Como obter recursos com bancos multilaterais de desenvolvimento
28 de abril de 2022, 16h42
Apesar de não se enquadrarem como sujeitos de Direito Internacional Público, municípios, Distrito Federal e estados, seja administração direta ou indireta, são aptos a captar investimentos com bancos multilaterais de desenvolvimento, por meio da assinatura de operações de crédito externo.
Conforme os artigos 49, inciso I, e 84, incisos VII e VIII, da Constituição Federal de 1988, é competência privativa do presidente da República manter relações com os Estados estrangeiros, acreditar representantes diplomáticos em território nacional e celebrar tratados internacionais. A competência de celebrar acordos internacionais sujeita-se a referendo do Congresso Nacional, que lhe é exclusiva a resolução definitiva sobre tratados que acarretam encargos e compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
Em síntese, cabe ao presidente da República, ou ao ministro de relações exteriores ou indivíduo detentor de carta de plenos poderes, a prerrogativa para negociar e assinar tratados internacionais de interesse do Brasil. Uma vez assinado, o acordo internacional é submetido à aprovação pelo Congresso, cuja decisão decorre por meio de decreto legislativo. Após a aprovação pelo Poder Legislativo, cabe ao presidente da República realizar a ratificação (no plano externo) e a devida promulgação e publicação do ato, via decreto executivo (plano interno). Ao final desse processo, o acordo possui vigência nos níveis internacional e doméstico.
Nas operações de crédito com bancos multilaterais de desenvolvimento, ocorre a aprovação anterior à assinatura do instrumento, que se configura como contrato de empréstimo. Conforme o artigo 52, inciso V, da Constituição Federal de 1988, compete privativamente ao Senado autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos estados, do Distrito Federal, dos territórios e dos municípios. Portanto, os entes federados devem se submeter à aprovação do Senado Federal antes de contratar empréstimos com organismos multilaterais.
Para a aprovação de uma operação de crédito (ou contrato de empréstimo), os entes federados devem observar as disposições e limites impostos pelas resoluções do Senado Federal e da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000).
Em específico, a Resolução nº 48, de 2007, do Senado Federal, dispõe no artigo 7º , inciso I, que o montante global das operações de crédito realizadas em um exercício financeiro não poderá ser superior a 60% da Receita Corrente Líquida (RCL). Esse mesmo montante de 60% da RCL é aplicado na concessão de garantias pela União aos demais entes federados que contratam empréstimos internacionais.
A LRF dispõe no artigo 32 que o Ministério da Economia verificará o cumprimento dos limites e condições relativos à realização de operações de crédito de cada ente da Federação, inclusive das empresas por eles controladas, direta ou indiretamente. Além disso, caso a União ofereça garantias aos entes federados por contratarem empréstimos internacionais, estas estarão condicionadas ao oferecimento de contragarantia em valor igual ou superior ao da garantia concedida, conforme reza o § 1º do artigo 40 da LRF.
Ciente dos limites definidos em legislação nacional, cabe o ente federado interessado em contrair empréstimo internacional para executar projetos de infraestrutura e serviços públicos, solicitar autorização à União. Essa solicitação ocorre em duas etapas: (1) uma primeira autorização para negociar com o banco multilateral; e (2) uma segunda autorização para assinar o contrato de empréstimo, que envolve também a decisão final do Senado Federal. Na primeira solicitação, o ente federado, a partir de conversas informais com determinado banco multilateral (ou mesmo agência de fomento estrangeira ou programa de desenvolvimento de organismo internacional), elabora a carta-consulta e a submete para aprovação na Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex). A competência da Cofiex consiste no exame e autorização para preparação de projetos ou de programas do setor público com apoio de natureza financeira de fontes externas, conforme disposto no Decreto Federal nº 9.075, de 6 de julho de 2017 (com redação alterada pelo Decreto Federal nº 9.736, de 2019).
A análise do Cofiex envolve, além da autorização para negociar com o organismo internacional, a avaliação de pleitos referentes a eventuais alterações de aspectos técnicos de projetos ou programas em execução, prorrogações de prazo de desembolso, e cancelamentos de saldos de operações de crédito externo (artigo 1º, § 5º, incisos I a III, Decreto Federal nº 9.075, de 2017).
A autorização do Cofiex é condicionada ao atendimento de determinados requisitos, tais como a avaliação favorável pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia, quanto à capacidade de pagamento e trajetória de endividamento, bem como o cumprimento de contratos de renegociação de dívidas entre mutuário e a União (artigo 4º, I, "a" e "b", do Decreto Federal nº 9.075, de 2017), e a avaliação favorável pela Secretaria de Assuntos Econômicos Internacionais (Sain), da Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, quanto aos aspectos técnicos e operacionais do projeto ou do programa (artigo 4º, II, do Decreto Federal nº 9.075, de 2017).
Após a aprovação da Cofiex, o ente federado é autorizado a negociar diretamente com o banco multilateral por um período de dois anos. Durante essa fase, o organismo internacional realiza missões (visitas técnicas) no território do ente a fim de elaborar em conjunto o projeto ou programa de desenvolvimento, estabelecer os componentes, o cronograma de desembolso e demais regras especificas a serem incluídas no contrato de empréstimo. Essa etapa finda-se com a aprovação do projeto pela diretoria do banco multilateral.
Após essa fase, o banco encaminha para o ente federado e para a Sain e STN as minutas contratuais para aprovação. Nessa etapa a negociação contratual ocorre em duas etapas. Uma primeira reunião entre Sain, STN, Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e futuro mutuário, em que são definidas a estratégia e a posição brasileira, e uma segunda reunião com a participação do organismo internacional. Ressalta-se que a PGFN possui a competência de analisar as questões jurídicas que envolvem a operação de crédito externo.
Com a negociação finalizada e estabelecido o texto final do instrumento de empréstimo, este é submetido para parecer da PFGN e, posteriormente, é encaminhado ao presidente da República, munido de exposição de motivos do ministro da Economia. Por sua vez, o Presidente encaminha uma mensagem ao Senado Federal solicitando a aprovação por resolução.
Aprovado nos termos do artigo 52, V, da Constituição Federal de 1988, o contrato de empréstimo é assinado pelo ente federado, pela União (representada pela PFGN) e pelo banco multilateral. Em mesma data, assina-se o contrato de garantia entre a União e o ente federado, assegurando ao banco multilateral que a União garantirá o pagamento da dívida em caso de inadimplemento do mutuário. Ressalta-se que a União, antes de assinar o contrato de empréstimo, demanda ao ente federado a assinatura prévia do contrato de contragarantia, o que assegura recursos do mutuário no caso da União ter que executar a sua garantia perante o organismo internacional.
Assinado, enfim, o contrato de empréstimo, inicia-se o período de desembolso (em geral, de três a cinco anos) e o posterior o período de pagamento do capital e juros do empréstimo. Durante o desembolso, período este em que o banco multilateral destina os recursos para a execução do projeto de desenvolvimento, o mutuário paga somente os juros decorrentes da dívida.
O Ministério da Economia, com o intuito de facilitar o processo de elaboração de carta-consulta, disponibiza um manual para financiamento de operações de crédito externo.
Dessa forma, observa-se que as etapas para a contratação de empréstimo internacional envolve procedimentos e regras diferenciados do processo de assinatura e aprovação de um tratado internacional, conforme o sistema jurídico brasileiro.
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