Opinião

IRDR corrobora tese prescricional na tutela do direito de imagem

Autores

  • Afonso Bonfati Tasso

    é procurador jurídico do município de Jaboticabal/SP advogado sócio do escritório Tasso Soares Advocacia e especialista em Direito Processual Civil pela FDRP-USP.

  • Claudia de Oliveira Soares

    é advogada e sócia do escritório Tasso Soares Advocacia atuante na área de Direito de Família Civil Propriedade Intelectual e das Relações de Consumo.

28 de abril de 2022, 18h01

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) como importante instrumento de uniformização das decisões judiciais, regulado nos artigos 976 a 987 do CPC, o qual visa a celeridade, isonomia ao permitir o julgamento conjunto de demandas que versem sobre a mesma questão de direito e, sobretudo, garantir a estabilidade da jurisprudência.

Em 26 de maio de 2021 foi admitido o IRDR nº 0011502-04.2021.8.26.0000 pela Turma Especial de Direito Privado 1 do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinando-se a suspensão de todos os processos — aproximadamente 2.000 — que tramitam no TJ-SP e envolvem pleito de reparação movido por atletas profissionais de futebol em virtude do uso desautorizado da imagem nos jogos de vídeo game denominados "Football Manager", "Fifa Soccer" e "Fifa Manager" de duas diferentes produtoras.

Analisa-se no IRDR os seguintes temas: (1) competência em razão do foro ou do endereço do representante da empresa estrangeira; (2) legitimidade passiva de parceira comercial que compõe a cadeia de consumo; (3) documentos essenciais para a propositura da demanda; (4) termo inicial da prescrição trienal; (5) ocorrência ou não da "supressio"; (6) violação ou não da imagem apenas com a utilização de desígnios representativos e (7) excludente de nexo de causalidade em virtude da venda por terceiros.

No presente artigo trataremos o tema da prescrição, pois onde remanesce maior divergência jurisprudencial.

Os pleitos reparatórios advêm de responsabilidade extracontratual e na suscitada ilicitude consistente na exploração da imagem e atributos dos jogadores de futebol, sem o devido consentimento e contraprestação, nos jogos lançados pelas empresas demandadas desde os anos 2000 até a presente data, violando-se, assim, os artigos 20 do Código Civil e, mais especificamente, os artigos 87 e 87-A da Lei 9.615/1998 (Lei Pelé).

As principais discussões quanto à prescrição exsurgem na identificação do termo inicial do prazo prescricional trienal, posto que é consenso a aplicação da teoria da "actio nata" reflexa no artigo 189 do Código Civil, de forma que violado o direito à imagem, nasce ao titular o direito potestativo de pleitear indenização.

Controvertem-se as teses no que tange à aplicação da teoria objetiva ou subjetiva da "actio nata" e se há de se levar em consideração a continuidade da comercialização, por terceiros ou não, dos jogos de edições passadas, para configuração da ilicitude e consequente postergação do dano e termo inicial da prescrição.

Pois bem, até março de 2021 a jurisprudência do TJ-SP — ressalvado alguns julgados esparsos — aplicava dois entendimentos que, em que pese distintos quanto ao termo inicial da prescrição, afastava a tese das produtoras dos Jogos de que o prazo prescricional passaria a correr a partir do lançamento de cada edição do produto.

A primeira corrente aplicou a teoria subjetiva da "actio nata", no sentido de que não basta a violação do direito para que o prazo prescricional passe a correr, tornando-se imprescindível o conhecimento pelo lesado, oportunidade em que o prazo trienal se iniciaria, sem criar distinção na forma de comercialização, se pelas empresas produtoras ou terceiros – posição adotada de maneira isolada no julgamento do incidente ora comentado pelo desembargador Piva Rodrigues.

