Opinião

Nova Lei de Licitações e Procedimento de Manifestação de Interesse Privado

Autor

  • Janaina Leite Tavares

    é procuradora municipal atuante no Setor Consultivo Administrativo do órgão jurídico e pós-graduanda em Direito Público pelo Escola Brasileira de Direito (Ebradi).

5 de agosto de 2022, 9h08

O PMI (procedimento de manifestação de interesse privado) é o procedimento administrativo legal por meio do qual se estabelece uma relação de colaboração entre a Administração Pública e a iniciativa privada, para o desenvolvimento de atividades de interesse público pela apresentação de estudos, projetos, levantamentos e investigações.

Trata-se de instrumento jurídico que aproxima o Poder Público da iniciativa privada, possibilitando a obtenção por parte deste de contribuições do know how e da expertise da iniciativa privada para exposição de novas ideias, mais eficazes e eficientes, para solucionar problemas ou situações que se apresentem à Administração Pública.

A NLCC (Nova Lei de Licitações e Contratos, Lei Federal nº 14.133/2021) trouxe um capítulo dedicado aos instrumentos auxiliares, enumerando-os no artigo 78, como procedimentos auxiliares das licitações e contratações, quais sejam: credenciamento, pré-qualificação, procedimento de manifestação de interesse, sistema de registros de preços e registro cadastral.

Na verdade, tais instrumentos não se tratam de uma inovação no ordenamento jurídico pátrio. Na prática, já eram regulamentados diversas legislações esparsas. Na Lei Federal nº 8.666/1993 encontramos o registro cadastral e o sistema de registro de preços; bem como, destacamos o artigo 29 da Lei nº 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratações).

Especificamente, com relação ao PMI, a legislação especial, não derrogada pela Nova Lei de Licitações, embora não mencione a atual denominação, já previa características que atualmente são atribuídas ao atual "Procedimento de Manifestação de Interesse" (PMI), tais como: o ressarcimento dos gastos pelo vencedor da licitação; a participação do autor do projeto básico no certame; e a ausência de direito de preferência do autor do projeto na obtenção da concessão. É o caso da Lei Geral de Concessões (artigo 21 da Lei 8.987/1995, artigo 31 da Lei 9074/1995³ e artigo 28 da Lei 9.427/19964) que trata do regime de concessão e permissão de serviços públicos; e da lei que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada (PPPs) no âmbito da administração pública (Lei 11.079/2004, artigo 3º, caput e §1º).

No âmbito federal, o PMI chegou a ser regulamentado por meio do Decreto 8.428/2015 (com as alterações do Decreto Federal 10.104/2019), o qual serviu de paradigma utilizado pelos demais entes federativos (Estado, Distrito Federal e Municípios). Já nesta oportunidade era possível verificar: a possibilidade inversão de fases em que os participantes primeiro se habilitavam para depois participar do procedimento; com a seleção anterior dos candidatos; assim havia uma limitação de interessados aptos a participar do procedimento; e a observância do princípio da isonomia nos casos de desestatização e contratos de parceria.

No presente artigo, interessa-nos, em especial, as novas regulamentações do Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI). A NLLC prevê, em seu artigo 81, que "a Administração poderá solicitar à iniciativa privada, mediante procedimento aberto de manifestação de interesse a ser iniciado com a publicação de edital de chamamento público, a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública, na forma de regulamento".

Preliminarmente, destaque-se que o legislador, ao possibilitar a autorização de estudos e levantamentos pelo ente privado, não atribuiu a este direito de preferência no posterior processo licitatório (§2°, artigo 81, da Lei Federal 14.133/2021). Tal previsão veio a solucionar a problemática da anterior previsão do artigo 9°, da antiga Lei Federal n° 8.666/93, que vetava a participação, direta ou indiretamente, na licitação ou na execução de obra ou serviço pelo autor (pessoa física ou jurídica) do projeto básico ou executivo. Ora, qualquer pessoa, física ou jurídica, somente investiria seus recursos para apresentar projetos, estudos ou levantamentos de interesse da Administração Pública, se eventualmente houvesse a possibilidade de disputar a licitação posterior.

