Opinião

A graça no direito brasileiro

Autores

  • Thais Pinhata de Souza

    é advogada com experiência nas áreas de Direito Criminal e Fashion Law mestre e doutoranda em Direito pela Universidade do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo professora do curso de extensão Mulheres Encarceradas da UFRJ (Núcleo de Direitos Humanos) e consultora do Departamento Jurídico em Direito Antidiscriminatório do Instituto Nelson Mandela no Rio de Janeiro.

  • Larissa Gabriela Cruz Botelho

    é advogada mestre pela Uerj professora de Processo Penal na UVA.

28 de abril de 2022, 6h34

O instituto da graça ou indulto individual, disciplinado no Código Penal, no artigo 107, II — ao lado da anistia e do indulto —, também encontra assento constitucional no artigo 84, XII, enquanto ato privativo e discricionário do presidente da República. Os três institutos são tratados em conjunto pela legislação penal, porque todos são atos estranhos ao poder judiciário, isto é, são benefícios emanados pelo poder legislativo — no caso da anistia — ou pelo poder executivo — na hipótese da graça e do indulto.

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Presidente Bolsonaro e deputado Silveira
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O indulto coletivo é ato prosaico no cenário jurídico brasileiro. Anualmente, o presidente da República indulta coletivamente condenados desde que cumpridos requisitos objetivo e subjetivos, tais como cumprimento de um quantum de pena, crimes sem violência ou grava ameaça à pessoa, bom comportamento carcerário, entre outros requisitos a serem especificados pelo decreto.

Trata-se de uma política criminal importante, sobretudo, para descomprimir o contingente carcerário brasileiro para àqueles que já cumpriram substancialmente a pena ou ostentam condições que já não justificam a imposição dela. Esse indulto anual extingue a punibilidade, mas restam os efeitos civis da condenação, como o dever de reparação das vítimas, por exemplo.

Uma questão relevante que já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal é o limite na concessão do indulto. Contra o Decreto 9.246 de 2017, editado pelo então presidente Michel Temer, foi proposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.874/DF de autoria da Procuradoria Geral da República, sob o fundamento de que o referido decreto esvaziaria a jurisdição penal e converteria o indulto em "benemerência sem causa" (STF, 2019, p. 5).

O que restou assentado na oportunidade é que não cabe ao Poder Judiciário adentrar no mérito do indulto, restando apenas a análise da sua legalidade. Em outros termos, "compete ao presidente da República definir ou não a concessão do indulto bem como seus requisitos e a extensão desse verdadeiro ato de clemência constitucional, a partir de critérios de conveniência e oportunidade" (STF, 2019).

O indulto individual ou a graça — assim como o indulto coletivo — é ato privativo do poder executivo, cujo assento constitucional é igualmente o art. 84, XII, da Constituição. Entretanto, diversamente do indulto coletivo, a graça é individual, isto é, destina-se a pessoa determinada.

No benefício da graça — assim como no indulto — remanescem os efeitos secundários da condenação, como os efeitos civis ou a perda dos direitos políticos, se determinados na sentença condenatória. O benefício também não pode ser concedido a determinados crimes, na forma do artigo 5º, XLIII da Constituição Federal, quais sejam, a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos.

No recente decreto de graça do presidente Jair Bolsonaro de 21 de abril de 2022, o condenado Daniel Lúcio da Silveira foi beneficiado com a extinção da punibilidade dos crimes que lhe foram imputados na Ação Penal 1.044. Nessa AP, o réu foi condenado por 10 votos a 1 — vencido o ministro Nunes Marques — a 8 anos e 9 meses de reclusão em regime inicial fechado e 35 dias-multa no valor do dia-multa equivalente a 5 salários-mínimos. Além da pena privativa de liberdade e da pena de multa, a sentença dispõe sobre a suspensão dos direitos políticos, nos termos do artigo 15, III, da Constituição e a perda do mandato parlamentar, nos termos do artigo 55, inciso VI e o § 2º, da Constituição Federal e artigo 92 do Código Penal.

A primeira controvérsia que se coloca é a viabilidade do indulto individual ou graça antes do trânsito em julgado da sentença, ou seja, antes da sentença tornar-se imutável. Há, em tese, dois recursos possíveis, os embargos de declaração e os embargos infringentes.

Os embargos de declaração têm a única finalidade de sanar obscuridade, contradição, omissão ou erro material na sentença. Dessa forma, o referido recurso não tem o condão de modificar materialmente a decisão, aumentando ou diminuindo a pena, por exemplo. Os embargos infringentes, por sua vez, são incabíveis por expressa disposição do Regimento Interno do STF, notadamente o artigo 333, parágrafo único, segundo o qual o referido recurso depende de, no mínimo, quatro votos divergentes, o que não se verifica no caso.

Diante desse cenário, a viabilidade dos embargos de declaração impede o trânsito em julgado, com isso, poderia a graça repousar sobre condenação não transitada em julgada? Na ADI 5.874/DF (2019, p. 73) ficou assentado no plenário do STF a possibilidade da concessão do indulto antes do trânsito em julgado.

A segunda controvérsia — ressalta-se, a mesma ventilada na ADI 5.874/DF quando concedido o indulto pelo então Presidente Michel Temer — é o desvio de finalidade. Em outros termos, a violação dos princípios que norteiam a administração pública, como a impessoalidade, a legalidade e a moralidade, além de atentar contra as finalidades constitucionais de prevenção, repressão e proteção de bens jurídicos.

No que se refere a essa última, devemos aguardar o julgamento das ações que questionam a referida graça que serão decididas pelo plenário do STF, como já decidido pela ministra relatora Rosa Weber.

A terceira controvérsia, já pacificada na mesma ADI 5.875/DF, refere-se aos efeitos secundários da condenação, quais sejam, a suspensão dos direitos políticos e a perda imediata do mandato. "O indulto não afasta os efeitos civis e administrativos da condenação, de modo que seu campo de eficácia fica restrito à punibilidade" (STF, 2019, p. 7). Dessa forma, caso agraciado pelo decreto presidencial, o benefício não alcança os efeitos secundários da pena. Nesse sentido, a súmula 631 do STF: "O indulto extingue os efeitos primários da condenação (pretensão executória), mas não atinge os efeitos secundários, penais ou extrapenais".

Contudo, interessante questão repousa sobre a concessão da graça antes do trânsito em julgado, no que se refere especificamente à perda dos direitos políticos. Se o réu for beneficiado pela graça, a imposição da perda dos direitos políticos depende de trânsito em julgado da decisão condenatória, nos termos do artigo 15, III, da Constituição. Entretanto, há precedentes no STF que tratam indistintamente o fato de o indultado ter sido beneficiado antes ou depois do trânsito em julgado. Nesse sentido, o indulto só alcança os efeitos primários da condenação, ou seja, a pena, restando íntegros os efeitos secundários (STF, ARE 1.153.976, 31/08/2018).

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