Mais um passo

Protocolo do TSE joga luz sobre a luta contra violência política de gênero

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3 de agosto de 2022, 16h22

Com o objetivo de priorizar e disciplinar a aplicação da Lei 14.192/2021, que criminalizou a violência política de gênero, o Tribunal Superior Eleitoral e a Procuradoria-Geral Eleitoral firmaram na última segunda-feira (1º/8) um novo protocolo. Os atores do sistema de Justiça agora têm indicações claras de como agir quanto ao tema, de olho nas eleições deste ano.

Antonio Augusto/Secom/TSE
Para Cármen Lúcia, mulheres não devem brigar para ter o direito de se candidatar
Antonio Augusto/Secom/TSE

O documento assinado na sede do TSE prevê que as autoridades ajam de ofício, e com rapidez, no combate a esse tipo de violência, priorizem o imediato exercício do direito violado e deem especial importância às declarações da vítima.

O protocolo foi uma demanda de coletivos femininos e da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados.

O enfrentamento da violência política de gênero ganhou urgência porque o país está prestes a passar por uma das eleições mais polarizadas de sua história, e o acirramento dos ânimos tende a prejudicar as partes mais vulneráveis do processo eleitoral, pondo em risco os avanços recentes da participação feminina.

A Organização dos Estados Americanos (OEA), que alertou o TSE para o ambiente de medo, intimidação e milícia nas eleições de 2022, destacou no mesmo documento que um dos principais obstáculos à real participação feminina na vida política é a violência sofrida pelas candidatas, particularmente durante a campanha eleitoral.

O resultado é que as mulheres, que representam 51% da população e 52,5% do eleitorado, ocupam apenas 15% do Congresso e 15,3% das Assembleias Legislativas. Pesquisa do DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, mostrou que três em cada dez candidatas no pleito de 2020 foram discriminadas.

A eleição deste ano tem potencial para reduzir essa diferença, graças a ações afirmativas como a cota mínima de 30% das candidaturas para mulheres e o igual percentual de recursos do Fundo Partidário. É nesse cenário que a violência política de gênero não pode também ser um obstáculo. Daí a importância de efetivar a aplicação da Lei 14.192/2021.

"O que o TSE assina é um protocolo que espero que se torne efetivo e eficaz, para que haja não apenas o discurso do não preconceito, mas a prática da igualação", disse a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, no evento de segunda-feira. "Para que mulheres não precisem disputar para ter o direito de disputar formalmente os cargos acessíveis a todos os brasileiros".

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Violência política de gênero é ameaça à participação feminina na vida pública

Pequeno passo
Advogadas eleitoralistas consultadas pela ConJur consideraram muito positiva a assinatura do protocolo entre TSE e PGE. Para Marina Morais, o estabelecimento de balizas, a priorização do depoimento da vítima e, em última instância, a cooperação são pontos muito importantes para a efetividade da lei.

Paula Bernardelli, por sua vez, destacou que, quando se trata de situações de violência de gênero, é importante que a vítima tenha medidas de proteção e tenha seu relato devidamente valorizado. "Sempre sem ferir princípios básicos processuais, evidentemente".

Ezikelly Barros entende que a  criação de um canal específico para a comunicação de denúncias e o procedimento para recebimento e investigação certamente conferirá maior celeridade na apuração e punição de eventuais crimes de violência política.

Apesar do relevante avanço, porém, elas apontam o longo caminho que resta ser trilhado. Marina Morais lembrou que a legislação não abrange as pré-candidatas, grupo que sofre reiteradas violências, em especial destinadas a convencê-las a desistir. E destacou que a criminalização, por si só, pode ser insuficiente para atacar o problema.

"Como é cediço, a instância penal é a ultima ratio, de modo que a aplicação das penas demanda um nível de robustez que pode impedir a efetividade da lei. Avalio que precisamos de medidas também em esfera administrativa e eleitoral, como multa e cassação", disse a advogada.

"De toda sorte, a existência de um tipo específico já denota alguma evolução na matéria, que considero benéfica e que, esperamos, auxilie na reversão do quadro alarmante de violência política de gênero observável, como indicam os dados da ONU Mulheres".

Para Paula Bernardelli, a criminalização feita pela Lei 14.192/2021 não é suficiente, mas, ainda assim, um passo importante. Ela explica que a baixa participação de mulheres na política é um problema multifatorial. A violência política de gênero, nesse contexto, é causa e também consequência. Por isso, pensar em medidas de combate é essencial.

"Junto com isso precisamos também pensar em medidas para ampliar a democracia interna dos partidos, em divisões igualitárias de recursos, em incentivos intrapartidários para candidaturas femininas, em mulheres ocupando cargos diretivos, na criação de uma estrutura intrapartidária de acolhimento e, especialmente, em uma sociedade que trate mulheres e homens com igualdade de direitos".

Roberto Jayme/TSE
Protocolo assinado no TSE prevê reação rápida contra violência política de gênero
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Na prática
A aplicação da Lei 14.192/2021 já passou por ao menos um importante teste. Ocorreu no caso em que André Fortaleza (MDB), presidente da Câmara Municipal de Aparecida de Goiânia (GO), cortou o microfone de Camisa Rosa (PSD), a única vereadora da casa, durante uma discussão.

Fortaleza se disse indignado por ser taxado por ela de machista nas redes sociais, pois o vereador se posicionou contra o sistema de cotas na distribuição de recursos eleitorais. Foi aí que Rosa pediu a palavra. Ela falou por 97 segundos até ter o microfone cortado. Nesse tempo, insinuou falta de caráter e de transparência do presidente da Câmara Municipal.

Na análise da relevância penal do episódio, o juiz Desclieux Ferreira da Silva Júnior, da 132ª Zona Eleitoral de Aparecida de Goiânia, concluiu que a motivação da conduta de André Fortaleza não teve origem em discriminação de gênero e que não houve finalidade específica de impedir ou dificultar o desempenho do mandato da vereadora. O inquérito foi arquivado (clique aqui para ler a decisão).

No TSE, a busca por soluções não para no protocolo assinado. A corte criou um grupo de trabalho sobre enfrentamento da violência política nas eleições de 2022, que vai atuar em duas vertentes. A primeira é fornecer informação maciça à população, para mostrar a diferença entre liberdade de expressão e prática de crime.

A segunda segue linha parecida à do protocolo assinado: estabelecer rotinas administrativas e judiciais que permitam acompanhar, de maneira rápida e instantânea, a investigação da violência política pela autoridade competente.

Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
Ministro Fachin citou aumento da presença feminina na política como um desafio
Abdias Pinheiro/SECOM/TSE

"É possível efetivar essas rotinas para que os órgãos de controle, como a polícia e o Ministério Público Eleitoral, possam, em tempo e hora hábeis, dar uma resposta contra qualquer tentativa da prática desses abusos eleitorais, que visam a vilipendiar a nossa democracia", disse o ministro Mauro Campbell Marques, corregedor-geral da Justiça Eleitoral e coordenador do grupo de trabalho.

No evento de assinatura do protocolo, o presidente do TSE, ministro Luiz Edson Fachin, classificou como um desafio a ampliação da participação feminina na política. "É com esse comprometimento que desejamos implementar um novo paradigma da política brasileira, garantindo-se às mulheres igualdade de condições e oportunidades, livres de qualquer espécie de violência e de discriminação".

"Saber identificar, coibir e punir este tipo de crime, que assume aspectos não só físicos, mas também de natureza psicológica, simbólica, moral, econômica e institucional, é uma missão nossa e de toda a sociedade", disse o procurador-geral da República, Augusto Aras, também presente.

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