Opinião

Notas comerciais como meio de financiamento de empresas e cooperativas

Autor

  • Flávia Lubieska N. Kischelewski

    é advogada especialista em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR) LLM & Business & Law pelo IBMEC especialista em Direito Digital pela EPD/SP mestranda em Direito pelo IDP e membro do Ibrademp e da Anadd.

29 de abril de 2022, 18h04

As notas comerciais, embora já estivessem previstas na legislação brasileira, eram pouco conhecidas e pouco empregadas. Em 2021, elas foram modernizadas e vêm adquirindo espaço entre as opções de financiamento para empresas e cooperativas, ainda que não seja acessível para toda e qualquer sociedade.

Trata-se de valores mobiliários previstos na Lei nº 6.385/1976, cabendo a disciplina de sua emissão e fiscalização à Comissão de Valores Imobiliários (CVM). São também títulos de créditos que podem ser livremente negociados e que representam uma promessa de pagamento em dinheiro.

Elas assemelham-se às notas promissórias e às debêntures. Talvez até por conta desse aspecto, as notas comerciais não eram muito usadas no Brasil, no entanto, após a promulgação da Lei nº 14.195/2021 (Lei do Ambiente de Negócios), isso vem mudando gradativamente, segundo analistas de mercado.

A emissão pode ser realizada por sociedades anônimas, sociedades limitadas e sociedades cooperativas, exclusivamente sob a forma escritural por meio de instituições autorizadas a prestar o serviço de escrituração pela CVM. A forma escritural, que tem sua movimentação rastreada em sistemas eletrônicos de registro, é uma importante distinção da nota promissória, por exemplo, que somente pode ser física ou cartular, em razão da legislação aplicável [1].

Outra distinção das notas promissórias está no fato de que, para esses títulos de crédito, não é possível estabelecer a amortização do montante principal, nem tampouco pagamento de juros das notas promissórias antes do vencimento. Já para as notas comerciais é permitido determinar taxa de juros, fixa ou flutuante, admitida a capitalização, além das condições de vencimento.

Em relação às debêntures, o prazo para pagamento costuma ser médio ou longo, ao passo que, para as notas comerciais, o pagamento tende a ser curto. Ambos os títulos podem ter garantia ofertada pelo emissor, pois a Lei do Ambiente de Negócios estipulou que as notas comerciais poderão ter garantia real ou fidejussória.

Outro aspecto de similaridade entre as debêntures e as notas comerciais são as assembleias gerais de seus titulares. A Lei do Ambiente de Negócios prevê que os titulares das notas comerciais, reunidos em assembleia, poderão, por maioria simples dos presentes, alterar as características dos títulos de crédito exceto se maior quórum não for estabelecido no termo de emissão. Inclusive, as regras de convocação e funcionamento dessas assembleias gerais são as mesmas.

Parecido também com o que ocorre nas debêntures, pode-se optar por ter notas comerciais conversíveis em participação societária, porém não para sociedades anônimas. De acordo com a lei em comento, essa hipótese cabe somente para sociedades limitadas quando se tratar de oferta privada.

Uma outra vantagem relativa às notas comerciais é a previsão legal, se não forem pagas, de execução judicial independentemente de protesto (a nota promissória pode ser protestada, mas não é algo mandatório, vez que a jurisprudência admite o ajuizamento de ação de execução sem esse evento prévio).

Essas características novas, surgidas após a Lei nº 14.195/2021, tornaram as notas comerciais menos burocráticas para serem emitidas e sua utilização é crescente. Dados divulgados pela Anbima [2] (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) revelam o aumento de emissões por empresas que visam a obtenção rápida de capital de giro.

Segundo divulgação da associação em março de 2022, "as ofertas desse título de dívida movimentassem R$ 5,16 bilhões em fevereiro  alta de 1.059,6% em relação a janeiro, quando o volume captado ficou em R$ 445 milhões". A representatividade como alternativa em renda fixa também mereceu destaque, pois, no mês citado, a adesão às notas comerciais chegou a 18,5% no mês, seguida pelas debêntures, que continuam a liderar com participação de 60,4% na renda fixa no período.

Apesar do aumento significativo da demanda, essa alternativa de empréstimos pode não ser a mais adequada para qualquer empresa, em razão da necessidade de adequações prévias e o compromisso com o seguimento de procedimentos determinados pela CVM.

Não é qualquer sociedade no Brasil que detém estrutura para esse tipo de emissão, mesmo que o processo se enquadre como oferta pública de valores mobiliários distribuída com esforços restritos e, portanto, não haja a necessidade de registro prévio das emissões na autarquia e todo o procedimento seja mais simples e menos oneroso.

Em conclusão, as notas comerciais são mais um meio de captação de recursos junto a terceiros por empresas e cooperativas. Ainda assim, é necessário um investimento inicial, fases de adequação e preparação interna para aqueles que pretendam se utilizar dessa forma de captação. Deve haver assessoria técnica, financeira e jurídica especializadas para amparar a avaliação e a emissão.

Por conta dessas circunstâncias, a modernização das notas comerciais como uma alternativa para financiamentos de investimento para empresas e cooperativas é bastante relevante no mercado brasileiro. É, no entanto, ainda difícil de chegar à realidade de pequenas e médias empresas, embora essa tenha sido uma proposta da Iniciativa de Mercado de Capitais  IMK [3], incorporada na Medida Provisória nº 1.040/2021, posteriormente convertida na Lei nº 14.195/2021 [4].


[1] Vide o Decreto nº 2.044/1908 (disponível em www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dpl/DPL2044-1908.htm) e o Decreto nº 57.663/1966, também conhecido como Lei Uniforme de Genebra ou LUG (disponível em www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d57663.htm ).

[3] Trata-se de uma ação estratégica que reúne governo e sociedade com um objetivo em comum, o de encontrar ações que contribuam para o avanço do sistema financeiro brasileiro como um todo (fonte: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/orgaos/spe/imk).

[4] Disponível em https://www.gov.br/fazenda/pt-br/orgaos/spe/imk/macrotemas-1/mercado-de-capitais, último acesso em 06 de abril de 2022.

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