Tribunal do Júri

Prerrogativas da advocacia no júri

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13 de agosto de 2022, 8h01

Dia 11 de agosto comemora-se o Dia dos Advogados. Para o exercício pleno da advocacia, constrói-se (sim, no presente) um conjunto de mecanismos legais e regimentais com o objetivo a salvaguardar a atuação profissional, não apenas protegendo que os direitos profissionais não sejam violados, como também, positivamente, criando instrumentos que garantam respeito à igualdade entre todos os operadores do direito e do processo.

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Não obstante o dicionário preveja o vocábulo "prerrogativa" como um privilégio, a prática jurídica se apresenta totalmente diferente. Não são incomuns as situações em que autoridades policiais e judiciárias agem em flagrante desrespeito à lei, colocando-se em situação de superioridade ou mesmo em abuso. Aliás, diariamente diversas situações são relatadas em todo Brasil.

Considerando que, por disposição constitucional [1], o advogado é indispensável à administração da justiça e que constitui efetivamente o agente que apresenta as violações constitucionais perante o sistema de Justiça (inclusive violações dos próprios agentes judiciários), diversas leis estabelecem os direitos dos advogados.

A principal é a Lei 8.906 de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e da OAB. Chamamos atenção: a Lei 8.906/1994. Significa que não se trata simplesmente de um regulamento interno, portaria ou disposição que não se aplicaria a terceiras partes. A Lei, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente, entrou em vigor em 4 de julho de 1994 e, desde então, foi aperfeiçoada dentro do regular processo legislativo.

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As prerrogativas, portanto, são direitos dos advogados, os quais, em consonância com os demais dispositivos legais de mesma natureza, garantem o livre exercício profissional com autonomia e sem subordinação de qualquer natureza. Destarte, faz-se essencial que o advogado não apenas conheça suas prerrogativas, mas compreenda seus fundamentos técnicos/jurídicos, de maneira a defendê-las e dar-lhes vida.

E mais, por constituírem direitos, devem ser respeitadas por todas as autoridades, em qualquer grau de jurisdição, área ou situação em que a atividade profissional esteja sendo exercida.

Considerando a natureza dos valores que são discutidos, talvez na advocacia criminal estejam as questões mais sensíveis em relação às atividades dos atores envolvidos entram em conflito. E, na seara criminal, o tribunal do júri, por suas particularidades, precisa de uma ótica especial.

Logo no artigo 6º do Estatuto da Advocacia tem-se uma norma que merece transcrição: "não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos" [2]. Constitui disposição de conhecimento de todos, inclusive de estudantes do curso de graduação. Significa dizer também que os antigos estudantes de direito que hoje exercem os cargos policiais, no Ministério Público ou magistratura, sabem de tal norma. No entanto, alguns padecem de um arroubo autoritário, acreditando estar acima da lei. Isso jamais pode ser tolerado. Cada um dos envolvidos no processo são essenciais e possuem uma função bem delimitada, sem a qual, o ato (e, no caso do recorte deste artigo, a sessão do júri) não poderia acontecer.

Essa divisão de funções de cada um dos atores processuais faz parte inseparável da caracterização do Estado democrático de Direito. Cabe ao juiz presidente exercer o poder de organizar a sessão. Ao Ministério Público incumbe o papel, dentro do processo penal acusatório, de parte responsável pela acusação. À defesa compete, oras, defender que os direitos dos acusados sejam respeitados. Não existe processo sem defesa efetiva e independente.

Dizer que não há hierarquia é reconhecer no outro colega de profissão um igual. Alguém que não é secundário, subalterno ou submisso. Que jamais pode ser considerado como um empecilho.

Todavia, a cultura impregnada tanto no leigo (inclusive os jurados), quanto em parte da magistratura e membros do MP, é a hierarquização sobre o advogado. O prestígio do júri perante o Conselho de Sentença está nas mãos da presidência, a qual deve zelar e proteger a divisão de funções, sem confundir nem misturar seu poder com um posto que exige subserviência por parte da defesa.

Claro que, para isso, faz-se necessário que todos os envolvidos, inclusive o advogado, tratem com respeito e educação os demais. No júri a cordialidade entre os envolvidos é sentida pelo Conselho de Sentença. Nunca é demais lembrar que os jurados tomam as decisões de maneira imotivada e secreta. E isso significa que as ações, comunicações e expressões do juiz presidente, por exemplo, possuem o condão de afetar  mesmo que inconscientemente  a formação da convicção dos jurados. Qualquer elemento que demonstre predisposição para um ou outro lado, viola não apenas as normas deontológicas, como também os mais basilares princípios e garantias constitucionais, devendo gerar a nulidade da sessão.

