Direito do Agronegócio

PIS/Cofins e o crédito presumido em exportação no setor de proteína animal

Autor

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

5 de agosto de 2022, 8h04

Para a cadeia do agronegócio, temos em vigor os artigos 8º e 9º, da Lei nº 10.925/2004, que, além de estabelecer a aquisição de certos insumos com suspensão, autoriza crédito presumido a ser utilizado como regra para fins de abatimento de tais contribuições não cumulativas.

Spacca
Apesar desta regra geral para o segmento, alguns produtos do segmento da proteína animal sofreram alterações legislativas, de tal sorte que a disciplina legal já não mais seria a Lei nº 10.925/2004.

Neste sentido, podemos destacar para o setor de bovinos, ovinos, aves e suínos, especialmente, as Leis 12.058/2009, 12.350/2010, 12.865/2013 12.839/2013.

De forma breve, tais legislações estabelecem que alguns insumos podem ser adquiridos com suspensão de PIS e Cofins, oferecendo para o adquirente, por sua vez, um crédito presumido, sobretudo, para aquele que realiza exportações.

A título de exemplo, podemos citar o crédito presumido para bovinos no artigo 33, da Lei nº 12.058/2009 [1], como na mesma linha para aves e suínos o artigo 55 da Lei nº 12.350/2010 [2], para pessoas jurídicas que produzam certos produtos listados pelos dispositivos legais (exemplo, NCM 02.07) com destino à exportação. É o crédito exportação para o setor.

Muito bem.

Ao se analisar o caput de tais dispositivos legais, a primeira impressão que extraímos é no sentido de que tal crédito presumido das aquisições de insumos somente é possível quando se fabricar os produtos descritos na lei partir destes e realizar a exportação. Equivale dizer: haveria uma vinculação entre insumos, produtos industrializados e exportação para se gozar do crédito presumido.

Esta leitura inicial, no entanto, ao se interpretar todo o dispositivo legal, ou seja, o "caput" com os respectivos parágrafos, notamos que esta não seria a melhor interpretação.

Como ponto de partida, não negamos que há de ser uma pessoa jurídica que realize exportação de tais produtos.

Todavia, uma interpretação sistemática dos parágrafos nos leva à conclusão de que inexiste uma vinculação direta entre as aquisições de insumo, os produtos elaborados e exportados, ao menos, para a escrituração inicial e utilização do crédito presumido.

O primeiro aspecto é o fato de que os dispositivos que estabelecem quais são os créditos e o montante não estabelecem qualquer vinculação direta com a exportação, muito menos exige algum tipo de estorno [3] no § 3º, do artigo 33, da Lei nº 12.058/2009.

Além disso, a legislação expressamente reconhece que tal crédito decorrente das aquisições por exemplo de animais vivos, será, em regra, utilizado para desconto do valor a recolher de PIS e Cofins nas demais operações no mercado interno.

E daí surge o ponto mais relevante, pois a legislação, por exemplo, no artigo 55, §§ 6º, 7º e 8º, esclarecem que:

"§ 6o. O crédito apurado na forma do caput deste artigo deverá ser utilizado para desconto do valor da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins a recolher, decorrente das demais operações no mercado interno.

§ 7o. A pessoa jurídica que, até o final de cada trimestre-calendário, não conseguir utilizar o crédito na forma prevista no § 6o deste artigo poderá:

I – efetuar sua compensação com débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, observada a legislação específica aplicável à matéria;

II – solicitar seu ressarcimento em dinheiro, observada a legislação específica aplicável à matéria.

§ 8o. O disposto no § 7o deste artigo aplica-se somente à parcela dos créditos presumidos determinada com base no resultado da aplicação, sobre o valor da aquisição de bens relacionados nos incisos do caput deste artigo, da relação percentual existente entre a receita de exportação e a receita bruta total, auferidas em cada mês.

§ 9o. O disposto neste artigo aplica-se também no caso de vendas a empresa comercial exportadora com o fim específico de exportação".

Portanto, referido crédito presumido será utilizado para abatimento de operações tributadas no mercado interno.

Todavia, havendo saldo credor, será possível utilizar para compensar com outros tributos federais ou pedir o ressarcimento. Na hipótese de saldo credor, de fato, daí a lei realmente exige que somente os créditos presumidos vinculados à receita de exportação em comparação à receita bruta total poderão ser utilizados para este outro fim.

Com isso, possível reconhecer que o crédito presumido de "exportação" não tem sua apuração completamente vinculada à exportação, sendo exigível esta análise para os saldos credores a serem objeto de compensação com outros tributos ou ressarcimento.

Apesar de tais ponderações, a Instrução Normativa nº 1.911/2019, que regulamenta a tributação do PIS e da Cofins, por exemplo, nos artigos 523 e ss, impõe esta vinculação à exportação seja por apropriação direta ou rateio proporcional, para todo o crédito presumido, restringindo-o ilegalmente.

