Opinião

A mediação e o rapto internacional parental de menores

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18 de agosto de 2022, 18h21

Inicialmente, de modo a bem delimitar a temática que será aqui abordada, cumpre ressaltar que trataremos da aplicação da mediação para o rapto internacional de menores, razão pela qual não é demais lembrar as linhas distintivas entre a mediação e os demais meios alternativos de resolução de conflitos, como a arbitragem e a conciliação.

Na mediação, o mediador, diferentemente do que acontece na arbitragem e na conciliação não direciona, de maneira interventiva, os termos do acerto final entre as partes envolvidas no conflito, tendo como missão desenvolver estímulos e caminhos para que os progenitores desenhem e, ao final, cheguem aos parâmetros do acordo que garantam o melhor interesse dos menores raptados.

Portanto, a autonomia das partes para encontrarem a melhor solução à luz do superior interesse do menor, somada a confidencialidade do mediador em relação as sessões de mediação, notadamente em temas sensíveis como são as relações conjugais e parentais, são referências jurídicas relevantes a serem estritamente observadas.

Defendemos que, dentre as Alternative Dispute Resolution (ADR), a nossa opção pela mediação como a mais recomendável para solucionar o rapto internacional de menores decorre exatamente da necessidade de reconstrução da relação entre os progenitores aos patamares mínimos de civilidade, bem como da maior celeridade e o menor custo, tudo visando o crescimento saudável do menor à luz do princípio jurídico do melhor interesse da criança.

Estudo levado a efeito pelo Parlamento Europeu [1] mostra, a luz da jurismetria, relevantes dados estatísticos, com valor gerencial, acerca de duração de um procedimento de mediação e do seu custo, por comparação com um processo contencioso.

A morosidade da máquina judiciária no tema em questão pode ter várias causas, tais como ausência de procedimento específico para trato da matéria, número excessivo de processos judiciais, escalada da litigiosidade entre as partes com as consequentes dilações probatórias [2].

A Conferência de Haia sobre Direito Internacional Privado (HccH), em regime de cooperação com as Autoridades Centrais dos Estados signatários, prescreveu que a mediação é uma solução adequada para intervenções dotadas de complexidade e que incidem sobre casos concretos dotados de complexidade. Nada obstante, a metodologia ainda é incipiente quanto a pesquisa de mediação [3].

Em Portugal, a mediação é regulada pela Lei nº 29/2013, sendo que a normativa sobre o tema no Brasil foi inaugurada pela Lei Federal nº 13.140/2015.

Cumpre igualmente delimitar que nosso foco neste trabalho não será tratar do sequestro de menores para fins de escravidão sexual ou tráfico de órgãos e seus respectivos desdobramentos criminais, mas tão somente do rapto levado a efeito pelo pai ou pela mãe do menor, afastando-o sorrateiramente do respectivo domicílio habitual.

O rapto internacional de menores é definido pela melhor doutrina como sendo "a remoção ou retenção ilícita da criança por um de seus genitores para um país que não seja o de sua residência habitual" [4].

Obviamente que, ao final da mediação, poder-se-á chegar a um deslinde diferente do que inicialmente projetado em termos do retorno do menor ao local do qual foi raptado, se assim indicarem as circunstâncias do caso, tendo como parâmetro sempre o melhor interesse do menor.

Não é demais contextualizar que a globalização crescente e a consequente redução da rigidez das fronteiras físicas entre os países, notadamente no continente europeu, incrementou a frequência do rapto internacional de menores quando a relação conjugal entra em crise, e acaba por gerar a retirada da criança ou adolescente de seu domicílio contumaz.

Neste momento, tem se revelado fundamental a chamada mediação prévia, que pode ter o condão de prevenir o rapto do menor quando tempestivamente o mediador consegue despertar nas partes o interesse e os comportamentos que acarretem o desfecho pela reconstrução do diálogo entre as partes, retirando a ideia do rapto do imaginário dos progenitores envolvidos no conflito familiar.

