Opinião

Relevância jurídica no recurso especial e artigo 105, §2º, da Constituição

Autor

  • Bruno Augusto Sampaio Fuga

    é advogado professor doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP (2020) pós-doutorando pela USP membro titular efetivo da Academia de Letras de Londrina (PR) mestre em Direito pela UEL (linha de Processo Civil) pós-graduado em Processo Civil (2009) pós-graduado em Filosofia Jurídica e Política pela UEL (2011) coordenador da Comissão de Processo Constitucional da OAB Londrina membro do IBPD e IAP conselheiro da OAB Londrina e editor-chefe da Editora Thoth.

20 de agosto de 2022, 6h39

Em 15 de julho de 2022 foi aprovada a emenda constitucional nº 125. O texto legal afirma que o Superior Tribunal de Justiça só julgará os recursos cujo tema tenha relevância jurídica. Foi acrescentada à Constituição os parágrafos segundo e terceiro ao artigo 105, é um momento de grande relevância histórica processual, mudando o paradigma recursal e a função do STJ, comparada a mudança que criou o filtro de repercussão geral para o recurso extraordinário.

O referido artigo legal (em breve resumo) aponta que no recurso especial o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito, nos termos da lei. O parágrafo terceiro ainda traz alguns casos de presunção de relevância, finalizando que haverá relevância nas "outras hipóteses previstas em lei".

Assim, entendemos que o novo filtro processual de relevância deveria ser cobrado apenas com a promulgação da lei que irá regulamentar o tema. A própria emenda constitucional traz essa afirmação e como adiante iremos afirmar, a ausência dessa lei que irá regulamentar o tema e provavelmente também alterar o Código de Processo Civil não irá trazer benefício de racionalização do sistema recursal, diminuindo números de processos, como adiante iremos afirmar.

Pois bem, os artigos 1.030 e 1.042, ambos do Código de Processo Civil, são utilizados como um grande filtro impeditivo de remessa de processo para o STJ. Com a aplicabilidade dos artigos 1.021, 1.030 e 1.042, com a alteração promovida pela Lei nº 13.256, de 2016, diante de alguns tipos decisionais o recurso, consequentemente o processo também, não é encaminhado para o STJ. A referida alteração tinha nítido objetivo de evitar a remessa de diversos processos para o STJ, mas ainda não bastando referida alteração, a emenda constitucional nº 125 de 2022, em especial após a posterior lei que irá regulamentá-la, impedirá ainda mais a remessa de processos para a Corte.

Assim, atualmente, como em vigor o artigo 1.030, §2º e artigo 1.042 do Código de Processo Civil, existindo prévio "precedente" firmado em recursos repetitivos e repercussão geral, o recurso pertinente de inadmissibilidade da primeira fase é o agravo interno (CPC, 1.030, §2º), este que é julgado pelo próprio tribunal recorrido. Assim, o processo não é encaminhado para o STJ, diminuindo a remessa de recursos especiais.
O funil recursal impeditivo de remessa de recurso especial é, portanto, os artigos 1.030, inciso I, também seu §2º, e 1.042 do Código de Processo Civil de 2015, com prévia existência, portanto, de recursos repetitivos e de repercussão geral.

Verifica-se, que não há impedimento de remessa de recurso especial para o STJ mesmo com recurso contrariando expresso precedente firmado anteriormente em controle concentrado, súmula vinculante, incidente de assunção de competência, decisão do plenário, súmulas e decisão em embargos de divergência, pois não impedem o conhecimento pelo órgão recorrido e remessa dos autos para o órgão recorrente no exame de admissibilidade do artigo 1.030, neste sentido também o cabimento de agravo de destrancamento do artigo 1.042.

No mesmo sentido, a emenda constitucional nº 125 de 2022 que criou o critério de relevância não impedirá a remessa de recurso especial para o STJ se não houver alteração legislativa nos artigos 1.030 e 1.042 do Código de Processo Civil. Como já afirmado, o fato que impede a remessa de recurso especial para o STJ é o disposto no parágrafo segundo do artigo 1.030, ou seja, ser o recurso de agravo interno o cabível da decisão de inadmissibilidade de recurso especial na primeira fase de admissibilidade (lembrando que há duas fases de admissibilidade, tribunal recorrido e depois STJ).

Na forma atual em vigor, mesmo adotando o STJ o critério de relevância sem qualquer alteração legislativa ou lei regulamentadora, nada altera a quantidade de processos encaminhado para o STJ após interpor recurso de destrancamento de recurso especial (CPC, artigo 1.042). Para impedir a remessa do recurso especial com fundamento da inexistência de relevância com fundamento no artigo 105, §2º da Constituição, o texto legal dos artigos 1.030 e 1.042 do Código de Processo Civil deverá ser alterado, acrescentando que a inexistência de relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso impedem o cabimento de agravo de destrancamento (CPC, artigo 1.42). Essa alteração deverá ser no caput do artigo 1.042 e inciso primeiro do artigo 1.030.

Segundo tema aqui tratado é a presunção de relevância prevista o artigo 105, §2º, inciso V da Constituição, pois haverá relevância nas "hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça".

O recorrente questionará o que é jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça, ou seja, qual dos tipos decisionais previstos no artigo 927 será considerado como jurisprudência dominante. Assim também poderá ser considerado jurisprudência dominante outros tipos não previstos no artigo 927, tal como jurisprudência dominante firmada em reiteradas decisões proferidas em recursos especiais (não repetitivos)?

Ainda relacionada a essa problemática, o que será considerado para fins de jurisprudência dominante? O dispositivo, o fundamento determinante (ratio decidendi), a tese ao final formulada do julgamento, caberá recurso com fundamento em transcendência dos motivos determinantes?

Em artigo e livro já discorremos que o assunto é de grande complexidade, pois entender e afirmar o que vincula nos precedentes qualificados é tema de grande problemática (indicamos a leitura do artigo). Veja, por exemplo, que o STF em passado recente aceitava a violação da transcendência dos motivos determinantes para fins de cabimento de reclamação.

Ainda sobre as presunções de relevância, os critérios escolhidos são longe de ser satisfatórios, pois cria vinculação de indexação ao salário-mínimo (veja proibição na CF, artigo 7º, inciso VI, in fine), não há hipóteses para vulneráveis, violações aos direitos fundamentais, dentre outros problemas decorrentes da ausência de outras presunções necessárias.

Terceiro tema aqui tratado, na verdade uma sequência do segundo, é a atual impossibilidade de ajuizamento de reclamação (CPC, artigo 988) com a finalidade de controle da aplicação indevida do precedente pelo tribunal — ver sobre o tema reclamação nº 36.476 do STJ.

Quarto e último tema é que restará em desuso a função precípua do STJ de dar a última palavra sobre interpretação de tratado ou lei federal (CF, artigo 105, III, "a") e dar a última palavra na interpretação de lei federal quando houver divergência entre tribunais (CF, artigo 105, III, “c”).

Sem mais, são assuntos iniciais levantados diante da recente entrada em vigor da emenda constitucional nº 125 de 2022 que criou o filtro de relevância para o recurso especial.

Autores

  • Brave

    é advogado, professor, doutor em Direito Processual Civil pela PUC/SP, pós-doutorando pela USP, membro titular efetivo da Academia de Letras de Londrina, mestre em Direito pela UEL (linha de Processo Civil), pós-graduado em Processo Civil, pós-graduado em Filosofia Jurídica e Política pela UEL, coordenador e fundador da Comissão de Processo Civil da OAB/Londrina e vice coordenador da comissão.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!