Opinião

SAF e as execuções contra clubes de futebol: vai, Corinthians!

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17 de agosto de 2022, 6h06

Os clubes de futebol, há tempos, enfrentam crises econômico-financeiras. E a pandemia, que impediu jogos de futebol com presença de público por um bom tempo, só agravou a já frágil situação financeira de muitos deles.

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A Lei n° 14.193/2021 (Lei da SAF) positivou alguns mecanismos jurídicos para auxiliar clubes de futebol a lidar com seus passivos. Já temos alguns exemplos de uso da nova lei, como os casos do Botafogo, Cruzeiro, Figueirense e, em São Paulo, do Corinthians. Contudo, o caso corintiano nos parece peculiar, pois, diversamente do que ocorreu nos rivais, até o momento não há uma SAF constituída.

Contudo, não impediu que o Corinthians pedisse ao judiciário paulista a instauração do Regime Centralizado de Execuções (RCE), regulado nos artigos 14 a 24 da Lei da SAF (processo nº 0018529-92.2022.8.26.0100). O objetivo do clube, ao ingressar com o RCE, foi reunir as execuções cíveis em que é devedor em um único juízo. Em valores históricos, o passivo já ultrapassa R$ 42 milhões, sendo que, disso tudo, R$ 15 milhões é devido ao Ministério Público de São Paulo, decorrente do inadimplemento, pelo clube, de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) celebrado em razão de irregularidades verificadas na venda de ingressos dos jogos profissionais.

O RCE é um instrumento jurídico novo no ordenamento processual cível, embora fosse uma prática bastante comum nas varas do trabalho. A unificação traz eficiência processual e permite a recuperação de crédito de forma mais equilibrada, trazendo certa paridade entre os credores cíveis que já estejam em fase execução contra o clube devedor.

Com o deferimento do processamento do RCE, o devedor deve, em 60 dias, apresentar um plano de pagamento a seus credores, a ser homologado em juízo, se atendidos os requisitos mínimos da Lei da SAF.

Pela nova lei, o pagamento aos credores deve acontecer em até seis anos (podendo ser prorrogado por mais quatro, se pagos 60% do seu passivo original). E o crédito será corrigido pela Selic, independentemente do índice contratualmente estabelecido.

Além disso, a nova lei determina que os credores sujeitos ao RCE recebam 20% da receita mensal gerada pela SAF. No caso concreto do Corinthians, contudo, não há SAF, e, assim, aguardamos como as receitas do clube serão destinadas a esses credores, bem como qual será o deságio a ser oferecido para a quitação do passivo.

Somente após a homologação judicial e o cumprimento do plano de pagamento pelo devedor é que as execuções em curso, abarcadas pelo RCE, serão suspensas (artigo 23 da Lei da SAF).

Mesmo diante do comando expresso do referido artigo 23, o Corinthians pediu que as execuções originárias e as respectivas constrições ao seu patrimônio fossem suspensas até que o clube apresentasse seu plano de pagamento.

A 1ª Vara de Falências da Comarca da Capital de São Paulo autorizou o processamento do RCE do Corinthians, concedendo-lhe prazo de 60 dias para apresentar seu plano de pagamento. No entanto, indeferiu o pedido de suspensão das execuções e das constrições atualmente vigentes, ao argumento de semelhante medida somente teria cabimento após a apresentação do plano de pagamento dos credores.

O prazo para a apresentação do plano de pagamento ainda está em curso, e, em breve, veremos qual será a proposta do clube paulistano para a equalização de seu passivo cível milionário.

A conclusão do Judiciário paulista segue o racional contido na Lei da SAF e privilegia a segurança jurídica. Se o devedor deseja paralisar seus processos executivos, é imprescindível que os credores afetados saibam exatamente em que medida seus créditos serão (ou não) impactados.

De outro lado, ao impedir a suspensão dos processos executivos, apresenta-se o risco de uma corrida para que os credores, cujas execuções estejam mais avançadas, forcem medidas executivas mais drásticas contra o clube. Um risco, portanto, de "canibalização" dos ativos do clube devedor.

A bola, agora, está no campo do Corinthians, e espera-se que o caso se torne um importante precedente de adimplemento organizado do passivo de um clube de futebol, uma verdadeira reestruturação do passivo e não somente uma mera moratória.

Tatiana Flores Gaspar Serafim – sócia e head da área de reestruturação e insolvência do LDCM Advogados

Ana Carolina Picarone Andriolli – Associada do LDCM Advogados

Gabriel Penna Gomes – Associado do LDCM Advogados

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