Opinião

Como obter recursos com bancos multilaterais de desenvolvimento

Autor

  • Thiago Ferreira Almeida

    é advogado e pesquisador convidado de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Geneva (Unige) doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG pesquisador associado no Centro de Excelência Jean Monnet (Erasmus+ & UFMG) professor e coordenador no Centro de Direito Internacional (Cedin).

28 de abril de 2022, 16h42

Apesar de não se enquadrarem como sujeitos de Direito Internacional Público, municípios, Distrito Federal e estados, seja administração direta ou indireta, são aptos a captar investimentos com bancos multilaterais de desenvolvimento, por meio da assinatura de operações de crédito externo.

Essa alternativa de captação de investimentos externos para projetos de infraestrutura, aquisição de bens e serviços, bem como consultoria e assistência técnica é largamente utilizada pelos entes federados brasileiros. Tal possibilidade, por sua vez, demanda a aprovação pela União, em especial, por determinados órgãos do Poder Executivo Federal e pelo Senado.

Conforme os artigos 49, inciso I, e 84, incisos VII e VIII, da Constituição Federal de 1988, é competência privativa do presidente da República manter relações com os Estados estrangeiros, acreditar representantes diplomáticos em território nacional e celebrar tratados internacionais. A competência de celebrar acordos internacionais sujeita-se a referendo do Congresso Nacional, que lhe é exclusiva a resolução definitiva sobre tratados que acarretam encargos e compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Em síntese, cabe ao presidente da República, ou ao ministro de relações exteriores ou indivíduo detentor de carta de plenos poderes, a prerrogativa para negociar e assinar tratados internacionais de interesse do Brasil. Uma vez assinado, o acordo internacional é submetido à aprovação pelo Congresso, cuja decisão decorre por meio de decreto legislativo. Após a aprovação pelo Poder Legislativo, cabe ao presidente da República realizar a ratificação (no plano externo) e a devida promulgação e publicação do ato, via decreto executivo (plano interno). Ao final desse processo, o acordo possui vigência nos níveis internacional e doméstico.

Nas operações de crédito com bancos multilaterais de desenvolvimento, ocorre a aprovação anterior à assinatura do instrumento, que se configura como contrato de empréstimo. Conforme o artigo 52, inciso V, da Constituição Federal de 1988, compete privativamente ao Senado autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos estados, do Distrito Federal, dos territórios e dos municípios. Portanto, os entes federados devem se submeter à aprovação do Senado Federal antes de contratar empréstimos com organismos multilaterais.

Para a aprovação de uma operação de crédito (ou contrato de empréstimo), os entes federados devem observar as disposições e limites impostos pelas resoluções do Senado Federal e da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000).

Em específico, a Resolução nº 48, de 2007, do Senado Federal, dispõe no artigo 7º , inciso I, que o montante global das operações de crédito realizadas em um exercício financeiro não poderá ser superior a 60% da Receita Corrente Líquida (RCL). Esse mesmo montante de 60% da RCL é aplicado na concessão de garantias pela União aos demais entes federados que contratam empréstimos internacionais.

A LRF dispõe no artigo 32 que o Ministério da Economia verificará o cumprimento dos limites e condições relativos à realização de operações de crédito de cada ente da Federação, inclusive das empresas por eles controladas, direta ou indiretamente. Além disso, caso a União ofereça garantias aos entes federados por contratarem empréstimos internacionais, estas estarão condicionadas ao oferecimento de contragarantia em valor igual ou superior ao da garantia concedida, conforme reza o § 1º do artigo 40 da LRF.

Ciente dos limites definidos em legislação nacional, cabe o ente federado interessado em contrair empréstimo internacional para executar projetos de infraestrutura e serviços públicos, solicitar autorização à União. Essa solicitação ocorre em duas etapas: (1) uma primeira autorização para negociar com o banco multilateral; e (2) uma segunda autorização para assinar o contrato de empréstimo, que envolve também a decisão final do Senado Federal. Na primeira solicitação, o ente federado, a partir de conversas informais com determinado banco multilateral (ou mesmo agência de fomento estrangeira ou programa de desenvolvimento de organismo internacional), elabora a carta-consulta e a submete para aprovação na Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex). A competência da Cofiex consiste no exame e autorização para preparação de projetos ou de programas do setor público com apoio de natureza financeira de fontes externas, conforme disposto no Decreto Federal nº 9.075, de 6 de julho de 2017 (com redação alterada pelo Decreto Federal nº 9.736, de 2019).