Enquanto a segunda aplicou a teoria objetiva da "actio nata" diante da impossibilidade de se comprovar a ciência da violação pelo lesado, tornando o direito praticamente imprescritível, porém levando-se em conta a comprovação da continuidade da disponibilidade das edições dos jogos no mercado, ainda que por terceiros.

E, após voto de relatoria atribuída à ministra Maria Isabel Galloti quando do julgamento dos REsps 1.861.289 e 1.861.289/SP/SP, publicados em 16/3/2021 e 12/3/2021, a 4ª Turma do STJ, por 3 votos a 2, fixou entendimento no sentido de reconhecer a aplicação objetiva da "actio nata" e eventual continuidade da comercialização como postergação da lesão, todavia, excluindo a comercialização de terceiros como renovação do prazo prescricional.

Com isso a 4ª Turma devolveu os recursos especiais ao Tribunal de Justiça de São Paulo para reanálise da alegação de prescrição com o termo inicial a contar do evento danoso, determinando a observância das provas quanto à continuidade da distribuição e comercialização de cada edição, renovando-se o prazo apenas se a disponibilidade das edições antigas tenha se originado de conduta ativa das demandadas.

Baseando-se nessa decisão surgiram decisões no Tribunal de Justiça de São Paulo, ainda que minoritárias, reconhecendo a prescrição do pleito de indenização de jogos de edições de 2001 a 2016, pois, da análise das provas, entendeu-se em alguns casos que a continuidade da comercialização ocorreu por terceiros e não pelas produtoras dos jogos.

Diante da divergência atinente nos diversos julgados prolatados pelos Juízes de primeira instância das comarcas e pelas Câmaras do Tribunal de Justiça de São Paulo, a magistrada Gabriela Fragoso Calasso Costa, da 32ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, nos termos do artigo 977, inciso I do CPC, propôs o referido incidente.

Pois bem, em 31 de março de 2022 ocorreu o julgamento do IRDR, prevalecendo o voto da relatora desembargadora Marcia Regina Dalla Déa Barone, inclusive no que toca à prescrição, termo inicial e consideração da continuidade da distribuição e comercialização dos jogos por terceiros.

Em seu voto a relatora adotou a teoria objetiva da "actio nata", sedimentando a tese de que o termo "a quo" de contagem do prazo prescricional se dá com o lançamento da edição de cada um dos jogos, porém, diante da comprovada continuidade da lesão e disponibilidade dos jogos no mercado, seja pelas empresas produtoras ou por terceiros, a ilicitude se renova e, via de consequência, renova-se o termo prescricional.

Divergiram, exclusivamente no que toca à prescrição, os desembargadores Piva Rodrigues — que adotou posição favorável aos atletas no sentido de aplicar a teoria subjetiva da "actio nata" — e Elcio Trujillo, Viviani Nicolau e Carlos Alberto Salles, os quais declararam voto ao encontro das decisões prolatadas pela 4ª Turma do SJT nos REsps 1.861.289 e 1.861.289/SP/SP.

Por seu turno, o voto vencedor da relatora foi integralmente acompanhado pelos desembargadores Luiz Antonio de Godoy, José Joaquim dos Santos, James Siano, Alvaro Passos, Francisco Loureiro, Moreira Viegas, Silvério da Silva, Theodureto Camargo e Alcides Leopoldo, corroborando-se o entendimento já fixado há tempos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e reconhecendo a continuidade e permanência da lesão à imagem, não bastando a análise da data do lançamento, mas sim a manutenção da venda dos produtos, ainda que por empresas terceiros.

O cerne do voto vencedor pauta-se no reconhecimento de quando surge a lesão ao direito e consequente termo "a quo" da prescrição trienal, reconhecendo o lançamento/edição do produto como a configuração do ato ilícito e, via de consequência, o surgimento da lesão e, igualmente, considerando a continuidade com a exploração indevida da imagem, uma vez que os produtos são facilmente encontrados no mercado, postergando-se assim o dano.

