Embargos Culturais

"Construtores da Nação", de Paulo Roberto Almeida

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente pela USP doutor e mestre pela PUC- SP advogado consultor e parecerista em Brasília. Foi consultor-geral da União e procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

28 de agosto de 2022, 8h00

A LVM Editora, de São Paulo, publicou semana passada "Construtores da Nação", de autoria do diplomata Paulo Roberto Almeida. O autor retoma uma certa tradição no Itamaraty, um ambiente de scholars, a exemplo de José Guilherme Merquior, Roberto Campos, Sérgio Paulo Rouanet, entre outros. Tive o privilégio de ler o livro ainda na sua forma mimeo, porque a mim coube a honra do prefácio. É desse pequeno texto introdutório que destaco as observações seguintes, firme no propósito de compartilhar com o leitor inteligente esse belíssimo livro.

Spacca
Renomado pesquisador de nossa historiografia diplomática ("Formação da Diplomacia Econômica do Brasil" é o meu predileto), Paulo Roberto tem também se interessado pelas várias nuances que substancializam um pensamento brasileiro, orientado para compreensão de Brasil, menos como metafísica, ainda que muito como uma ideia. O seu livro sobre os "Construtores da Nação", que define como um "ensaio de síntese histórica e de exposição argumentativa" é um "tour de force" em torno de ideias e pensadores que tentam explicar nossa condição.

O livro enfrenta quatro grandes temas: o Estado, a Ordem, o Progresso e a Democracia. É um enfrentamento aos tempos presentes. Vivenciamos a democracia corroída, o progresso em forma de retrocesso, a ordem pautada pelo deboche e o Estado com um butim. O que fazer? Teorizar é também uma forma de militância. Paulo Roberto, nesse sentido, é um militante.

O livro pode ser lido como um hopscocht (jogo de amarelinhas). Não há necessidade de uma leitura linear e cronológica. Os pensadores se complementam, se contradizem e se sustentam, independentemente de qualquer sequência pautada pelo tempo. O livro apresenta camadas horizontais que se sobrepõem, e apresenta também camadas verticais que se justapõem.

Construtores da Nação pode ser compreendido como um curso sobre o pensamento brasileiro, na tradição de Antonio Paim (História das Ideias no Brasil), de João Cruz Costa (História das Ideias no Brasil), de Vamireh Chacon (História das Ideias Socialistas no Brasil), de Paulo Mercadante (A Consciência Conservadora no Brasil) e de Fernando Azevedo (A Cultura Brasileira), autores que sempre se interessaram por grandes sínteses. Pode ser lido como um manual, a exemplo de Mariza Veloso e Angélica Madeira (Leituras Brasileiras). Pode ser lido também como um guia de leitura, como se lê Nelson Werneck Sodré (O que se deve ler para conhecer o Brasil).

"Construtores da Nação” é um livro de história econômica, de história de nossa política externa, de historiografia crítica, de história política e de história sociológica. O autor quebra os limites entre várias disciplinas. Do ponto de vista historiográfico, é também um livro de profecias em forma de hipóteses, o chamado “what if” dos autores de expressão inglesa. É o caso, por exemplo, da reflexão em forma de lamento, que o leitor constata quando Paulo Roberto critica a sucessão de Getúlio, em 1945, que se fez em torno de um inexpressivo e hesitante general. A ascensão de Osvaldo Aranha, naquele momento, insiste Paulo Roberto, teria radicalmente alterado o rumo de nossa história.

O político gaúcho encanta o autor. Paulo Roberto havia colaborado com Stanley Hilton na construção da biografia (definitiva, penso) de Osvaldo Aranha. Faltava alguém, naquele Jeep, em Natal, quando Roosevelt (o segundo) e Getúlio discutiam os rumos da guerra. O leitor tem toda uma trama levantada, que depõe contra o caudilho. Foi com Paulo Roberto que compreendi as verdadeiras razões pelas quais Osvaldo Aranha fora despachado para Washington.

Percebe-se em Paulo Roberto um quase fetichismo (perdoe-me o autor) com Rui Barbosa e com o Barão que simboliza o Itamaraty. A referência ao pequeno incidente que fez do cônsul de Liverpool a estrela de máxima grandeza de nossa história diplomática é um dos pontos altos do livro. O leitor se surpreende com a amizade entre Paranhos (pai) e Caxias, e com a ida do Juca para um confortável posto, do ponto de vista financeiro, de custas e emolumentos. Paulo Roberto refere-se a Álvaro Lins como o biógrafo oficial, com o que todos concordamos. Álvaro Lins foi embaixador brasileiro em Portugal, nos tempos de Juscelino. Há também referências à biografia de Luís Vianna Filho (que também biografou Eça e Rui) e aos trabalhos de Luís Cláudio Villafañe Santos. Paulo Roberto agora está listado na hagiografia do Paranhos (filho).

Em "Construtores da Nação" há todo um panorama que fixa o pano de fundo e ao mesmo as bases de nossa condição brasileira. É um livro sobre pensadores brasileiros, que pensaram o Brasil, na compreensão de um brasileiro que também pensa o Brasil, com independência e firmeza de convicções. Em tempos de crise (e parece-me que a crise é de todos os tempos) fundamental que pensemos a crise em que estamos, na perspectiva daqueles que de certo modo sempre nos ensinaram como vencê-las, ou pelo menos como suporta-las.

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