Opinião

Seguro M&A como garantia e viabilização das operações de aquisição societária

Autor

  • Rodrigo Candia

    é sócio na área de direito societário de Silveiro Advogados é mestrando em Direito Societário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em Direito Internacional pela mesma instituição.

14 de agosto de 2022, 9h09

Operações de aquisição societária são complexas, envolvem sofisticadas estruturas contratuais e necessitam do apoio de diversos profissionais [1], de diferentes áreas, para a sua execução. Os contratos de compra e venda de participação societária, em específico, têm como uma de suas principais etapas a realização de auditoria ("due diligence") da empresa-alvo e a negociação da cláusula de declarações e garantias, cláusula que impõe riscos de responsabilização às partes em caso de declarações falsas acerca do negócio [2].

É com base na alocação de riscos sobre o negócio que as partes negociam o preço da aquisição. Daí que se infere a relevância da cláusula de declarações e garantias, cuja negociação representa um dos principais desafios aos contratantes, podendo em determinados casos até mesmo impedir a conclusão do negócio caso se deparem com impasses negociais nesse estágio.

À vista do perigo de uma alocação de riscos insuficiente e da consequente precificação incorreta da operação, é da prática a garantia desses riscos pela parte vendedora como forma de conclusão do negócio. Entre as modalidades mais comuns de garantias utilizadas para conceder maior segurança às operações estão a retenção de parcelas vincendas, também conhecida como "Holdback"; a conta vinculada de depósito, também conhecida como "Escrow Account"; e as garantias reais e fidejussórias. Tais modalidades, ainda que possam ser utilizadas em conjunto,  nem sempre são suficientes para gerar a confiança necessária entre as partes para promover a conclusão do negócio.

Uma alternativa a este impasse é a contratação de seguro para garantir especificamente os riscos transacionais oriundos do descumprimento e das perdas financeiras da cláusula de declarações e garantias: O "Seguro M&A" [3].

Lançado no Brasil apenas em 2014, embora ainda não seja uma modalidade utilizada em larga escala no país, o Seguro M&A é amplamente utilizado no âmbito internacional desde os anos noventa, o que indica a importância e relevância desta ferramenta para as negociações das operações de M&A. Atualmente, estima-se que mais de 50% dos contratos de aquisição de participação societária no Estados Unidos da América contêm previsões sobre o Seguro M&A [4].

Entre os benefícios que a doutrina e a prática observam sobre essa modalidade de seguro, o principal ponto é a viabilização da conclusão da operação, uma vez que as coberturas oferecidas ajudam a aproximar as expectativas das partes. Veja-se que o Seguro M&A, como qualquer outro tipo de seguro, transfere o risco do segurado (na maioria dos casos, a parte vendedora) para a seguradora [5]. Assim, as apólices de seguro podem ser uma forma de diminuir as diferenças negociais para fechar um negócio, quando as partes não conseguem concordar sobre os parâmetros de garantia e indenização do contrato.

Por exemplo, se a parte compradora busca uma indenização maior do que a parte vendedora está disposta a oferecer, o Seguro M&A pode diminuir essa diferença. Nesse caso, a cobertura do seguro pode ser vista como uma complementação à indenização, ou até mesmo substituir integralmente os valores de indenização em caso de descumprimento do contrato.

Ademais, como benefícios à parte vendedora, entende-se que o Seguro M&A 1) pode promover uma transferência mais ágil dos ativos negociados, a partir de uma negociação menos contenciosa e 2) pode reduzir as garantias oferecidas nos contratos, bem como as retenções de preço usualmente exigidas, permitindo uma maior liquidez e disponibilidade de recursos pela parte vendedora.

Como benefícios observados à parte compradora, entende-se que o Seguro M&A 3) pode possibilitar uma maior proteção contra passivos não identificados nos processos de due diligence, com maior segurança no recebimento de eventuais valores indenizatórios, possivelmente evitando litígios entre as partes; e 4) pode conferir uma maior proteção negocial em um sentido amplo, por exemplo, quando executivos da parte vendedora continuam na empresa após a conclusão da operação, protege-os de discussões sobre o contrato.

Apesar dos benefícios relatados acerca do Seguro M&A, é necessário atenção na contratação do produto para que as partes atinjam o resultado pretendido (redução de riscos, custos e conclusão eficiente do negócio). Assim, destacamos a necessidade de negociar e delimitar as hipóteses de exclusão de cobertura pelas seguradoras, especialmente em razão dos resultados da due diligence realizada. Ou seja, a parte segurada deve ter clareza a respeito das hipóteses em que poderá buscar o ressarcimento das seguradoras.

Também, é necessário observar o preço da contratação considerando o limite da cobertura (geralmente entre 10% e 20%) e o preço do prêmio a ser pago caso o seguro seja acionado. Esse ponto, diga-se, é um dos principais fatores responsáveis pela maior ou menor difusão do produto. Atualmente, no Brasil, o prêmio costuma variar entre 3% e 7%, enquanto nos Estados Unidos da América, os valores são relativamente mais baixos, o que poderia explicar a popularidade dessa modalidade de garantia no país, até mesmo em operações com valores relativamente baixos, em torno de 20 milhões de dólares.

Por fim, destacamos a questão temporal decorrente da contratação do seguro, visto que leva em média de duas a três semanas para ser concluída. Portanto, é necessário que as partes considerem adicionar ao cronograma da operação a contratação do seguro, para que haja maior previsibilidade do seu prazo de conclusão.

De forma breve, este artigo demonstrou a importância do Seguro M&A e o seu potencial de utilização no país, podendo ser uma ferramenta eficiente de garantia e viabilização das operações de aquisição societária, desde que observados os pontos de atenção acima levantados.

[1] Operações de aquisição societária envolvem diferentes partes, incluem o trabalho de advogados, contadores e envolvem sócios, empregados, fornecedores. Entre essas partes, conforme será demonstrado nesse artigo, a figura da Seguradora também pode ser considerada, por vezes atuando como "acionista invisível", que participa das discussões e do processo de garantia e indenização da operação.

[2] Nesse caso, inadimplemento contratual também é chamado de "misrepresentation" ou "misrep".

[3] Para fins de clareza, este autor escolheu denominar o seguro como "Seguro M&A", muito embora existam diferentes referências na doutrina ao mesmo produto, entre eles "Seguro de Indenização e Garantia do Comprador", "Seguro Representações e Garantias", e "Seguro R&W", este último mais comumente utilizado na doutrina internacional.

[4] ABA Private Target Mergers & Acquisitions Deal Points Study (2021).

[5] Conforme estudo realizado pela Global M&A Insurance Index em 2019, 93% dos Seguros de M&A foram direcionadas à parte Compradora.

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    é sócio na área de direito societário de Silveiro Advogados, é mestrando em Direito Societário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em Direito Internacional pela mesma instituição.

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