Tal complicação foi resolvida com o advento da NLLC, cujos termos dos §§1° e 2° retiram o direito de preferencia do autor do projeto básico, permitindo que este e os demais participantes do PMI possam concorrer no ulterior certame. A atual previsão atende ao principio específico da competitividade, representa um grande avanço na obtenção, por meios lícitos e transparentes, de soluções para necessidades da Administração para as quais o mercado possui maior experiência do que o Poder Público.

Outra questão que merece destaque na realização do Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), é que a Administração Pública não está obrigada a realizar licitação, tampouco, a ressarcir o ente privado do estudo ou levantamento apresentado, já que este somente será indenizado pelo vencedor de eventual procedimento licitatório. Não há garantia de que os estudos serão aproveitados, entretanto, caso sejam utilizados pela Administração para realização de certame, caberá ao vencedor da posterior reembolsar aquele que desenvolveu o projeto em PMI.

A norma do § 1°, artigo 81, da Lei Federal 14.133/2021, que exclui o dever de indenização do investimento particular foi objeto de crítica por parte dos administrativistas que participaram da elaboração do Projeto da Nova Lei de Licitações e Contratos. Isto porque diminui o alcance competitivo em face das empresas que, não possuindo grandes recursos, provavelmente, não investirão tempo e esforço em projetos sem garantia de remuneração.

Importa entender, ainda, que o Procedimento de Manifestação de Interesse Privado (artigo 81, da NLLC), embora possua semelhanças com o Diálogo Competitivo (artigo 32, da NLLC), vez que ambos se destinam a uma parceria colaborativa com a iniciativa privada para apresentar soluções para questões de interesse público, são procedimentos distintos. No PMI, a relação entre a Administração Pública e particular ocorre antes da licitação e sem a garantia de que esta será realizada, trata-se de "procedimento auxiliar à licitação". Já no diálogo competitivo, a apresentação de estudos e soluções para a Administração Pública já ocorre no âmbito de um procedimento licitatório (competitivo), é a primeira etapa do certame antes da etapa competitiva. Além disso, no diálogo competitivo as interações entre particulares e Administração Pública são constantes até a definição do objeto que será contratado; no PMI, o particular apresenta um projeto completo e definitivo.

Logo, a Nova Lei de Licitações adota um modelo de PMI já consolidado nos regulamentos federais, estaduais e municipais, em que qualquer pessoa física ou jurídica pode oferecer estudos e projetos à Administração, não estando impedido de disputar a licitação posterior, situação anterior que, aliada à incerteza no reembolso, atuavam como desincentivos para sua adoção.

Conclui-se, portanto, que o PMI pretende reduzir a distância entre o Poder Público e os entes privados que detém o know how nos assuntos pertinentes ao interesse público, estabelecendo uma relação mais paritária e menos verticalizada, reconhecendo que a Administração nem sempre conseguirá enxergar todas as soluções para os problemas que pretende resolver.

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Bibliografia
Lei Federal n° 8.666/1993, publicada em 21 de junho de 1993. Antiga Lei de Licitações e Contratos. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm

Lei Federal n° 14.133/2021, publicada em 01 de abril de 2021. Nova Lei de Licitações e Contratos. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm

SOLIANO, Vitor. O diálogo competitivo e a modelagem negociada de contratos complexos. Revista Conjur: 07.11.2021. Disponível: https://www.conjur.com.br/2021-nov-07/publico-pragmatico-dialogo-competitivo-modelagem-negociada-contratos-complexos

ZYMLER, Benjamin e ALVES, Francisco Sérgio M. A nova Lei de Licitações como sedimentação da jurisprudência do TCU. Revista Conjur: 05.04.2021. Disponível: https://www.conjur.com.br/2021-abr-05/opiniao-lei-licitacoes-jurisprudencia-tcu

E-Book: Nova Lei de Licitações e Contratos. NIEBUHR, Joel de Menezes (Coordenador). Disponível: https://www.zenite.blog.br/wp-content/uploads/2020/12/Nova-Lei-de-Licitac%CC%A7o%CC%83es-e-Contratos-Administrativos.pdf

HAAB, Augusto Schreiner. Diálogo competitivo versus procedimento de manifestação de interesse. Revista Conjur: 05.04.2021. Disponível: https://www.conjur.com.br/2021-abr-15/haab-dialogo-competitivo-versus-manifestacao-interesse

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  • é procuradora municipal, atuante no Setor Consultivo Administrativo do órgão jurídico e pós-graduanda em Direito Público pelo Escola Brasileira de Direito (Ebradi).

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