conforme amplamente divulgado, desde o dia 18 de março de 2022 algumas empresas do setor de eventos e turismo passaram a possuir o direito de autoaplicarem a alíquota zero de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, com base no artigo 4º da Lei 14.148/2021.

A portaria, por sua vez, dividiu as atividades (Cnae) em dois grandes anexos. O Anexo I listou as atividades que bastariam ser exercidas pela empresa ao tempo da edição da Lei (03/05/2021) para poderem aderir ao benefício, enquanto que o Anexo II listou as atividades que, se exercidas pela empresa, dependeriam da inscrição em um cadastro junto ao Ministério do Turismo (denominado Cadastur) também ao tempo da edição da Lei para poderem usufruir do benefício.
Em suma, de um lado, tem-se o grupo que independe de qualquer requisito ou condição para poder usufruir do benefício, que seria autoaplicável, desde que exercesse aquelas atividades do Anexo I da Portaria ao tempo da lei, e, de outro lado, o grupo que dependeria de um cadastro para poder usufruir do benefício, desde que já estivesse devidamente cadastrado também ao tempo da lei.
No entanto, apesar de parecer simples, algumas dúvidas e discussões — bastante pertinentes, diga-se — começaram a surgir sobre a interpretação e (auto) aplicação da norma.
A primeira que surgiu foi sobre a necessidade de as pessoas jurídicas que exercem as atividades descritas no Anexo II terem, ao tempo da edição da lei (3/5/2021), o cadastro junto ao Ministério do Turismo, o que, segundo já confirmado em algumas decisões judiciais, violaria o princípio da legalidade, concorrência, livre iniciativa, entre outros princípios e regras.
Um outro ponto bastante salutar, porém, e ainda não tão difundido ou apercebido, diz respeito às empresas que, apesar de exercerem as atividades constantes no Anexo I (em tese, "autoaplicável"), possuírem apenas um ou dois Cnaes enquadrados no Anexo I, em detrimento de outros (talvez vários) Cnaes que possua. Além disso, a legislação quedou-se silente a respeito sobre a necessidade de o Cnae ser principal ou secundário. Algumas discussões havidas dizem que se deveria "segregar receitas" pelos Cnaes da empresa, ou seja, apenas os Cnaes enquadrados no Perse teriam o direito a alíquota 0, enquanto que as receitas oriundas dos outros Cnaes não teriam esse benefício. Ainda, pode existir situações em que a empresa tenha receitas oriundas de atividades que não necessariamente estariam relacionadas aos Cnaes que ela possui e estão no Perse.
Assim, à míngua de uma disposição legal e também de uma posição formal e transparente da da própria RFB, várias posições e interpretações vêm se difundido pelos mais diversos portais e canais do Youtube, inclusive das Associações, que estão em contato com a alta cúpula da RFB, sem, contudo, uma orientação expressa e assertiva a respeito de qual posicionamento o contribuinte deve tomar e seguir.
Fato é que a omissão legislativa a esse respeito do Poder Regulamentar causou e vem causando uma séria ameaça ao direito líquido e certo dos contribuintes, que, apesar de possuírem Cnaes constantes na referida Portaria, não sabem qual será o posicionamento da RFB no futuro.
Significa dizer que, sem uma posição real, concreta e transparente a respeito do enquadramento total ou parcial da pessoa jurídica em relação a receita oriunda dos CNAEs constantes da Portaria, o contribuinte fica completamente à mercê do Fisco, podendo, inclusive, ser alvo de autuações, com multas e juros.
A título de exemplo, cite-se o Regularize, canal adequado para que as empresas possam aderir à transação prevista na mesma lei, desde que os tributos estejam vencidos. Com relação ao benefício de alíquota 0, que é para frente, porém, não há nada parecido.
Por isso, é imperioso que o Poder Judiciário reconheça a ilegalidade presente na omissão da RFB em tornar claro o enquadramento das empresas no Perse, seja através de um sistema, seja através de um canal, ou mesmo uma certidão, ou qualquer outro meio que certifique à adesão e enquadramento do contribuinte no benefício, ainda que supostamente seja "autoaplicável".
Nesse exato sentido, recentemente, decidiu a 5ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, nos autos do Processo nº 0810331-89.2022.4.05.8300, ao declarar que "a primeira ilegalidade apresentada pela impetrante é a própria omissão do Poder Regulamentar em criar um sistema que possibilite às empresas aplicarem a alíquota zero prevista em Lei, sem o receio de sofrer sanções por parte da Administração", e que, "se, de fato, não houver um sistema que reconheça a condição da impetrante de beneficiária do Perse, deve o Poder Judiciário reconhecer o justo receio das empresas em sede de mandado de segurança quanto a futuras autuações fiscais".
Instada a se manifestar para "esclarecer se existe procedimento administrativo disponível às empresas que não possuem débitos vencidos para serem administrativamente albergadas pelo Perse, independentemente de decisão judicial; ou seja, para esclarecer se existe procedimento administrativo que evite desajustes futuros entre os valores recolhidos pelas empresas e os valores entendidos como devidos pelas autoridades fiscais, sem a intervenção do Poder Judiciário", a Receita Federal não se manifestou, deixando transcorrer o prazo.
Assim, diante da omissão da RFB, revela-se claro e notório o justo receio e a ameaça ao direito líquido e certo dos contribuintes, que se veem na incerteza e insegurança de aplicarem o benefício em razão da falta de um canal ou meio adequado que lhe assegurem o direito ao benefício, sobretudo àqueles que possuem apenas um ou dois Cnaes enquadrados no Perse, inclusive como secundários, em detrimento de outros vários que não estão, e que ficam sem saber se é para zerar a tributação ou não, e muito menos resguardados caso venham a simplesmente zerá-la.
À falta de regulamentação, cabe ao Poder Judiciário, portanto, cumprir com a sua principal função em um Estado de direito: brindar tutela judicial efetiva através da concessão da segurança jurídica aos contribuintes.
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