A análise do Cofiex envolve, além da autorização para negociar com o organismo internacional, a avaliação de pleitos referentes a eventuais alterações de aspectos técnicos de projetos ou programas em execução, prorrogações de prazo de desembolso, e cancelamentos de saldos de operações de crédito externo (artigo 1º, § 5º, incisos I a III, Decreto Federal nº 9.075, de 2017).

A autorização do Cofiex é condicionada ao atendimento de determinados requisitos, tais como a avaliação favorável pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia, quanto à capacidade de pagamento e trajetória de endividamento, bem como o cumprimento de contratos de renegociação de dívidas entre mutuário e a União (artigo 4º, I, "a" e "b", do Decreto Federal nº 9.075, de 2017), e a avaliação favorável pela Secretaria de Assuntos Econômicos Internacionais (Sain), da Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, quanto aos aspectos técnicos e operacionais do projeto ou do programa (artigo 4º, II, do Decreto Federal nº 9.075, de 2017).

Após a aprovação da Cofiex, o ente federado é autorizado a negociar diretamente com o banco multilateral por um período de dois anos. Durante essa fase, o organismo internacional realiza missões (visitas técnicas) no território do ente a fim de elaborar em conjunto o projeto ou programa de desenvolvimento, estabelecer os componentes, o cronograma de desembolso e demais regras especificas a serem incluídas no contrato de empréstimo. Essa etapa finda-se com a aprovação do projeto pela diretoria do banco multilateral.

Após essa fase, o banco encaminha para o ente federado e para a Sain e STN as minutas contratuais para aprovação. Nessa etapa a negociação contratual ocorre em duas etapas. Uma primeira reunião entre Sain, STN, Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e futuro mutuário, em que são definidas a estratégia e a posição brasileira, e uma segunda reunião com a participação do organismo internacional. Ressalta-se que a PGFN possui a competência de analisar as questões jurídicas que envolvem a operação de crédito externo.

Com a negociação finalizada e estabelecido o texto final do instrumento de empréstimo, este é submetido para parecer da PFGN e, posteriormente, é encaminhado ao presidente da República, munido de exposição de motivos do ministro da Economia. Por sua vez, o Presidente encaminha uma mensagem ao Senado Federal solicitando a aprovação por resolução.

Aprovado nos termos do artigo 52, V, da Constituição Federal de 1988, o contrato de empréstimo é assinado pelo ente federado, pela União (representada pela PFGN) e pelo banco multilateral. Em mesma data, assina-se o contrato de garantia entre a União e o ente federado, assegurando ao banco multilateral que a União garantirá o pagamento da dívida em caso de inadimplemento do mutuário. Ressalta-se que a União, antes de assinar o contrato de empréstimo, demanda ao ente federado a assinatura prévia do contrato de contragarantia, o que assegura recursos do mutuário no caso da União ter que executar a sua garantia perante o organismo internacional.

Assinado, enfim, o contrato de empréstimo, inicia-se o período de desembolso (em geral, de três a cinco anos) e o posterior o período de pagamento do capital e juros do empréstimo. Durante o desembolso, período este em que o banco multilateral destina os recursos para a execução do projeto de desenvolvimento, o mutuário paga somente os juros decorrentes da dívida.

O Ministério da Economia, com o intuito de facilitar o processo de elaboração de carta-consulta, disponibiza um manual para financiamento de operações de crédito externo.

Dessa forma, observa-se que as etapas para a contratação de empréstimo internacional envolve procedimentos e regras diferenciados do processo de assinatura e aprovação de um tratado internacional, conforme o sistema jurídico brasileiro.

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    é advogado e pesquisador convidado de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Geneva (Unige), doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG, professor de MBA sobre Infraestrutura, Concessões e Parcerias Público-Privadas na PUC Minas e professor e coordenador no Centro de Direito Internacional (Cedin).

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