Opinião

Competência da análise da relevância do recurso especial

Autor

  • Vinicius Silva Lemos

    é pós-doutorando em Processo Civil pela Uerj doutor em Processo Civil pela Unicap mestre em Sociologia e Direito pela UFF especialista em Processo Civil pela Faro professor de Processo Civil na Faro e na Uniron advogado presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia (IDPR) e membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo (Annep) do Centro de Estudos Avançados em Processo (Ceapro) da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC) da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPRO) e do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

14 de agosto de 2022, 17h05

Um ponto de necessário enfrentamento sobre a relevância da questão federal suscitada no recurso especial é sobre a definição de sua competência. É possível já definir a competência pelo que consta na Emenda Constitucional nº 125/2022? A princípio já há um embrião na EC sobre a própria competência, mas deve ser construída de maneira clara na futura lei regulamentadora e, possivelmente, no próprio Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. O importante é definir, claramente, qual o órgão  ou diferentes órgãos em diferentes hipóteses  será competente para a análise da relevância da questão federal no recurso especial.

O texto inserido na emenda [1] dispõe que a análise será realizada pelo órgão competente para o julgamento e, ainda, que o colegiado somente pode não conhecer por falta de relevância com a manifestação de 2/3 dos membros do órgão competente para o julgamento.

São duas diretrizes para serem seguidas para a lei regulamentadora. Interpretar esses pontos é essencial.

No primeiro ponto, quando se define que será o órgão competente para o julgamento, interpretando como o competente para o julgamento do mérito recursal, ou seja, diante da atual sistemática do STJ, as turmas que são competentes para o julgamento do recurso especial, com algumas exceções em relação a possibilidade de ser julgado pela seção ou corte especial quando for afetado para tanto, porém será somente com o intuito de formar precedente vinculante  repetitivo ou IAC.

Dessa maneira, há uma sugestão de vinculação entre o colegiado que julga o recurso e o colegiado que analisará a relevância em si, o que é uma diretriz que a própria Emenda propõe, ainda que seja possível, ao regulamentar especificadamente, uma melhoria sobre a legislação e determinação da competência, como analisaremos.

Sobre este ponto, um adendo é importante, por mais que se ressalte na Emenda que será o órgão competente para o julgamento, esta delimitação pode ser feita de maneira diversa, por ser prerrogativa do próprio STJ regular o seu funcionamento interno, podendo até atribuir novas diretrizes, órgãos e competências específicas, até para retirar a relevância do mesmo órgão do julgamento de mérito recursal.

Logo, esse ponto é uma diretriz, não uma certeza, ao menos enquanto não for devidamente regulada a relevância.

Num segundo ponto, a imposição de um quantum de 2/3 para que seja não conhecido um recurso por falta de relevância já foi inserido no próprio texto da Emenda, tornando a análise da relevância um ato de colegiado, imputando a declaração de irrelevância a um julgamento não monocrático e a definição desse quantitativo qualificado, sendo maior do que a maioria, com a necessidade de 2/3 para essa negativa.

A opção, tal qual ocorreu na repercussão geral, para que se tenha a relevância não detém a necessidade de maioria, mas que seja maior que 1/3 dos votos daquele colegiado para que se tenha relevância e, inversamente, com a necessidade de 2/3 para a declaração de irrelevância.

Pode-se alterar a quantidade? A resposta clara será que não, contudo pode-se, a partir da melhor regulamentação da relevância e sua procedimentalidade, inserir novas etapas  como decisão monocrática do relator ou do presidente do STJ [2], até culminar nesse ponto sobre a necessidade de 2/3 do colegiado competente a negativa/irrelevância. O que importa é que tenha um caminho procedimental para que se chegue numa análise colegiada.

São duas diretrizes que norteiam a competência no que já foi definido na Emenda, contudo estas mesmas diretrizes dependem do que a relevância será como instituto, se somente requisito de admissibilidade ou se meio de formação de precedente, negativa ou positivo ou ambos.

Esse ponto é crucial para que se entenda, em futura análise, a própria competência da relevância. Mas, ainda que não haja a lei, já é possível que se analise os pontos existentes e como ponderar o que pode ser feito dentro das hipóteses futuras.

O cerne da discussão sobre a competência, tanto no que já se entende pelo teor da Emenda quanto em futura lei, é entender que a principal preocupação deve ser em não inviabilizar o próprio andamento do STJ e seus colegiados. Não adianta que a relevância traga uma análise sempre colegiada de maneira a atrapalhar os trabalhos do próprio Tribunal, afinal, o intuito da relevância é o inverso disso, apesar de não estar delineada claramente.

E, diante desse ponto, a definição da competência para a análise da relevância depende do que será o instituto em sua base conceitual [3], se será mero requisito de admissibilidade do recurso especial ou meio de formação de precedente vinculante.