Sabemos que atos infralegais, por força do princípio / regra da legalidade (artigos 5º, II, 37 caput, 150, I, 84, IV, da Constituição Federal) [4], não podem restringir direitos previstos em Lei, devendo obediência a esta.

Bem por isso, nos parece que há ilegalidade neste aspecto em tais dispositivos da Instrução Normativa nº 1.911/2019.

Apesar desta convicção a respeito do tema, importante esclarecer que o debate ainda merece muita atenção do setor, pois, uma das Turmas Ordinárias do Conselho Administrativo Fiscal (Carf) decidiu vinculando à exportação [5]:

"NÃO CUMULATIVIDADE. CRÉDITO PRESUMIDO. PRODUTOS AGROINDUSTRIAIS.

A partir de 01/01/2011, o direito ao crédito presumido relativo às aquisições de insumo para a produção das mercadorias ou produtos classificados nos códigos 02.03, 0206.30.00, 0206.4, 02.07 e 0210.1 da NCM, somente é aplicável em relação às receitas de exportação".

"CRÉDITO PRESUMIDO DA AGROINDÚSTRIA. APURAÇÃO. AQUISIÇÕES DE BOVINOS PARA ABATE. EXPORTAÇÃO. VINCULAÇÃO NECESSÁRIA.

Pela leitura dos arts. 33 e 37 da Lei nº 12.058/09, as aquisições de bovinos para o abate e produção de carne e derivados somente garantem crédito presumido da agroindústria quando vinculadas à produção de mercadorias destinadas à exportação, não havendo como reconhecer o creditamento para as operações atreladas ao mercado interno" [6].

Portanto, apesar de relevante fundamento jurídico para reconhecer a maior extensão do crédito presumido exportação para o setor, o tema ainda exige debate, especialmente, diante de referidas decisões do Carf.

 


[1] "Art. 33. As pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias classificadas nos códigos 02.01, 02.02, 02.04, 0206.10.00, 0206.20, 0206.21, 0206.29, 0206.80.00, 0210.20.00, 0506.90.00, 0510.00.10 e 1502.00.1 da NCM, destinadas a exportação, poderão descontar da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins devidas em cada período de apuração crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens classificados nas posições 01.02 e 01.04 da NCM, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física. (Redação dada pela Lei nº 12.839, de 2013) § 1o O disposto no caput deste artigo aplica-se também às aquisições de pessoa jurídica que exercer atividade agropecuária ou cooperativa de produção agropecuária. § 2o O direito ao crédito presumido de que tratam o caput e o § 1o deste artigo só se aplica aos bens adquiridos ou recebidos, no mesmo período de apuração, de pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no País, observado o disposto no § 4o do art. 3o da Lei no 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no § 4o do art. 3o da Lei no 10.833, de 29 de dezembro de 2003. § 3o O montante do crédito a que se referem o caput e o § 1o deste artigo será determinado mediante aplicação, sobre o valor das mencionadas aquisições, de percentual correspondente a 50% (cinquenta por cento) das alíquotas previstas no caput do art. 2º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no caput do art. 2º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003. § 4o É vedado às pessoas jurídicas de que trata o § 1o deste artigo o aproveitamento: I – do crédito presumido de que trata o caput deste artigo; II – de crédito em relação às receitas de vendas efetuadas com suspensão às pessoas jurídicas de que trata o caput deste artigo.§ 5o O crédito apurado na forma do caput deste artigo deverá ser utilizado para desconto do valor da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins a recolher, decorrente das demais operações no mercado interno. § 6o A pessoa jurídica que, até o final de cada trimestre-calendário, não conseguir utilizar o crédito na forma prevista no § 5o deste artigo poderá: I – efetuar sua compensação com débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, observada a legislação específica aplicável à matéria; II – solicitar seu ressarcimento em dinheiro, observada a legislação específica aplicável à matéria. § 7o O disposto no § 6o aplica-se somente à parcela dos créditos presumidos determinada com base no resultado da aplicação sobre o valor da aquisição de bens classificados nas posições 01.02 e 01.04 da NCM da relação percentual existente entre a receita de exportação e a receita bruta total, auferidas em cada mês. (Redação dada pela Lei nº 12.839, de 2013). § 8o O disposto neste artigo aplica-se também no caso de vendas a empresa comercial exportadora com o fim específico de exportação.”

