A reforma trabalhista, decorrente da Lei nº 13.467/2017, acrescentou à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) um novo capítulo especialmente dedicado ao teletrabalho, popularmente chamado de home office: é o Capítulo II-A, "Do Teletrabalho" (artigos 75-A a 75-E). Passados cinco anos da reforma trabalhista, o Congresso Nacional aprovou, com ajustes, a Medida Provisória 1.108/2022 [1] que deu nova redação ao Capítulo II-A, da CLT, trazendo alterações e inclusões importantes sobre o teletrabalho, algumas com objetivo de esclarecer a redação original, outras com o objetivo de inovar.
No presente artigo as principais alterações normativas do teletrabalho serão analisadas e classificadas com foco no impacto para as partes envolvidas: 1) alterações favoráveis aos empregados; favoráveis aos patrões; favoráveis a ambos e desfavoráveis para todos. A reflexão sobre os impactos das alterações é necessária para que empresas e trabalhadores, ao contratar o regime de teletrabalho, tenham a exata dimensão dos direitos e obrigações dele decorrentes.
1) Alterações favoráveis aos teletrabalhadores
1.1) Teletrabalho por produção ou tarefa
O artigo 62, III, da CLT, previa que não são abrangidos pelo "Capítulo II — Duração do Trabalho" todos os empregados em regime de teletrabalho. Essa exclusão tornava inaplicável aos teletrabalhadores os dispositivos relativos a controle de jornada de trabalho e pagamento de horas extras, tal como ocorre com os empregados que exercem trabalho externo incompatível com a fixação de horários (CLT, artigo 62, I) e os que exercem cargo de gestão (CLT, artigo 62, II).
A nova redação do artigo 62, III, da CLT, manteve a exceção (não aplicação do capítulo sobre duração do trabalho) apenas para teletrabalhadores que trabalham "por produção ou tarefa".
Assim, se o teletrabalhador presta serviços por "tempo", ele terá direito à aplicação do Capítulo II, da CLT. A alteração é coerente com a dinâmica laboral e justa com os trabalhadores. Aqueles que ganham por produção ou tarefa terão maior ou menor remuneração de forma proporcional ao produto entregue e aqueles que ganham por tempo receberão o salário pela jornada contratada e, caso a quantidade de horas legais ou contratuais seja superada, deverão ganhar as horas extras efetivamente realizadas. A diferenciação entre trabalho por tempo e trabalho produção/tarefa, também foi reforçada no artigo 75-B, da CLT, através dos novos parágrafos segundo e terceiro.
1.2) Diferenciação entre teletrabalho e telemarketing
Outro ponto importante que está no novo parágrafo quarto, do artigo 75-B, da CLT, prevê que o regime de teletrabalho ou trabalho remoto não se confunde nem se equipara à ocupação de operador de telemarketing ou de teleatendimento.
Essa diferenciação legal é oportuna e evita injustiças contra os empregados lotados em centrais de telemarketing. O que caracteriza o telemarkenting é o atendimento remoto aos clientes, mas, a prestação de serviços ao empregador, muitas vezes é feita de forma presencial, ou seja, o trabalhador comparece a uma central física onde cumprirá a sua jornada. Nesses casos, não é justificável a flexibilização das regras de controle de jornada porque os trabalhadores estão no ambiente físico do empregador.
Entretanto, poderão ocorrer situações nas quais o telemarketing é feito através de teletrabalho e não nas centrais físicas mantidas pelo empregador. Embora o "telemarketing ou teleatendimento" não tenha o mesmo significado de "teletrabalho ou trabalho remoto", os dispositivos do teletrabalho, previstos na CLT, poderão ser a ele aplicados quando o trabalhador efetivamente laborar de forma remota.
1.3) Portadores de deficiência e empregados com filhos até 4 anos de idade
O novo artigo 75-F prevê que os empregados (as) com deficiência, com filhos ou criança sob guarda judicial até quatro anos de idade terão prioridade para preenchimento de vagas em teletrabalho. Trata-se de dispositivo de ação afirmativa que promoverá o bem-estar e contribuirá para diminuir as desigualdades sociais.
1.4) Aprendizes e estagiários
A redação anterior da CLT não fazia nenhuma referência aos aprendizes e estagiários, dessa formar. E, por sua vez, a lei de estágio (Lei nº 11.788/2008) também não tem nenhuma referência ao teletrabalho.
Esse vazio legal deixava dúvida sobre a possibilidade de utilização do referido regime para os estagiários e aprendizes e durante a pandemia, várias empresas implantaram o teletrabalho para a maioria dos empregados deixando em trabalho presencial apenas os estagiários e aprendizes.
