Opinião

Sobre a responsabilidade do transportador rodoviário de cargas

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30 de abril de 2022, 11h12

Conceitualmente, o contrato de transporte é aquele pelo qual uma empresa se obriga a transportar pessoa ou coisa de um local a outro mediante pagamento.

No transporte de coisas, é obrigação do transportador levar a mercadoria ao seu destinatário tomando todas as providências e cautelas para impedir e diminuir os riscos de danos e perdimento da coisa transportada.

Esta conceituação é verificada a partir da leitura conjunta dos artigos 730 e 749 do Código Civil  CC, in verbis:

"Artigo 730. Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas.
Artigo 749. O transportador conduzirá a coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas necessárias para mantê-la em bom estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto".

No tocante à responsabilidade civil decorrente do contrato de transporte, o artigo 734 do CC estabeleceu a responsabilidade objetiva do transportador, apenas eximindo-o da obrigação de indenizar se verificada força maior.

Vejamos a lição de Fran Martins [1]:

"Regra geral, correm por conta do transportador as perdas, furtos ou avarias que as mercadorias sofrerem desde o momento que as receber até o momento da entrega ao destinatário".

Assim, havendo as falhas na prestação do serviço de transporte realizado pelo transportador, ele deve indenizar a parte remetente os prejuízos sofridos, de modo que possam retornar ao status quo ante.

Em 2007, com a promulgação da Lei 11.442, regulamentou-se, especificamente, o Transporte Rodoviário de Cargas, dispondo sobre os mecanismos de operação e responsabilidades do transportador.

Estabeleceu-se no artigo 7º da Lei 11.442/07 que o transportador assume a responsabilidade pela boa execução do serviço e pelos prejuízos decorrentes de dano, perda ou avaria.

Com o fim de implementar medidas de cautela, protegendo direitos tanto do transportador quanto do remetente, o legislador entendeu por bem obrigar a contratação de seguro contra perdas ou danos causados à carga, sendo facultada a contratação por qualquer dos contratantes, assim estando redigido o dispositivo legal:

"Artigo 13. Sem prejuízo do seguro de responsabilidade civil contra danos a terceiros previsto em lei, toda operação de transporte contará com o seguro contra perdas ou danos causados à carga, de acordo com o que seja estabelecido no contrato ou conhecimento de transporte, podendo o seguro ser contratado:
I – pelo contratante dos serviços, eximindo o transportador da responsabilidade de fazê-lo;
II – pelo transportador, quando não for firmado pelo contratante.
Parágrafo único. As condições do seguro de transporte rodoviário de cargas obedecerão à legislação em vigor".

Do exame do caput do artigo 13 da Lei 11.442/07 vê-se que o seguro será contratado em conformidade com o "estabelecido no contrato ou conhecimento de transporte", ou seja, segura-se o valor integral da mercadoria declarado pela empresa, de modo que na hipótese de sinistro a remetente possa ser ressarcida dos prejuízos na sua totalidade.

A partir do momento, portanto, que a lei especial do transporte de cargas por via terrestre obrigou a contratação de seguro por perda ou avaria da mercadoria transportada, transforma a responsabilidade do transportador em uma verdadeira obrigação de pagar quantia, quando verificado qualquer sinistro envolvendo a carga remetida.

O artigo 12, VI, da Lei 11.442/07, em contrapartida, definiu que o transportador somente se isenta de responsabilidade quando o seguro é contratado pelo remetente da carga.

A excludente de força maior do artigo 734 do Código Civil, então, é afastada somente quando o contrato de seguro é contratado pelo remetente. Fora esta hipótese, o transportador, contratante do seguro, está obrigado a pagar ao remetente sempre que sobrevier problemas desde o recebimento da carga até o seu descargo ao destinatário.

A circunstância de haver um seguro, no qual está garantido o valor da carga remetida, é medida de cautela que deve ser adotada pela transportadora para fins de isenção de responsabilidade em caso de perda ou dano da carga, por força do artigo 749 do CC e 13 da Lei 11.442/07.

Diante da legítima expectativa de ressarcimento pelo contratante do transporte se houver perda ou avaria da carga remetida, por força legal da contratação de seguro, é medida de boa-fé que a transportadora adote conduta diligente perante a companhia seguradora, de modo a viabilizar a plena indenização à contratante.

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que o transportador, quando contrata o seguro, deve atentar aos deveres da boa-fé́ e diligência para que, no caso de sinistro, a indenização pela perda da carga seja concedida ao contratante. A falta de adoção de cautelas pelo transportador perante a seguradora, inviabilizando a devida e justa indenização ao remetente, configura o dever de indenizar (REsp 1676764/RS).

O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do REsp 1676764/RS, consignou em seu voto o dever do transportador de mitigar os riscos através da adoção de padrão de conduta que passa pelo atendimento das "exigências das seguradoras para tal cobertura, especialmente as informações necessárias e completas para cobertura integral do valor transportado".

Desse modo, a verificação de culpa ou força maior/caso fortuito na ocorrência de sinistro fica resumida à relação entre seguradora e transportador, ensejando a responsabilidade deste pelos fatos que impedirem a entrega da carga remetida ao destinatário final.


[1] MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 214.

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