A mediação prévia, tomando Portugal como exemplo, tem-se revelado necessária para evitar a ocorrência do próprio rapto, eis que, na grande maioria dos casos, a criança raptada demora a ser localizada, tal como nos demonstra Sephora Marchesini:

"O Boletim do Centro de Estudos, Documentação e Informação sobre a Criança do instituto de Apoio à Criança, ressalva que das 24 crianças dadas como desaparecidas por rapto internacional em 2013, apenas 3 haviam sido localizadas no ano seguinte. A dificuldades de se localizar muitas vezes relaciona-se com a demora para agir, pois infelizmente, por senso comum, acredita-se que o facto do menor estar com um dos progenitores ou qualquer outro familiar próximo significa que está em 'boas mãos'" [5].

A convenção de Abdução de Haia fixou sistemática para garantir o retorno imediato de menores raptados, por meio do Centro Nacional para Crianças desaparecidas e Exploradas, o que tem ajudado a reduzir o passivo de crianças a serem localizadas.

Os americanos efetivaram a Convenção de Haia por meio do International Child Abduction Remedies Act (Icara), que empresta competência legal no âmbito do Judiciário Federal e Estadual quando um menor é levado ou retido ilegalmente nos Estados Unidos.

As práticas de mediação do Conselho Europeu quanto ao rapto parental de menores têm como base intelectual originária a experiência da organização britânica sem fins lucrativos Reunite International, tendo sido formalizada pelo HccH e pelo Conselho da Europa, relevante organização europeia de direitos humanos, e que recomenda a mediação nos termos dos seguintes preceitos:

"1) melhora a comunicação entre os membros da família; 2) reduz o conflito entre os pais na disputa; 3) produz acordos amigáveis; 4) proporciona continuidade de contatos pessoais entre pais e filhos; 5) reduz os custos sociais e econômicos para as partes e o Estado; e 6) reduz o tempo de duração do conflito" [6].

Observe-se que um dos grandes problemas jurídicos a serem enfrentados na temática em questão diz respeito a necessidade de que a União Europeia conduza entre os seus Estados-Membros uma reestruturação da qualificação dos mediadores, uma vez que está exigir-se destes uma formação em múltiplas línguas, conhecimento do ordenamento jurídico dos países integrantes do bloco, além das qualificações inerentes aos mediadores em geral.

A complexidade deste tipo de conflito, geralmente, exige uma mediação, inclusive com a participação multidisciplinar de qualificados profissionais do direito e experientes profissionais de saúde em área do conhecimento que envolvam o comportamento dos menores.

Esse contexto indica a necessidade de se identificar meios que estabeleçam uma remuneração a este tipo de mediador que atraia profissionais qualificados, e que possam ser identificáveis em listas públicas sem encarecer sobremaneira o custo da mediação.

Em geral, o custo da mediação é menor que o da arbitragem, mas precisa também ser inferior ao de um processo judicial tradicional, o que está a reclamar a criação de uma normativa que estabeleça isenção de custas e emolumentos, ao menos, para os casos em que se admite as aludidas benesses na via judicial.

O fato é que o número de casos envolvendo o rapto de crianças ainda é muito pequeno quando comparado ao número de casos resolvidos judicialmente. É bem verdade que a experiência tem demonstrado que resolver inicialmente pela via judicial a questão preliminar do imediato retorno do menor ao domicílio habitual anterior ao rapto, seguido da suspensão do processo para que seja deflagrada a mediação, tem se mostrado profícua.

Isso porque se restaura ab initio a estabilidade do menor no seio das relações de vizinhança, colégio, amigos e familiares dos quais já estava habituado, atendendo-se aos desígnios principiológicos da convenção da Haia e Regulamento de Bruxelas II-A, sem prejuízo da deflagração da mediação com vistas a gerar uma solução ganha-ganha, e não perde-ganha, quando a escala de litigiosidade muitas vezes descamba para a violência doméstica.

Em tais casos que envolvem violência doméstica seria recomendável a mediação para resolver o rapto parental de menores? Penso que há que verificar-se as circunstâncias do caso concreto sempre à luz do superior interesse do menor.

Um relatório da lavra do Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas estimou que em 65% dos casos de raptos parentais são praticados pelas respectivas mães [7].

Iniciativa muito elogiável tem sido levada a efeito pela organização não governamental sem fins lucrativos denominada Take Root, que se propõe a ajudar as vítimas recuperar e educar pais e profissionais acerca dos efeitos prejudiciais graves do rapto familiar [8].

A experiência tem demonstrado que evitar a sensação entre as partes mediadas de vencedores e derrotados, tão comum na cultura da litigiosidade, é também fundamental para garantir uma boa execução do termo de mediação.

