Candidatos legais

"É preciso discutir a estrutura do Poder Judiciário no Congresso Nacional"

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14 de agosto de 2022, 8h44

* Esta é a décima entrevista da série "Candidatos Legais", na qual a ConJur sabatina profissionais do Direito que se candidatarão a cargos eletivos nas eleições deste ano. Para ler as outras entrevistas, clique aqui.

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A reforma do Poder Judiciário não pode ser tratada como um tabu pelo Congresso Nacional. É preciso discutir o sistema de freios e contrapesos para que os três poderes tenham clareza nas suas funções e cada um cumpra o seu papel, fortalecendo as instituições e impedindo invasões de atribuições.

Essa é uma das posições do advogado Marcos da Costa, candidato a deputado federal pelo Avante. Segundo ele, não é razoável que, após 34 anos da promulgação da Constituição, não se tenha ainda encaminhado projetos para discussão da Lei Orgânica da Magistratura.

Presidente da OAB-SP de 2013 a 2018, Marcos da Costa defende uma maior participação da advocacia na política nacional. 

"Depois de ter passado mais de 20 anos trabalhando na OAB como conselheiro, diretor e como presidente, eu pude verificar que é possível construir muita coisa. Como nós construímos. Mas, dentro do Congresso, essa possibilidade é ampliada, uma vez que você tem a legitimidade para participar dos debates dentro do processo legal. Então eu estou convencido de que é um passo que tem de ser dado", disse ele em entrevista à ConJur

Leia a seguir a entrevista: 

ConJur — Por que o senhor decidiu se candidatar a deputado federal?
Marcos da Costa — Porque depois de ter passado mais de 20 anos trabalhando na OAB como conselheiro, diretor e como presidente, eu pude verificar que é possível construir muita coisa. Como nós construímos. Mas, dentro do Congresso, essa possibilidade é ampliada, uma vez que você tem a legitimidade para participar dos debates dentro do processo legal. Então eu estou convencido de que é um passo que tem de ser dado. Em algum momento da história a advocacia militante deixou de estar presente nos espaços de poder, por isso nós estamos perdendo também protagonismo. Então, para que voltemos a ter protagonismo, é preciso ter representação no Congresso Nacional.

ConJur — Uma vez eleito, o senhor apresentaria um ou mais projetos logo no início do mandato? Se sim, quais?
Marcos da Costa —  Vamos lá, são diversas frentes que eu pretendo abrir. Uma delas é uma discussão séria e responsável sobre o sistema de Justiça. Nós temos, por exemplo, no estatuto da OAB a falta de eleição direta para o Conselho Federal. Eu, quando presidi a Ordem, na primeira sessão de conselho, a primeira proposta que eu apresentei foi de uma moção do conselho da OAB de São Paulo em prol da eleição direta para a direção do Conselho Federal. E, da mesma forma, é algo que eu entendo fundamental para ampliar a democracia dentro da nossa instituição. Mas, ao lado disso, há a discussão sobre a estrutura da Justiça.

Eu advogo há 35 anos, sou formado em 1986, e eu vi na Constituição de 1988 uma série de reformas importantes do ponto de vista do Poder Legislativo e do ponto de vista do Poder Executivo, mas não vi a grande reforma do Judiciário. Embora a Emenda 45, que é de 2004, tenha criado avanços, como o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e a declaração de conhecimento do processo em tempo razoável como direito do cidadão, nós precisamos discutir a estrutura do Poder Judiciário. 

E, na outra ponta, uma questão que me é muito cara também, e eu pontuo especialmente, é a questão da pessoa com deficiência. Já era um tema muito importante para mim e que se tornou ainda mais relevante depois de um acidente, quando eu passo a perceber a dificuldade que a pessoa com deficiência tem para circular nas nossas cidades. Então, além da pauta da Justiça, há a questão da inclusão como um todo e, em especial, das pessoas com deficiência. 

ConJur — De modo geral, como o senhor avalia a qualidade das leis produzidas no Brasil?
Marcos da Costa — Vivemos em um país que tem uma democracia muito recente, nós temos 34 anos de democracia, se tomarmos como referência a Constituição de 1988, e nós tivemos alguns avanços por parte do Legislativo, como a Lei da Transparência, a Lei da Ficha Limpa, a própria Lei de Licitações, que deu mais moralidade às compras públicas, e outras leis que foram editadas ao longo do tempo e que deram um ar mais republicano ao poder público. E, infelizmente, o que eu vejo hoje é um Congresso Nacional que paralisou a sua atividade legislativa. Por exemplo, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado há dois anos não decola um projeto de lei. Os projetos não andam. 

