Opinião

O trabalho em plataformas digitais na visão do TST

Autores

  • Nelson Mannrich

    é advogado sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos professor titular da Universidade de São Paulo (aposentado) oresidente da Academia Iberoamericana de Direito do Trabalho e membro e presidente honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (cadeira nº 49).

  • Alessandra Barichello Boskovic

    é mestre e doutora em Direito pela PUC-PR advogada sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos e professora do curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

7 de agosto de 2022, 17h02

Desde 2018, o Tribunal Superior do Trabalho tem paulatinamente construído sua jurisprudência no enfrentamento da natureza do vínculo entre trabalhadores e plataformas digitais. Até o momento, ocorreram 11 julgamentos em algumas turmas do TST — nenhum na seção especializada.

A 8ª Turma foi a primeira a apreciar a matéria, no processo nº 11199-47.2017.5.03.0185. Por unanimidade de votos, os ministros negaram provimento ao agravo de instrumento interposto pelo trabalhador e mantiveram o acórdão regional que não reconheceu vínculo de emprego com a plataforma. O acórdão foi relatado pela ministra Dora Maria da Costa e publicado em 31 de janeiro de 2019.

Ainda em 2019, a 8ª Turma voltou a se manifestar sobre o tema, no processo nº 1002011-63.2017.5.02.0048. Também por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelo trabalhador e manteve o acórdão de origem, que afastou o vínculo de emprego com a plataforma. O acórdão, publicado em 25 de outubro de 2019, foi também relatado pela ministra Dora Maria da Costa.

Em 2020, a 5ª Turma julgou o processo nº 1000123-89.2017.5.02.0038 e deu provimento ao recurso de revista interposto pela plataforma digital, reformando o acordão de origem. Analisando os elementos fáticos reproduzidos na decisão recorrida, a Turma, por unanimidade, considerou ausente a subordinação e afastou o vínculo de emprego. O acórdão, publicado em 7 de fevereiro de 2020, foi relatado pelo ministro Breno Medeiros. A decisão foi objeto de embargos declaratórios, embargos à SDI e Agravo. Ainda não houve o trânsito em julgado.

Também no ano de 2020, ocorreu o julgamento do processo nº 10575-88.2019.5.03.0003, pela 4ª Turma. Foi denegado provimento ao agravo de instrumento interposto pelo trabalhador. Por unanimidade, os ministros aprovaram a tese proposta pelo relator, ministro Alexandre Luiz Ramos, de seguinte teor:

"O trabalho prestado com a utilização de plataforma tecnológica de gestão de oferta de motoristas-usuários e demanda de clientes-usuários, não se dá para a plataforma e não atende aos elementos configuradores da relação de emprego previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, inexistindo, por isso, relação de emprego entre o motorista profissional e a desenvolvedora do aplicativo, o que não acarreta violação do disposto no art. 1º, III e IV, da Constituição Federal".

Em 2021, a 4ª Turma voltou a apreciar a matéria, no processo nº 10555-54.2019.5.03.0179, de relatoria do ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho. Por unanimidade, os ministros negaram provimento ao recurso de revista interposto pelo trabalhador contra acórdão regional que negou vínculo empregatício com a plataforma virtual.

Ainda em 2021, a 5ª Turma julgou o agravo interno em agravo de instrumento, interposto pelo trabalhador, nos autos do processo nº 1001160-73.2018.5.02.0473. Por unanimidade, os ministros consideraram que os elementos constantes dos autos evidenciam autonomia do trabalhador e afastaram o vínculo de emprego. O acórdão, relatado pelo ministro Breno Medeiros, foi publicado em 20 de agosto de 2021.

Diversos julgamentos ocorreram em 2022. Em três decisões semelhantes, a 4ª Turma negou provimento aos agravos de instrumentos interpostos pelos trabalhadores nos autos dos processos nº 1000031-71.2021.5.02.0006, 10556-05.2021.5.03.0006 e 00687-68.2020.5.06.0006. Nos acórdãos — todos relatados pelo ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho — a turma ressaltou a ausência de subordinação.

Em 11 de abril de 2022, foi publicado o primeiro acórdão no TST reconhecendo vínculo de emprego, nos autos do processo nº 100353-02.2017.5.01.0066. Por maioria de votos — vencido o ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte —, a 3ª Turma considerou presente a subordinação, em quatro dimensões: clássica, objetiva, estrutural e algorítmica. Deu provimento ao recurso de revista do trabalhador, reconhecendo o vínculo empregatício com a plataforma. Contra essa decisão, foi interposto recurso de embargos à SBDI-1, pendente de julgamento.

Por fim, ocorreu o julgamento do agravo interno, em agravo de instrumento nº 11540-71.2018.5.15.0131, pela 1ª Turma. No acórdão, de relatoria do ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior e publicado em 27 de junho de 2022, a Turma não conheceu do agravo, por entender que sua apreciação demandaria reexame fático probatório. O julgamento se baseou em aspectos estritamente processuais — embora o não reconhecimento de transcendência jurídica quanto ao tema possa ser interpretado como indicativo de possível concordância da Turma com o entendimento dominante no TST, até agora: ausência de vínculo de emprego entre trabalhador e plataforma.

Analisando-se a jurisprudência das turmas, como um todo, é possível constatar uma série de aspectos. Na perspectiva processual, destaca-se o fato de que todas as decisões — à exceção do acórdão da 3ª Turma, que reconheceu o vínculo empregatício — foram proferidas por unanimidade de votos. Além disso, dos onze acórdãos das turmas, apenas duas não transitaram em julgado, até agora.

Quanto ao mérito envolvendo a relação jurídica entre trabalhadores e plataformas, todas as decisões, em maior ou menor grau, sinalizaram o posicionamento da turma sobre a existência ou não de vínculo de emprego.

A 4ª, 5ª e 8ª Turmas se manifestaram expressamente pela inexistência de subordinação, afastando o vínculo de emprego. A 3ª Turma posicionou-se em sentido diametralmente oposto: reconheceu subordinação sob diversas perspectivas: clássica, objetiva, estrutural e algorítmica. A 1ª Turma, por fim, não enfrentou o mérito de forma expressa, não se podendo inferir, com segurança, seu posicionamento.

Enquanto não houver pronunciamento da Subseção Especializada em Dissídios Individuais, ou mesmo do pleno, não se pode apontar, de forma segura, qual a orientação jurisprudencial do TST sobre esse tema. Todavia, é possível perceber clara tendência, sinalizada pela maior parte das Turmas que já enfrentou a matéria, de não se reconhecer relação de emprego entre plataformas digitais e trabalhadores.

Esse protagonismo da mais alta corte trabalhista sinaliza a necessidade de o legislativo construir o marco legal garantidor dos direitos fundamentais desses trabalhadores, sem prejuízo do espaço a ser reservado aos próprios atores envolvidos, evitando-se o desnecessário engessamento dessas relações que, por natureza, são flexíveis.

Esses novos trabalhadores não são empregados, como parece sinalizar o TST, e sequer são genuinamente autônomos. Cabe ao estado democrático de direito assegurar-lhes a dignidade, na perspectiva dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Autores

  • Brave

    é mestre, doutor e livre-docente em Direito, pela Universidade de São Paulo (USP), professor titular de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da USP (aposentado), coordenador do Getrab-USP, presidente honorário e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, secretário geral e membro da Academia Iberoamericana de Direito do Trabalho e Seguridade Social e advogado sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados.

  • Brave

    é mestre e doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), com estágio de doutoramento na Fordham University School of Law, professora de Direito do Trabalho no curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pesquisadora do Getrab-USP e advogada sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados.

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