No cenário acima descrito, parece-nos relevante a neutralidade do local da mediação, o que aumenta a chance de acerto final chegar positivamente.

Nesse contexto, a efetividade do princípio da consensualidade via mediação jaz fundamental para diminuir a possibilidade de que um dos progenitores do menor sabote o outro e a própria criança, diretamente ou indiretamente por meio da alienação parental.

De toda maneira, faz-se necessário aprofundar as razões do uso ainda diminuto da mediação para solução do rapto internacional de crianças, especialmente se tal fato seria decorrente de falta de divulgação, da cultura prevalente da litigância ou das questões de falta de incentivos econômicos.

Neste ensejo, faz-se imperioso que a normativa regulatória da mediação do rapto de menores considere a isenção de custas e emolumentos, no mínimo, nos mesmos casos em que o processo judicial contencioso já é agraciado.

A mediação deve ser feita virtualmente ou presencialmente? Penso que as circunstâncias do caso concreto é que vão nortear a melhor resposta, notadamente aspectos atinentes ao custo financeiro e emocional do vaivém do menor, uso de drogas, álcool e violência física ou psíquica.

O mediador, a par das circunstâncias do caso concreto mediado, deve verificar a conveniência e oportunidade de oitiva da criança durante as sessões de mediação, nos termos em que prescritos pelos ensinamentos da melhor doutrina:

"A aferição da possibilidade ou da obrigação da audição de crianças é particularmente relevante no âmbito da mediação familiar, sobretudo em áreas em que o litígio a elas se refira diretamente (rapto internacional ou repartição das responsabilidades parentais, por exemplo" [9].

À título de assertivas finais, e sob a forma de tópico, concluímos que:

a) A mediação é o instrumento mais adequado de resolução de conflito a efetivar a proteção dos menores de raptos parentais, tudo em virtude da maior capacidade de reconstruir efetivamente a relação dos progenitores aos patamares mínimos de civilidade, tendo sempre em perspectiva o melhor interesse de crianças e adolescentes;

b) Imperioso o estabelecimento de um sistema de incentivos a mediação para o rapto parental internacional, notadamente a previsão legal de isenção de custas e emolumentos, nas mesmas hipóteses em que a judicialização já prevê, bem como conferimento de capacitação e boa remuneração aos mediadores.

 


[1] PARLAMENTO Europeu, Quantifyin the costs of not using mediation- a data analysis, 2011, disponível em: http://www.europarl.europa.eu/document/activities/cont/201105/20110518ATT19592/20110518ATT19592EN.pdf. Acesso em 14 de agosto de 2016.

[2] FRANCO, Veiga Leonardo; LACERDA, Lorena Rodrigues; CARDOSO, Luiza Tosta. Sequestro Internacional de Criança: Análise da Convenção de Haia. Anais do IV Congresso de Processo Civil Internacional, Vitória, 2019.

[4] LOPES, Rosanne Christine da Silva Bastos. Sequestro internacional de crianças: análise e estudo do caso do menino Sean. Brasília, 2010, p. 18, Disponível em: http://www.repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789903/1/20574964.pdf. Acesso em: 8/7/2022.

[5] MARCHESINI, Sephora. Rapto parental internacional de menores na União Europeia a partir do ordenamento jurídico português. Revista de Direito International e Globalização Econômica. Vol 1, nº 1, jan-jun 2017, p. 113-135.

[6] VIGERS, S. Mediação de casos de rapto internacional de crianças: a Convenção de Haia. Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto International de Crianças. 2011, p.71. Disponível em:  http://www.hcch.net/index_en.php?act=text.display&tid=21.

[7] REUNITE, Reunião int’l Ctr de Abdução de Crianças, Mediação em Criança Parental Internacional Abduction: The Reunite Mediatiion Pilot Scheme 4, 2006, disponível em: http://www.reunite.org/edit/files/Mediation%20Report.pdf.

[8] ALANEN, Julia. When Human Rights Conflict: Mediating Internacional Parental Kidnapping Disputes Involving the Domestic Violence Defense, The University of Miami Inter-American Law Review, Vol. 40, Fall 2008, Number 1, p. 58.

[9] LOPES, Dulce; PATRÃO Afonso. Lei da Mediação Comentada. 2ª edição. Almedina, 2016, p.146.

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