Se for somente um filtro individual de admissibilidade, pode ser definido pelas próprias turmas do STJ e, ainda assim, pode-se dar competência até ao relator, com a possibilidade de agravo interno e revisão pelo colegiado, dialogando com os pontos de negativa somente por 2/3 do órgão competente para o julgamento. A experiência da transcendência do recurso de revista no TST possibilita essa hipótese.

Essa seria a visão mais clara sobre a competência para a análise da relevância, caso a escolha seja por um mero requisito de admissibilidade discricionário.

Todavia, se essa for a opção do conceito de relevância, há um complicador sobre a competência da relevância ser colegiada pela turma, sem a possibilidade de monocrática, se isso for confirmado.

No cotidiano do STJ, a análise de todos os requisitos de admissibilidade, sobretudo na ausência de um destes, ocorre quase sempre em decisões monocráticas, seja do presidente do STJ ou do relator, geralmente para não conhecer do recurso especial. Se a análise for realmente sem possibilitar a decisão monocrática, criar-se-á uma disparidade entre os demais requisitos poderem ser analisados em decisão monocrática e a relevância somente de maneira colegiada.

Logo, de uma certa maneira, a relevância mais abarrotaria as turmas do que funcionaria como um filtro de admissibilidade. Prudente que se permita, dependendo da regulamentação, a decisão monocrática sobre a irrelevância.

Diferentemente é a preocupação se a escolha for pela relevância ser um meio de formação de precedentes  negativo ou positivo.

Se o intuito for formar um precedente sobre a relevância, focando sobre a criação de uma decisão vinculante, a competência não deve ser das turmas e, muito menos, do relator monocraticamente.

Optando-se pela relevância como um meio de formação de precedente vinculante negativo, quando se dispõe que há irrelevância da matéria, com impactos em processos com identidade material, a análise não pode ser por uma turma. Essa declaração de irrelevância deve ser em órgão com autoridade pertinente a determinar — definitivamente  que a matéria não seja mais julgada pelo STJ, bem com obstar recursos especiais por serem dessa matéria irrelevante.

Diante disso, o órgão responsável não poderia ser o fracionário  turma de cinco ministros [4] e ainda menos em decisão monocrática, mas a seção  dependendo da pertinência temática material  ou a corte especial do STJ.

Não há como pensar que uma turma poderá declarar a irrelevância e já servir de precedente vinculante, ainda mais com o impacto posterior de obstar recursos. Afinal, cada matéria é julgada por mais de uma turma, impedindo que uma delas imponha a sua decisão sobre a outra.

Se a opção da lei futura for pela relevância como meio de formação de precedente, ao menos negativo, a competência deve ser de um colegiado com autoridade de firmar o precedente e definir o paradigma, o que pode levar, num primeiro momento, ao aumento do trabalho das seções e da corte especial, mas somente para a análise geral de diversos temas, com o intuito de depois minorar esse fluxo.

Essa posição, a irrelevância como meio de formação de precedente vinculante negativo, traria o descolamento da competência da análise da relevância para um órgão maior (seção ou corte especial) e o recurso especial em si, em seu mérito, seria pelas turmas, como é de praxe, sem formar um precedente vinculante do mérito, somente jurisprudência persuasiva. Seria uma definição um pouco diversa do que a própria Emenda pressupõe, mas que será plenamente possível determinar-se em lei ou no próprio Regimento Interno do STJ.

A relevância seria analisada por um órgão maior e o recurso especial da matéria relevante em um órgão menor.

O problema desse ponto  e da relevância como um todo sobre competência  é a operacionalização entre a análise da relevância por um órgão e depois o julgamento do mérito por outro, obstando, ao menos de maneira automática, o próprio julgamento monocrático pelos relatores [5], o que acaba sendo praxe hoje. Uma adaptação procedimental seria necessária para tanto.

De outro modo, a lei futura pode construir que a relevância seja, além de formar um precedente negativo, para que o seu mérito também forme um precedente igualmente vinculante, o que seria um precedente vinculante positivo do seu mérito. É uma hipótese possível, principalmente se for modelada a partir da experiência do STF com a repercussão geral.

Se este for o caso, a análise da relevância deve ser no mesmo órgão que será responsável por julgar o recurso. Se a matéria for relevante e pertinente à seção, este será o órgão competente para analisar a relevância e, depois, para julgar o mérito do recurso relevante. De igual maneira, se a matéria for relevante e pertinente à corte especial, este será o órgão competente.

Em termos de competência, essa seria a definição clara sobre a análise da relevância e a análise posterior do próprio mérito, ambos no mesmo colegiado maior, com autoridade judicante para que formem precedente vinculante, tanto o negativo pela irrelevância quanto o positivo sobre a decisão do mérito do recurso especial sobre a matéria relevante.