No entanto, desde antes do início do julgamento temos uma violação direta ao dispositivo. A acusação posicionada no mesmo plano que o juiz, colado ao lado direito do juiz presidente como se fizesse parte da mesma equipe do Estado contra o cidadão, é algo que não cabe (nem nunca coube) à qualquer Estado democrático. Inadmissível [3].

Tal "tradição" inquisitorial precisa ser extirpada. Aliás, é preciso deixar claro que a nossa Constituição, ao prever o sistema acusatório, claramente proíbe qualquer vantagem competitiva ao órgão acusador.

É, ainda, imprescindível que o advogado demonstre com ações, atitudes e postura não haver subordinação entre ele e o juiz e/ou ao Ministério Público. Neste sentido, o comportamento em plenário constitui uma ferramenta crucial para uma tentativa de desconstrução da primeira impressão causada pela geografia da sala de julgamento.

Outros direitos que no júri possuem especial aplicação precisam ainda ser lembrados, como o exercício da função do advogado com liberdade (EAOAB, artigo 7º, I), não apenas derivado da inexistência de hierarquia entre julgadores, acusação e defesa, mas também como respeito efetivo ao dever da defesa. O advogado deve respeitar e tratar com cortesia todos os presentes, o que não significa ser aviltado, deixando de sustentar ou reivindicar qualquer questão que entenda pertinente, por conta do desejo do juiz presidente ou mesmo da promotoria.

Até como corolário da situação exposta acima, são absolutamente inadmissíveis a restrição, por parte de poucos magistrados, da utilização da palavra "pela ordem" (EAOAB, artigo 7º, X). Isto é, a defesa tem o direito inabalável de impugnar o conteúdo, decisão ou qualquer questão que entenda necessária para o desempenho de seu mister, de maneira imediata. E, no júri, tal disposição também significa dizer que o juízo não pode expor o advogado por eventual arguição, sendo vedado utilizar um tratamento que influencie a imagem deste perante os jurados.

Impor respeito às prerrogativas e aos direitos do advogado no exercício de seu munus publico é necessário para a defesa da cidadania, dos direitos constitucionais da dignidade humana do acusado e do tripé: ampla defesa (alçada à plenitudade de defesa no júri), contraditório e devido processo legal.

Cabem a todos os participantes da sessão do tribunal do júri, inclusive ao advogado, o respeito às normas legais. Entretanto, não pode mais ser admissível a interpretação arbitrária da legislação por cada juiz de maneira a mitigar e reprimir a atuação defensiva plena.

O advogado é o representante legítimo dos direitos do acusado, sendo a última linha de proteção que separa os cidadãos da pretensão punitiva estatal. Toda vez que uma prerrogativa é violada, quem tem o direito fulminado, em última análise, é o próprio patrocinado. Considerando que todo o aparato e sistemática do júri pende para a condenação, o advogado deve atuar com liberdade e protagonismo, fazendo prevalecer as normas constitucionais e convencionais, como forma de garantir um julgamento justo e verdadeiramente imparcial.


[1] Constituição Federal. Artigo 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

[2] Ainda, no parágrafo único, alterado recentemente pela Lei 14.365/2022 determina que "As autoridades e os servidores públicos dos Poderes da República, os serventuários da Justiça e os membros do Ministério Público devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho, preservando e resguardando, de ofício, a imagem, a reputação e a integridade do advogado nos termos desta Lei".

[3] Já discutimos tal questão na coluna do dia 26 de fevereiro de 2022, em artigo intitulado "A arquitetura do plenário do júri".

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    é advogado criminalista, pós-doutor em Direito (UFPR), doutor pelo Programa Interdisciplinar em Neurociências (UFMG), mestre em Direito (UniBrasil), coordenador da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI, professor de Processo Penal da FAE e do programa de mestrado em Psicologia Forense da UTP.

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    é advogado criminalista, conselheiro da OAB-SP, presidente da seccional de SP da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim).

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    é advogado crininalista, especialista em Ciências Penais, conselheiro seccional e diretor de Prerrogativas da OAB/MG.

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