[2] "Art. 55. As pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias classificadas nos códigos 02.03, 0206.30.00, 0206.4, 02.07 e 0210.1 da NCM, destinadas a exportação, poderão descontar da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins devidas em cada período de apuração crédito presumido, calculado sobre: I – o valor dos bens classificados nas posições 10.01 a 10.08, exceto os dos códigos 1006.20 e 1006.30, e nas posições 12.01, 23.04 e 23.06 da NCM, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física; (Vide Lei nº 12.865, de 2013) (Vigência) II – o valor das preparações dos tipos utilizados na alimentação de animais vivos classificados nas posições 01.03 e 01.05, classificadas no código 2309.90 da NCM, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física; III – o valor dos bens classificados nas posições 01.03 e 01.05 da NCM, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física. § 1o O disposto nos incisos I a III do caput deste artigo aplica-se também às aquisições de pessoa jurídica. § 2o O direito ao crédito presumido de que tratam o caput e o § 1o deste artigo só se aplica aos bens adquiridos ou recebidos, no mesmo período de apuração, de pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no País, observado o disposto no § 4o do art. 3o da Lei no 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no § 4o do art. 3o da Lei no 10.833, de 29 de dezembro de 2003.§ 3o O montante do crédito a que se referem os incisos I e II do caput e o § 1o deste artigo será determinado mediante aplicação, sobre o valor das mencionadas aquisições, de percentual correspondente a 30% (trinta por cento) das alíquotas previstas no caput do art. 2º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no caput do art. 2º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003. § 4o O montante do crédito a que se referem o inciso III do caput e o § 1o deste artigo será determinado mediante aplicação sobre o valor das mencionadas aquisições de percentual correspondente a 30% (trinta por cento) das alíquotas previstas no caput do art. 2º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no caput do art. 2º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003. § 5o É vedado às pessoas jurídicas de que trata o § 1o deste artigo o aproveitamento:I – do crédito presumido de que trata o caput deste artigo; II – de crédito em relação às receitas de vendas efetuadas com suspensão às pessoas jurídicas de que trata o caput deste artigo, exceto em relação às receitas auferidas com vendas dos produtos classificados nas posições 23.04 e 23.06 da NCM.(Redação dada pela Lei nº 12.431, de 2011). § 6o O crédito apurado na forma do caput deste artigo deverá ser utilizado para desconto do valor da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins a recolher, decorrente das demais operações no mercado interno.§ 7o A pessoa jurídica que, até o final de cada trimestre-calendário, não conseguir utilizar o crédito na forma prevista no § 6o deste artigo poderá: I – efetuar sua compensação com débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, observada a legislação específica aplicável à matéria; II – solicitar seu ressarcimento em dinheiro, observada a legislação específica aplicável à matéria. § 8o O disposto no § 7o deste artigo aplica-se somente à parcela dos créditos presumidos determinada com base no resultado da aplicação, sobre o valor da aquisição de bens relacionados nos incisos do caput deste artigo, da relação percentual existente entre a receita de exportação e a receita bruta total, auferidas em cada mês. § 9o O disposto neste artigo aplica-se também no caso de vendas a empresa comercial exportadora com o fim específico de exportação. § 10. O crédito presumido de que trata este artigo aplicar-se-á nos termos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

[3] Por exemplo: art. 55 (…) poderão descontar da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins devidas em cada período de apuração crédito presumido, calculado sobre: I – o valor dos bens classificados nas posições 10.01 a 10.08, exceto os dos códigos 1006.20 e 1006.30, e nas posições 12.01, 23.04 e 23.06 da NCM, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física; (Vide Lei nº 12.865, de 2013) (Vigência) II – o valor das preparações dos tipos utilizados na alimentação de animais vivos classificados nas posições 01.03 e 01.05, classificadas no código 2309.90 da NCM, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física;III – o valor dos bens classificados nas posições 01.03 e 01.05 da NCM, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física.§ 1o O disposto nos incisos I a III do caput deste artigo aplica-se também às aquisições de pessoa jurídica.§ 2o O direito ao crédito presumido de que tratam o caput e o § 1o deste artigo só se aplica aos bens adquiridos ou recebidos, no mesmo período de apuração, de pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no País, observado o disposto no § 4o do art. 3o da Lei no 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no § 4o do art. 3o da Lei no 10.833, de 29 de dezembro de 2003.§ 3o O montante do crédito a que se referem os incisos I e II do caput e o § 1o deste artigo será determinado mediante aplicação, sobre o valor das mencionadas aquisições, de percentual correspondente a 30% (trinta por cento) das alíquotas previstas no caput do art. 2º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no caput do art. 2º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003.§ 4o O montante do crédito a que se referem o inciso III do caput e o § 1o deste artigo será determinado mediante aplicação sobre o valor das mencionadas aquisições de percentual correspondente a 30% (trinta por cento) das alíquotas previstas no caput do art. 2º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no caput do art. 2º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003."

[4] CALCINI, Fábio Pallaretti. Princípio da legalidade: reserva legal e densidade normativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

[5] – CARF, 3ª Seção, Ac. 3301-008.924 – 3ª Seção de Julgamento / 3ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, j. 24/9/2020.

[6] – CARF, 3ª Seção, Ac. 3301-010.902, 3ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, j. 26/8/2021.

Autores

  • Brave

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito SP e Ibet e sócio tributarista do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!