O novo parágrafo sexto, deixou expresso que é possível implantar o trabalho remoto para estagiários e aprendizes, sanando a injusta omissão. Entretanto, mesmo em regime de teletrabalho a empresa deverá observar as determinações da lei de estágio, dentre elas, a contratação tripartite envolvendo a entidade escolar e o acompanhamento pelo supervisor responsável que poderá ser feito de forma remota através de e-mails, telefonemas, videochamadas, ou, através de reuniões presenciais quando o estagiário comparecer ao estabelecimento do empregador.
2) Alterações favoráveis aos empregadores
2.1) Trabalho híbrido: parcialmente remoto e parcialmente presencial
A respeito do comparecimento do teletrabalhador às dependências físicas do empregador, foi feita uma sutil inovação. O antigo parágrafo único do artigo 75-B, da CLT, passou a ser o parágrafo primeiro com a inclusão da expressão "ainda que de modo habitual". A redação anterior dava a entender que o teletrabalho não ficaria descaracterizado em razão do comparecimento "eventual" do empregado às dependências da empresa, de maneira que, o comparecimento habitual poderia descaracterizar o regime de teletrabalho.
Ao incluir a expressão "ainda que modo habitual" a CLT expressamente reconheceu a possibilidade do trabalho híbrido, que é aquele no qual a jornada de trabalho, habitualmente, será realizada parcialmente de forma remota e parcialmente de forma presencial. Tendo em vista que o trabalho híbrido, nos termos do artigo 75-B, §1º, não descaracteriza o regime de teletrabalho, o empregador poderá aplicar, ao referido trabalho, todos os dispositivos do teletrabalho previstos na CLT.
2.2) Uso de recursos tecnológicos
Uma importante inovação está no novo parágrafo quinto, do artigo 75-B, da CLT, que passou a prever que o tempo de uso de equipamentos tecnológicos, softwares, ferramentas digitais, internet, utilizados para o teletrabalho, fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho.
O novo dispositivo ajudará bastante os empregadores na defesa contra pedidos de horas extras porque há o reconhecimento de que a utilização do instrumental acima, no regime de teletrabalho, não prova que o trabalho se deu de forma contínua, de maneira a caracterizar a efetiva realização de horas extras. O reconhecimento de horas extras no teletrabalho é possível, mas o ônus da prova compete ao empregado que as alega, não comportando presunções em razão do uso de recursos tecnológicos.
2.3) Despesas com o retorno ao trabalho presencial
O artigo 75-C, §3º, diz que o empregador não será responsável pelas despesas do retorno ao trabalho presencial, na hipótese de o empregado optar pela realização do teletrabalho fora da localidade prevista no contrato.
A nova disposição é boa para os patrões pois lhes dá segurança jurídica de implantar o teletrabalho sem incorrer em custos adicionais de deslocamento do trabalhador. Indiretamente, também poderá ser boa para os empregados, que terão maiores chances de trabalhar nos locais que lhes interessa.
3) Alterações favoráveis para todos
3.1) Definição de teletrabalho
A nova reação do artigo 75-B, da CLT dispõe que "considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho externo". Há duas novidades na nova definição.
A primeira é em relação à inclusão da expressão "trabalho remoto", indicando que ele é equivalente ao teletrabalho. A referência às duas expressões (teletrabalho / trabalho remoto) em uma única definição não deixa dúvida de que elas se equivalem.
Cabe lembrar que o teletrabalho é, no Brasil, popularmente chamado de home office, entretanto, a expressão é inadequada. Fernanda Lopes, professora de inglês, pondera que o teletrabalho não se limita àquele feito em casa (home) e, ao utilizar o idioma inglês, recomenda os termos "remote work" ou "remote job" [2].
A segunda novidade é relativa à exclusão da "preponderância", que deixou de ser requisito para a caracterização do teletrabalho. Essa inovação trouxe maior segurança jurídica porque o conceito de "trabalho preponderante" era muito aberto e comportava diversas interpretações. O que seria exatamente a preponderância? Diária, semanal, mensal? Ou em razão da relevância do resultado produzido para o empregador? Tais dúvidas foram eliminadas em benefício de todos.
3.2) Base territorial e lotação do empregado
Importante destacar que o novo §7º, do artigo 75-B, da CLT, traz os conceitos de "base territorial" e de "lotação do empregado" que servirão para definir quais são as normas locais e o acordo coletivo aplicável ao empregado.
Em decorrência, servirá para definir qual é o sindicato que representa o teletrabalhador, qual o acordo coletivo aplicável, qual o local onde o empregado deverá comparecer para reuniões, exames médicos, treinamentos, dentre outras rotinas do dia a dia do trabalho.
