Opinião

Base dos lançamentos na desconsideração de planejamentos tributários

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29 de abril de 2022, 19h21

No último 11 de abril foi finalizado o julgamento da ADI 2.446, sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia, oportunidade na qual, por maioria, o STF reconheceu a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, dispositivo que, desde a sua edição por meio da Lei Complementar nº 104/01, gerou muitas controvérsias dentre os doutrinadores e aplicadores do direito tributário.

A declaração de constitucionalidade, de forma isolada, não é o ponto sensível do julgado, mas sim a premissa adotada pelos julgadores: foi expressamente reconhecida a natureza jurídica de norma antievasiva ao enunciado normativo.

Não era esse o entendimento que vinha pautando a atuação da administração fiscal ao aplicar o parágrafo único do artigo 116 do CTN e, considerando que normas antievasivas possuem conteúdo e consequências específicas em relação aos lançamentos tributários que viabilizam, é conveniente a reflexão sobre o que quis a Relatora dizer ao pronunciar "norma antievasiva" e pontos em aberto que surgem a partir desse posicionamento.

Vale lembrar que a evasão, a elisão e a elusão são classificações comumente elencadas pela doutrina, ainda que com variações de significado  sendo, ainda, a existência desta última modalidade questionada por alguns juristas. Nesse contexto, é fundamental saber seu conteúdo, porque, sem a efetiva compreensão desses conceitos, é impossível identificar a natureza jurídica do parágrafo único do artigo 116 do CTN.

As três categorias se distinguem em função de 1) sua licitude e 2) sua eficácia. Nesse contexto, 1) a evasão seria o ato ilícito e, por isso, ineficaz, 2) a elisão seria o lícito e, por isso, eficaz e 3) a elusão seria o lícito e, a despeito disso, ineficaz.

A categoria elusiva teria como situação representativa aquela dos planejamentos tributários considerados "abusivos", em que os fatos formalizados não coincidiriam com os praticados, ensejando a desconsideração pela administração tributária seguida de sua requalificação.

De modo absolutamente razoável, a elusão sempre foi alvo de duras críticas, afinal, se a forma jurídica adotada pelo contribuinte é desconectada da substância de um conjunto de fatos econômicos, presente está a ilicitude que justifica a desconsideração de seus efeitos. A diferença em relação à evasão residiria, portanto, na presença ou não de características fraudulentas.

Ao apreciar o pedido formulado na ADI 2.446 e fundamentar a sua convicção sobre a constitucionalidade do dispositivo questionado, a ministra Cármen Lúcia afirmou, expressamente, sê-lo uma norma antievasiva. Tal conclusão, contudo, é acompanhada de repercussão sistêmica especificamente no que concerne ao artigo 149 do CTN, que enuncia, em seu inciso VII, a necessidade de lançamento de ofício "quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação".

Note-se que, se o artigo 116, parágrafo único, do CTN for uma norma antievasiva, do ponto de vista sistemático, o artigo 149, inciso VII, não poderia sê-lo, sob pena de denunciar aquele parágrafo único como uma adição inútil ao Código Tributário. Presumida a intenção inovadora do legislador complementar, a decorrência lógica da identificação do parágrafo único do artigo 116 como norma antievasiva é a de que o inciso VII do artigo 149 seria, então, uma norma antielusiva.

Essa conclusão, no entanto, é irrazoável na medida em que insensível à própria literalidade do texto do artigo 149, que se utiliza expressamente dos termos "dolo", "fraude" e "simulação" como elementos definidores da sua aplicabilidade.

Portanto, a interpretação dos termos do julgado do Supremo que melhor se harmoniza com as demais normas do CTN é aquela que admite a leitura de "norma antievasiva", quando então pronunciada pela Ministra relatora, como "norma antielusiva", porque direcionada ao combate de atos ilícitos, mas sem qualquer repercussão penal.

Não nos parece problemática essa interpretação, já que muitos autores não utilizam a categoria "elusão", colocando todos os ilícitos no campo da "evasão". Dessa maneira, poderíamos entender que a ministra relatora excluiu do seu panorama classificatório a "elusão", de maneira a justificar ser o parágrafo único do artigo 116 uma norma antievasiva, só que sem os riscos penais.

Nesse contexto, quando a autoridade fiscal autuar com base no dispositivo em comento, não poderia aplicar multa agravada, responsabilizar sócios e diretores de acordo com o artigo 135 do CTN e tampouco dar início, após a eventual constituição definitiva do crédito, a qualquer representação fiscal para fins penais, eis que o pressuposto fático para a aplicabilidade daquela norma antielusiva, embora se trate de um ilícito, não envolve atos praticados com fraude. Tais repercussões somente seriam possíveis se advindas de um lançamento lastreado no inciso VII do artigo 149.

Agora, se entendermos inadmissível a leitura de que a natureza jurídica conferida ao parágrafo único do artigo 116 do CTN no bojo da ADI 2.446 foi a de uma norma antielusiva, deve ao menos prevalecer o mesmo raciocínio, só que ao contrário. Ou seja, quando a autoridade fiscal lançar tributo com base no artigo 149, inciso VII, do CTN, ela não poderá aplicar multa agravada, responsabilizar sócios, inaugurar representação fiscal para fins penais, isto é, não poderá adotar qualquer providência associada à verificação do ilícito penal, vez que estas estariam reservadas às hipóteses do parágrafo único do artigo 116.

Visto ao lado do inciso VII do artigo 149, parece inconcebível que o parágrafo único do artigo 116 do CTN veicule norma antievasiva. Contudo, considerando os termos em que julgada a ADI 2.446, havendo ou não espaço para razoável interpretação de que a intenção da ministra Cármen Lúcia, ao consignar "norma antievasiva", era de designar uma norma antielusiva, o fundamental é reconhecer que a premissa adotada para uma norma influenciará necessariamente o papel desempenhado pela outra norma no sistema. Afinal, não podem ser as duas interpretadas como normas antievasivas em concomitância.

Assim, como a definição sobre a natureza da norma disciplinada no artigo 116, parágrafo único, do CTN  se antievasiva ou antielusiva  impactará no papel do artigo 149, inciso VII, do CTN, e deverá influenciar diretamente o comportamento da autoridade fiscal ao realizar o lançamento com base nestes dispositivos (quando poderá aplicar multa agravada, responsabilizar sócios etc.), entendemos ser fundamental que a ministra Cámen Lúcia seja instigada a se manifestar expressamente, mediante oposição de embargos de declaração, sobre a temática abordada acima.

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