Opinião

Finanças descentralizadas (DeFi) e a construção do sistema financeiro do futuro

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23 de agosto de 2022, 20h32

Na revolução tecnológica vivenciada atualmente no mundo financeiro, tem ganhado cada vez mais notoriedade o termo finanças descentralizadas (decentralized finance ou DeFi). Apresentado como um novo paradigma para oferta de produtos e prestação de serviços financeiros nos mercados de criptoativos. Destaca-se por prescindir de intermediários financeiros tradicionais e entidades administradoras centrais para intermediação de transações de negociação, empréstimo e investimento. As operações são realizadas com a utilização de protocolos automatizados com base na construção de contratos inteligentes (smart contracts) em aplicações baseadas em tecnologia de registro distribuído (distributed ledger technology). Esse paradigma tem ganhado relevância pelo seu potencial de oferecer ganhos de eficiência impulsionados pela automação.

O desenvolvimento de novos mercados DeFi vem sendo acompanhado de perto e colocado em debate no âmbito de importantes fóruns internacionais como a Organização Internacional de Valores Mobiliários (Iosco) e o Banco de Compensações Internacionais (BIS).

Sobre esse assunto foi publicado em março de 2022 o relatório "Iosco Decentralized Finance Report". Em linhas gerais o relatório traz detalhes sobre o desenvolvimento das DeFi, explicando as principais interações entre os participantes e os contratos inteligentes nas quatro camadas em que operam as tecnologias DeFi. A Iosco também faz uma comparação entre os referidos produtos e serviços no mercado DeFi e as soluções existentes nas finanças tradicionais (TradFi).

Dentro desse novo ecossistema o relatório trata dos principais participantes das DeFi, tais como criadores e desenvolvedores de protocolos, organizações autônomas descentralizadas e investidores, sejam empresas de venture capital, hedge funds, investidores institucionais e de varejo, e o papel que cada um tem desempenhado. Também, são expostos os principais riscos nos mercados DeFi, especialmente relacionados à assimetria de informações, conflitos de interesse, manipulação de preços e mercados, práticas fraudulentas, exploração de falhas e vulnerabilidades de sistemas, alavancagem financeira, aspectos operacionais e tecnológicos, cibersegurança, lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, governança e integridade dos mercados.

O relatório da Iosco aponta as plataformas centralizadas de negociação de criptoativos, conhecidas como Cripto Exchanges, como principais portas de entrada para a participação dos investidores de varejo nas DeFi, bem como o potencial de interconectividade cada vez maior com as instituições financeiras tradicionais, o que apresenta tanto oportunidades de negócios como riscos para as operações desses players. Interessante notar que relatório destaca o importante papel que tem sido desempenhado pelas stablecoins que, considerando a menor volatilidade em relação as criptomoedas, são utilizadas como substitutas das moedas fiduciárias nas transações no mercado DeFi.

Nesse sentido, ganham relevância as diversas pesquisas que vêm sendo realizadas para mapear o desenvolvimento das DeFi, suas aplicações e riscos, no âmbito do BIS, publicadas nos Boletins BIS. Esse importante fórum internacional de coordenação para promoção de estabilidade monetária e financeira reúne 63 bancos centrais representantes de países ao redor do mundo que, em conjunto, respondem por 95% do PIB mundial, dentre os quais o Bacen, e as discussões ocorridas nessa instância influenciam sobremaneira as regulações do setor financeiro a nível nacional. Sendo assim, ganha destaque a conferência organizada pelo BIS Innovation Hub e pelo Swiss National Bank, ocorrida em abril de 2022 em Zurique na Suíça, com o tema "O DeFi seguro requer CBDCs?".

Esse tema é tão importante para o BIS que, em 21 de junho de 2022, o banco publicou antecipadamente um capítulo especial do seu "Relatório Econômico Anual de 2022" para expor sua visão sobre o futuro sistema monetário digital, que terá como peças-chave as CBDCs, e não as criptomoedas ou stablecoins. O banco afirma que as DeFi buscam replicar os serviços financeiros tradicionais dentro do universo cripto com base em inovações tecnológicas e blockchains que permitem um sistema transfronteiriço funcionando 24/7, e acabam criando um sistema paralelo às TradFi.

Na visão do BIS, exposta no relatório acima, o futuro do sistema financeiro não estaria nas DeFi, mas em uma construção de serviços inovadores pelo setor privado pautados na confiança promovida pelas CBDCs emitidas pelos bancos centrais, e não nas cripto. Esse sistema do futuro importaria a ampla gama de tecnologias inovadoras próprias dos mercados DeFi para o sistema financeiro tradicional de modo a revolucioná-lo com a utilização de contratos inteligentes, tokens, tecnologias de registro distribuído, etc, que permitiriam programabilidade, interoperabilidade, pagamentos instantâneos etc., com ganhos de eficiência, redução de custos e proliferação de intermediários financeiros — abrindo espaço para a atuação de diversos players além dos bancos comerciais.

Sendo assim, vemos como o desenvolvimento das DeFi e suas inovações tecnológicas têm o potencial de influenciar cada vez mais mudanças nas finanças tradicionais e, sem dúvida, terão impacto significativo na construção do mercado financeiro do futuro. Podemos vislumbrar desde já que a crescente utilização de CBDCs, contratos inteligentes e tecnologia de registro distribuído trarão inovação para o setor financeiro e permitirão a criação de novos produtos, serviços e mercados. Haverá muito espaço para criação de soluções tanto centralizadas como descentralizadas proporcionando uma interconectividade cada vez maior entre TradFi e DeFi, trazendo grandes oportunidades de negócios, riscos diversos e desafios regulatórios de natureza global.

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