Definido o local de lotação também será possível apurar as situações que configurarão viagens a trabalho, sempre que o empregador determinar a realização de atividades fora da lotação contratual.
A importância dos novos conceitos ultrapassa os limites do direito material e terá implicações também para o direito processual, em relação à definição de legislação aplicável e foro para solução de litígios.
4) Referência à Lei Mendes Junior. Previsão inoportuna para todos
A referência à lei nº 7.064/1982, feita no §8º do artigo 75-B, é totalmente inapropriada tendo em vista que tal lei, também conhecida como Lei Mendes Junior, foi originalmente editada para proteger trabalhadores braçais que, à época, eram recrutados no Brasil para trabalhar em países da África e Ásia que ofereciam pouca proteção trabalhista. Infelizmente, sem uma reflexão com visão internacional, os dispositivos da referida lei passaram a abranger outras situações.
A Lei 7.064/1982 não deve ser aplicável aos teletrabalhadores, aos empregados hipersuficientes e aos trabalhadores técnicos em geral. Em um mercado globalizado e interligado por tecnologia eletrônica ela diminui as chances dos trabalhadores brasileiros que perdem oportunidades de trabalho para os trabalhadores estrangeiros.
O artigo 9º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) [3] determina que a lei aplicável aos contratos internacionais será a do local da celebração (lex loci contractus). Já antiga Súmula 207, do Tribunal Superior do Trabalho (cancelada em 2012), determinava que a lei aplicável era o do local da execução do contrato de trabalho (lex loci executionis). E a Lei 7.064/1982, de forma atípica determina a aplicação da norma mais favorável em benefício do trabalhador brasileiro contratado no Brasil para trabalhar no exterior. Ocorre que, no caso do teletrabalho, o local de trabalho é o Brasil (ou remotamente onde as partes contratarem). Embora inserido na dinâmica de uma atividade internacional ele não estará sujeito às possíveis mazelas de um país que não tenha um arcabouço jurídico trabalhista adequado.
Imaginem uma empresa global brasileira (p.ex. Petrobrás, Embraer, Gerdau, Banco do Brasil ou Vale.). Se ela tiver uma vaga de engenheiro, economista, advogado, analista de sistemas, gerente ou qualquer outra posição relevante fora do Brasil, ela oferecerá essa vaga para um trabalhador brasileiro ou para um trabalhador estrangeiro? Do ponto de vista prático e econômico é melhor contratar um estrangeiro que terá o seu contrato de trabalho regido pela lei do local da prestação de serviços (lex loci executionis) ou pela lei do lugar de contratação (lex loci contractus), do que contratar um brasileiro que obrigará a empresa a verificar, o tempo todo, qual a legislação mais favorável a ser aplicada. Resultado: o brasileiro deixa de ser competitivo internacionalmente e perde oportunidades de empregos de alta qualidade.
O que se salva nesse no novo §8º do artigo 75-B, da CLT, é a parte final que estabelece: "salvo disposição em contrário estipulada entre as partes". Tal ressalva é coerente com a Convenção do México sobre o direito aplicável aos contratos internacionais (1994), do qual o Brasil é signatário, mas que ainda não foi internacionalizada no direito pátrio, por norma nacional. Nesse aspecto, se o contrato de trabalho contiver a necessária previsão relativa à legislação aplicável, conforme autorizado pela CLT, a confusão legal fica diminuída. É o que se recomenda.
As inovações no teletrabalho ou trabalho remoto eram necessárias, vieram em boa hora, trouxeram esclarecimento e complementos que poderão incrementar essa modalidade laboral que, a cada dia, se torna mais importante para as empresas e para os trabalhadores.
Mas, ela ainda precisa ser aprimorada, o que, possivelmente, ocorrerá a partir da experiência cotidiana, do debate social, dos pleitos dos trabalhadores e da gestão dos recursos humanos no âmbito das empresas.
Quanto aos contratos de trabalho de abrangência internacional, melhor teria agido o legislador se tivesse expressamente excluído a aplicação da Lei 7.064/1982 para os teletrabalhadores, trabalhadores hipersuficientes e demais atividades de alta qualificação técnica preservando o mercado de trabalho internacional para os brasileiros.
[1] BRASIL. Medida Provisória 1.108, de 22 de março de 2022. Dispõe sobre vale alimentação e altera a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Mpv/mpv1108.htm. Acesso em 10 ago 2022.
[2] LOPES, Fernanda. Home office não é home office em inglês. https://g1.globo.com/educacao/noticia/2022/03/25/home-office-nao-e-home-office-em-ingles-entenda.ghtml
[3] BRASIL. Decreto 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às Normas do Direito. Brasileiro. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm. Acesso em 10 ago 2022.