Na Câmara não é diferente a situação. Muito é feito para organizar as funções e as comissões da atividade legislativa e não há produção. Então isso, para mim, é muito relevante, e a experiência que eu tenho com o Direito e a Ordem, mais as funções das quais participei no próprio Congresso Nacional, vão me permitir auxiliar o país no que diz respeito à produção legislativa de qualidade. Na outra ponta, há alguns temas que parecem tabus e precisam ser enfrentados, como a questão do Judiciário, que há muito tempo não é tratada na sua estrutura. Temos de discutir o sistema de freios e contrapesos para que os poderes tenham clareza nas suas funções, os três poderes, e cada um cumpra o seu papel, fortalecendo as instituições e impedindo invasões às atribuições de cada poder.

ConJur — O senhor falou que o Judiciário é um tabu que não é tratado corretamente pelo Legislativo. A que credita isso?
Marcos da Costa — À estrutura do Judiciário, não ao Judiciário em si. Há uma limitação constitucional que tinha sentido em 1988, uma reserva legislativa do próprio Supremo Tribunal Federal para iniciar processo que desrespeite a estrutura do Judiciário. Porém, já faz 34 anos da Constituição, e creio que 16 presidentes passaram por lá, e nenhum deles encaminhou projetos para discussão da Lei Orgânica da Magistratura. E até hoje o Congresso Nacional não promoveu uma discussão da estrutura por falta de iniciativa do próprio Supremo Tribunal Federal. E isso precisa ser revertido. 

ConJur — Por outro lado, nós temos visto nos últimos anos a nossa política ser marcada pelo ativismo judicial, seja de membros do Ministério Público, seja de magistrados ou ex-magistrados. O senhor é a favor de uma quarentena eleitoral para magistrados e membros do MP?
Marcos da Costa — Eu acho fundamental porque o magistrado e o representante do Ministério Público exercem poder nas suas funções. E é muito temerário para a democracia e para a cidadania que alguém que tem o poder de julgar possa usar esse poder em benefício próprio para uma eventual candidatura. Nós tivemos no passado, por exemplo, uma juíza do Mato Grosso que se orgulhava de ser chamada de Moro de saia, e declarava que seria candidata no ano seguinte a senadora pelo estado do Mato Grosso. Eu acho temerário que alguém, exercendo o papel de juiz, possa ter as suas decisões contaminadas por interesse político-eleitoral. Por isso, eu sou a favor que o magistrado ou promotor que queira participar do processo democrático das eleições se afaste do poder e tenha o período de quarentena para que não tenha questionadas suas decisões por eventual interesse político. 

ConJur — A questão é: a qualidade da Justiça do Brasil se subordina à qualidade das leis? 
Marcos da Costa — É um conjunto. É um sistema, e se uma parcela do sistema está comprometida em termos de qualidade, então o sistema como um todo acaba sofrendo com isso. Então, se você tem leis mal redigidas, pouco claras, leis inconstitucionais, leis que não respeitam os preceitos constitucionais, como consequência você vai ter dificuldade do cidadão em ter seus direitos, mesmo quando procura um espaço adequado, e para isso ele tem o Judiciário. Se as leis são mal feitas, o Judiciário vai ter dificuldade de exercer o seu papel. Então, por ser um conjunto, é preciso qualificar o Judiciário e é preciso qualificar também o Poder Legislativo, para que as leis sejam bem feitas e os juízes qualificados possam exercer a sua função fundamental de declarar a quem pertence o direito.

ConJur — Alguns institutos inovadores têm passado por momentos de inflexão e até mesmo de descrédito, como a colaboração premiada, a arbitragem e o compliance. Onde está o problema? Nos intérpretes ou na formulação legislativa?
Marcos da Costa — Nos dois lados. A arbitragem é um excelente exemplo. Lembre-se de que, quando a lei foi aprovada, o Supremo Tribunal Federal encaminhou solicitação ao procurador-geral da República para que penalizasse eventual inconstitucionalidade da Lei de Arbitragem. Então, essa lei, parece-me que por causa de uma preocupação do Judiciário de não perder seu espaço, foi questionada pelo próprio Judiciário. Então as leis precisam ser bem feitas, bem elaboradas e pautadas nos valores e princípios que a Constituição de 88 definem, para que quando chegue ao Judiciário ele, de forma isenta e no tempo dele, da Justiça, do devido processo legal, observadas todas as formalidades dos processos, possa meditar sobre a lei e fazer sua aplicação. 