No entanto, se essa for a escolha da futura lei, a competência será um problema a ser administrado pelo STJ, uma vez que quase todos os recursos especiais formariam precedentes vinculantes em seu mérito e deixariam esvaziadas as atividades das turmas, talvez somente julgando as hipóteses presumidas ou de aplicação de precedentes já firmados. De certo modo, até os repetitivos e o IAC se tornariam inócuos como institutos formadores de precedentes em seu mérito, por serem impactados pela relevância, se assim ela for construída.

Não é o ideal que o mérito da relevância seja um meio de formação de precedente, justamente para que o STJ continue a julgar o recurso sem com que todo julgamento forme precedente vinculante.

Outro ponto pertinente será se o presidente ou vice-presidente de Tribunal local terá a competência para a análise da relevância. Claramente a resposta é negativa, sem ser possível que seja delegada a competência a este juízo. No entanto, se na lei regulamentadora optar-se pela relevância como meio de formação de precedentes e imaginando algo parecido com o atual artigo 1.030 do CPC, será possível que se negue recurso especial por ser matéria já tida como irrelevante pelo STJ ou até que o julgamento foi o mesmo julgado em relevância, caso se opte como precedente vinculante positivo.

Esse é o máximo da competência do presidente ou vice-presidente do Tribunal local sobre a relevância ou irrelevância.

Um último ponto é sobre a competência para as hipóteses presumidas já constantes na Emenda Constitucional nº 125/2022. Como se optou por presunções de relevância, essa competência seria mais abrandada e clara, com a delegação para a própria turma, uma vez que quase nada mudará em termos das hipóteses presumidas como relevantes.

A competência será da turma que julgará o recurso especial e, talvez, dependendo da regulamentação, até do relator de maneira monocrática, até pela objetividade da presunção da relevância.

Esses são os pontos possíveis de se analisar sobre a relevância hoje, sem a definição de uma futura lei, até inserindo que a falta de definição de competência é um dos óbices que impedem que a própria relevância seja cobrada atualmente, somente sendo possível depois dessa regulamentação e definição clara da competência.


[1] CF. Artigo 105, § 2º (…) "somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 dos membros do órgão competente para o julgamento".

[2] Uma vez que é o responsável pela análise preliminar da admissibilidade dos recursos especiais.

[3] Sobre esse ponto: LEMOS, Vinicius Silva. Relevância como instituto em construção: necessidade e importância da futura lei regulamentadora. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jul-29/vinicius-lemos-relevancia-instituto-construcao

[4] "Ora, quem em regra julga o REsp é a turma, composta por cinco ministros. Sendo assim, quem apreciará se há ou não relevância é esse órgão fracionário, sendo que somente se quatro dos cinco ministros (o 2/3, arredondado para cima) afirmarem não existir a relevância é que o REsp não será conhecido. Sendo assim, não compete ao relator (monocraticamente), ao presidente do STJ (monocraticamente) ou ao tribunal de origem apontar a ausência de relevância. E, pelo comando constitucional, isso não poderia ser alterado sequer pela previsão infraconstitucional". ROQUE, André; GAJARDONI, Fernando; DELLORE, Luiz; DUARTE, Zulmar. Novidade no recurso especial: Primeiras reflexões sobre a EC 125 e o requisito da relevância das questões de direito federal infraconstitucional (REsp com RQF). Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/tendencias-do-processo-civil/370739/novidade-no-recurso-especial. No sentido de que a lei não poderia alterar a competência das turmas, contudo é um ponto complexo, uma vez que somente faz sentido pensar na competência e sobre qual órgão quando se entender o que é a relevância, qual o impacto de sua declaração  positiva e negativa  e os demais pontos procedimentais. A partir disso, a competência deve dialogar com o instituto em si, sem ater-se à turma, necessitando, obviamente, de previsão legal possível da organização do próprio STJ.

[5] Além do fato da Emenda já inserir que a análise seria colegiada, definindo como o órgão do julgamento recursal, esse ponto cria, ao menos num primeiro momento, uma complicação em dois pontos: 1) impede que seja realizada monocraticamente pelo presidente do STJ  quem analisa de maneira mais geral a admissibilidade; 2) impede que seja realizada monocraticamente pelo relator. Ou seja, apesar da busca por menos julgamentos, até a relevância ser implementada e entendida, teria um esvaziamento do julgamento monocrático até da admissibilidade, pelo fato de relevância necessitar, nos moldes que se tem na Emenda, de um julgamento colegiado.

Autores

  • é pós-doutorando em Processo Civil pela Uerj, doutor em Processo Civil pela Unicap, mestre em Sociologia e Direito pela UFF, especialista em Processo Civil pela Faro, professor de Processo Civil na Faro e na Uniron, advogado, presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia (IDPR) e membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo (Annep), do Centro de Estudos Avançados em Processo (Ceapro), da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC), da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPRO) e do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

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