Opinião

Reconhecimento da vontade do paciente na relação com o médico

Autor

  • Tobias Levi Lima Meireles

    é CEO do Escritório Tobias Meireles Advogados pós-graduando em Direito Médico pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva (Cers) secretário da Associação Brasileira dos Advogados Acre (ABA/AC) membro do Conselho de Ética da OAB/AC (2020-2021) e secretário geral adjunto da Caixa de Assistência dos Advogados do Acre (Caaac) (triênio 2022-2024).

5 de agosto de 2022, 7h07

A legislação recente e o posicionamento do Judiciário caminham a passos largos no sentido de coibir a assimetria da relação paciente-médico, garantindo o respeito às vontades, desejos ou convicções do paciente, e não apenas ao conhecimento técnico do médico.

Entre os anos de 1940 e 1970, no Hospital Estatal de Hillowbrook em Nova York, houve secretamente a inoculação do vírus da hepatite em crianças com deficiência, que acreditavam estarem sendo tratadas de suas patologias, quando na verdade eram objeto de um estudo científico que acompanhava a evolução do vírus. Em 1963, no Hospital Israelita de Doenças Crônicas de Nova York, inocularam células cancerígenas em pacientes idosos hospitalizados, sob a lacunosa informação de que estariam recebendo tratamento. Em 1972 (caso Tuskegee no estado do Alabama), 400 homens sifilíticos receberam placebos, ao invés da medicação, a fim de verificar se havia diferença na evolução racial da doença.

Nessa toada, a bioética nasce como uma exigência de respeito, questionando os avanços científicos em detrimento de seres extremamente vulneráveis, que vinham sendo utilizados como objeto de pesquisa, ou seja, a relação do médico com seu paciente.

A partir do Relatório de Belmont, em 1978, que consagrou os princípios do respeito às pessoas, princípio da beneficência e princípio da justiça, passou-se a questionar a assimetria da relação paciente-médico, vivíamos um cenário paternalista, em que não haviam vontades, desejos ou convicções do paciente, apenas o conhecimento técnico do médico que indicava o tratamento que lhe aprouvesse [1].

A própria sociedade assumia uma visão patologicista, já que o doente era visto de forma estigmatizada, não se falava naquele momento por exemplo em paciente soropositivo, a sociedade se dirigia àquele paciente como aidético de forma que o mesmo assumia os contornos da sua própria doença, deixando sua posição de ser humano no seio da sociedade, já que junto com a sua doença trazia o estigma da periculosidade.

Simplificando a questão, a partir do momento que o indivíduo estava acometido de patologia, este não era visto mais como ser humano, por conta disso não tinha voz ativa na relação com seu médico, cabia a ele na condição de doente cumprir exclusivamente as determinações médicas sem qualquer questionamento.

Nesse esteio, o Relatório de Belmont começa a pensar na solução deste paradigma através do cumprimento dos deveres de informar, coletar o consentimento e respeitar as decisões (autonomia) do paciente. No Brasil, esta corrente foi fortalecida pela nossa Constituição de 1988, que abarca os conceitos de direitos humanos, direitos fundamentais, autonomia e dignidade da pessoa humana.

Com a adesão do Brasil à Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos de 2005, houve uma verdadeira aceleração no processo de aprimoramento da relação médico-paciente, sobretudo quando falamos em autonomia de vontade do paciente.

Desta feita, o paciente deixa de ser visto como um mero objeto do tratamento terapêutico, submisso a autonomia técnica do médico que lhe impõe a terapêutica que julga mais adequada.

O paciente saiu de uma relação verticalizada, e passa agora a ter uma relação horizontal com seu médico. Estamos vivendo um movimento em que a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos e as próprias Resoluções editadas pelo Conselho Federal de Medicina, vinculam ao médico o dever de informar o paciente, que agora pode travar uma conversa em equidade a respeito do melhor tratamento para seu caso clínico.

Ou seja, a autonomia do paciente se sobrepõe a autonomia técnica, uma vez que as discussões a respeito das terapêuticas a serem aplicadas, dizem respeito ao corpo do paciente e não do médico ou de terceiros, ademais tais decisões não podem se restringir tão somente ao campo científico, mas sim vontade, desejo e convicções do paciente, trazendo, portanto, uma visão humanística do direito médico. 

Neste aspecto, percebe-se acelerada evolução no direito médico, que precisa ser assimilado pelo profissional de saúde, que o paciente assume o protagonismo de seu tratamento, cabendo ao mesmo escolher, a melhor terapêutica que não entre em conflito com suas convicções.

Decerto, de que adiantaria tratar o corpo, afrontando os haveres mais dignos de um ser humano?

Citações
[1] Samantha Takahashi. Curso de Direito Médico Avançado — 2021

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    é CEO do Escritório Tobias Meireles Advogados, pós-graduando em Direito Médico pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva (Cers), secretário da Associação Brasileira dos Advogados Acre (ABA/AC), membro do Conselho de Ética da OAB/AC (2020-2021) e secretário geral adjunto da Caixa de Assistência dos Advogados do Acre (Caaac) (triênio 2022-2024).

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