ConJur — E em relação à delação premiada?
Marcos da Costa — A delação premiada tem mais uma questão, que é a cultura brasileira. Então, quando houve essa discussão no Congresso Nacional, ela avançou em termos de legislação, mas ela enfrenta resistência pela falta de estrutura no Brasil de recepção de institutos como o da delação premiada. Aí é um problema muito de interpretação da lei. Porque quando se importa um instituto, como é o caso da delação, de um lado há o instituto e de outro, todo o processo de evolução do instituto, do seu regramento e das suas limitações, para que ele não traga qualquer prejuízo ao direito de defesa, à presunção de inocência e a outros valores que são constitucionais. Então eu vejo naturalidade na discussão que houve na chegada da delação premiada, pois ela não fazia parte da estrutura brasileira. Creio, com a minha experiência, que ainda não terminaram as discussões. Nós teremos ainda muitos debates sobre as cautelas na aplicação desse instituto, para que ele não gere qualquer prejuízo ao exercício do direito defesa.

ConJur — Em sua opinião, é possível ou desejável criar parâmetros objetivos para aferir o impacto econômico e social das leis?
Marcos da Costa — Eu acho que é importantíssimo, e para isso servem as comissões temáticas do Congresso Nacional. Para isso há a Comissão de Constituição e Justiça, para analisar a constitucionalidade, tem a Comissão de Orçamento, a Comissão de Assuntos Sociais, as comissões servem para isso, para essas discussões sobre o impacto financeiro de determinada medida e o impacto social, que é tão relevante quanto. O que acontece é que, de uma forma equivocada, foram sendo mitigadas as comissões ao longo do tempo. As comissões precisam ser ouvidas, é preciso fortalecer as comissões, que, aliás, há muito tempo vêm sendo desprestigiadas.

ConJur — O senhor acredita que a advocacia, de uma maneira geral, e a academia deveriam ter maior participação no processo legislativo? E, se sim, como, além do pleito de um operador do Direito como o senhor se candidatar a um cargo eletivo?
Marcos da Costa — Participando do processo eleitoral, escolhendo representantes profissionais, advogados e advogadas que possam colaborar no processo legislativo, preferencialmente advogados militantes, advogados que tenham visão da advocacia efetiva, aqueles advogados que sofrem o dia a dia dos fóruns, sofrem com o processo eletrônico, sofrem para conseguir que o seu processo seja julgado, para serem ouvidos pelos magistrados. Esses advogados precisam participar do processo legislativo, colocando-se à disposição para estar no Congresso Nacional levando essa angústia e esse anseio do advogado. Até porque há um binômio que não se separa, advocacia e cidadania. Quando o advogado militante entra no Congresso, estamos falando da representação da sociedade.

ConJur — Nos últimos anos, temos visto uma série de violações às prerrogativas da advocacia, como escritórios sendo grampeados e ações de busca e apreensão sendo feitas de maneira arbitrária. O senhor pretende atuar na defesa dessas prerrogativas?
Marcos da Costa — É fundamental atuar em defesa das prerrogativas da advocacia, sem dúvida nenhuma esse é um dos pilares que eu defendo para a atuação dentro do Congresso Nacional. Uma advocacia protegida, uma advocacia que pode exercer com absoluta independência a sua missão, representa o direito de defesa do cidadão sendo prestigiado, de forma que vejo com muita tristeza iniciativas no sentido de cercear o exercício da advocacia de diversas formas. Inclusive, com o processo eletrônico, há a dificuldade que temos para fazer o recurso subir aos tribunais superiores. Para mim, isso também é prerrogativa profissional, porque hoje se usa nos tribunais a chamada inteligência artificial, que vai aceitar ou não aceitar conhecer um recurso do cidadão. Isso, para mim, é violação do exercício das prerrogativas profissionais.

ConJur — Qual avaliação o senhor faz da Lei 14.365, que altera o Estatuto da Advocacia, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal?
Marcos da Costa — Ela teve alguns avanços e alguns pontos que precisariam ser melhor avaliados. Um desses pontos é um erro formal na tramitação da lei, que tirou algo que é essencial para o exercício da advocacia, a imunidade. Isso é uma demonstração de que a lei tramitou sem as cautelas necessárias. 

ConJur — Como o senhor enxerga esse recente debate que coloca em dúvida a integridade do nosso processo eleitoral?
Marcos da Costa — Eu acho que esse debate acabou sendo muito contaminado por questões ideológicas, ele escapou do conteúdo técnico que deveria existir, porque através da discussão se aperfeiçoa o processo. A contaminação ideológica desse debate faz com que a parte técnica seja deixada em segundo plano e se questione o resultado eleitoral, servindo não para a melhoria do sistema, mas para o questionamento do resultado, fragilizando o resultado do processo eleitoral, que é importante para a consolidação da democracia. Então, o debate da urna eletrônica vejo com naturalidade do ponto de vista técnico, mas, ao ser contaminado com ideologia, ele perde substância e serve apenas para atacar o processo democrático de escolha por parte do cidadão.

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