Opinião

EUA deveriam alertar Bolsonaro que interferência em eleição pode gerar sanções

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  • Scott Hamilton

    é diplomata aposentado do Departamento de Estado dos Estados Unidos e foi cônsul-geral no Rio de Janeiro entre 2018 e 2021.

30 de abril de 2022, 16h23

*Artigo originalmente publicado na edição deste sábado do jornal O Globo.

O Brasil sabe bem, pela experiência amarga com a ditadura militar, que, quando a democracia morre, é difícil ressuscitá-la. O exemplo global do poder e prestígio democráticos brasileiros tem mais valor hoje como contraponto ao crescente avanço da autocracia pelo mundo do que em qualquer momento na História do país. Mas, em meio a ameaças verossímeis às instituições e valores democráticos no Brasil, os Estados Unidos permanecem passivos diante do público. Seria trágico se compensassem sua errônea e abertamente cômoda identificação anterior com o presidente Jair Bolsonaro escondendo-se agora de modo complacente nas sombras.

Como cônsul-geral no Rio entre 2018 e 2021, testemunhei as formas como Bolsonaro e seus apoiadores tentaram sabotar a integridade do processo democrático brasileiro e suas, em geral, espetaculares instituições democráticas independentes — imprensa, ONGs, TSE, STF e o próprio sistema de votação. A intenção é clara e perigosa: minar a fé do público e preparar o palco para o esforço de recusar-se a aceitar seu resultado. Não tenha dúvida, Bolsonaro se enxerga como um enviado de Deus para salvar o Brasil do “comunismo”. É uma visão messiânica impermeável à razão. A presença de Carlos Bolsonaro, seu líder de campanha nas redes sociais, na delegação que em março encontrou Vladimir Putin, presidente de um país que é um sofisticado manipulador digital de eleições, deveria nos deixar com a pulga atrás da orelha.

O sistema de votação eletrônico brasileiro é de primeira linha — rápido e confiável, com um histórico irretocável e nenhuma brecha para autoridades politicamente motivadas atrasarem a contagem enquanto votos para um candidato que perde são misteriosamente “descobertos”. É por isso, claro, que Bolsonaro o repudia. É por que lutou pelo voto em papel, mais fácil de desafiar como contagem partidária, como vimos para nossa infelicidade nos Estados Unidos. É por que contesta a integridade do TSE, de modo a oferecer outra forma de desacreditar a legitimidade dos resultados. É por que pinta a imprensa como parcial, para poder minimizar todas as reportagens que ela possa fazer sobre seus esforços para roubar a eleição. É por que desdenha as ONGs como se estivessem a serviço da esquerda ou de interesses internacionais, para poder sugerir que não são confiáveis. É por que combate o STF, já que os ministros podem vir a decidir sobre sua recusa em deixar a Presidência. E é por que cultiva tanto a Polícia Militar, porque precisa estar pronto a enviá-la às ruas contra manifestações pró-democracia, mesmo contra o desejo da cadeia de comando vinculada aos governadores estaduais.

Em primeiro lugar, os Estados Unidos deveriam deixar claro de modo cristalino ao presidente Bolsonaro que uma tentativa de interferir na integridade do processo eleitoral brasileiro será objeto de repúdio absoluto e de sanções punitivas a todos os envolvidos, impostas simultaneamente por um amplo grupo de países. Segundo, a administração Biden deveria ser mais agressiva ao apoiar as instituições democráticas independentes do Brasil. Finalmente, por ora, a comunidade diplomática afim deveria adotar atividades públicas similares que deixassem claro seu próprio compromisso com as instituições e valores democráticos.

Com a pressão das crises na Ucrânia e no resto do mundo, seria fácil para os formuladores políticos globais perder de vista a importância vital de um Brasil vibrante, pacífico e democrático, um ativo estratégico poderoso para democratas de todas as partes. Nenhum país se aproxima tanto dos Estados Unidos em tamanho, diversidade, pluralismo, valores e impacto democrático. A hora para os Estados Unidos se manifestarem é agora, não quando uma crise estiver em curso ou depois dela.

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