Como bem asseverado pela nobre relatora:

"(…) independentemente da data em que o afetado teve ciência do evento danoso, mas considerando-se evento danoso não somente o lançamento dos jogos eletrônicos, mas também a disponibilidade deles no mercado, uma vez que se trata de postulação indenizatória por violação do direito de imagem e sua consolidação se repete a cada exposição indevida, de forma continuada."

Quanto à necessidade de comprovação da venda, restou consignado na tese vencedora que, independentemente de o produto ser comercializado pelas produtoras ou por terceiros, a violação se mantêm posto que originada da mesma conduta ilícita consistente na utilização desautorizada da imagem, além da manutenção da distribuição dos produtos que é exclusiva de referidas empresas, superando o entendimento da 4ª Turma do STJ.

Ademais, consignou-se que o fato de os jogos serem comercializados por terceiros, a exemplo das líderes do mercado e-commerce, não declinam excludente de nexo de causalidade, tampouco excluem a continuidade do dano que posterga o termo inicial do prazo prescricional, conforme também consignado na tese da relatora. Nesse sentido:

"Uma vez violado o direito de imagem e encontrando-se esta circulando entre os usuários dos jogos eletrônicos confeccionados e comercializados pela requerida não há que se falar em rompimento do nexo de causalidade, devendo assim ser considerada a lesão continuada para fins de contagem do termo "a quo" do prazo prescricional. Os jogos foram confeccionados, distribuídos e comercializados pela requerida com o uso indevido da imagem dos jogadores de futebol tendo em vista a ausência de consentimento, e quando da propositura das ações indenizatórias ainda permaneciam circulando comercialmente, tanto que há indício de prova de aquisição dos jogos (o que deverá ser apreciado por cada um dos julgadores). Se a comercialização se dá de forma escusa, não autorizada pela ré ou através de arranjo eletrônico capaz de burlar qualquer segurança implementada pela requerida para que isso não ocorra, deverá a ré demonstrar este fato para que o termo "a quo" da contagem do prazo prescricional passe a contar a partir do momento em que houve sua participação(porsi ou seus parceiros e/ou prepostos) na comercialização dos jogos."

Imprescindível voltar os olhos ao parecer do sempre cirúrgico Silvio de Salvo Venosa, quanto a responsabilidade de quem coloca o produto ilícito no mercado, inclusive as consequências disto, a exemplo da postergação do dano e consequente extensão do dia "a quo" do prazo prescricional:

"O fabricante do bem colocado em circulação no mercado responde pelo seu produto. Assim, se posto em circulação produto com vício de origem, como ocorre com os jogos que foram projetados e executados utilizando direito de imagem e conexos não autorizados, o fabricante responde pela prática do ilício e suas consequências."

Ao encontro o eminente professor e ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, Sidnei Agostinho Beneti emitiu parecer adjunto no IRDR em questão assentando seu entendimento, seguido pela relatora, de que:

"3. O prosseguimento da exploração econômica, inclusive quanto a produtos em modelos anteriores, caracteriza violação continuada, de modo que o início do prazo prescricional somente se inicia no momento da cessação da lesão com o término efetivo da comercialização."

Nesse sentido, à luz do artigo 373, inciso I do CPC, caberá a análise das provas apresentadas pelos atletas profissionais quanto à exploração de suas imagens nos jogos e a manutenção da disponibilidade de cada edição no comércio. Por outro lado, caberá às produtoras, nos termos do inciso II do artigo retrocitado, comprovarem a retirada dos jogos de circulação ou que tomaram providências suficientes a cessar a continuidade da exploração há três da data da pretensão

Ao que consta, a prova da continuidade da comercialização dos produtos vem sendo devidamente demonstrada por meio de prints dos sites de e-commerce, cupons fiscais de aquisição e até por ata notarial de referidas imagens, nos termos do artigo 384, parágrafo único do CPC. Em contrapartida, as produtoras mantêm-se rígidas em defender que o termo inicial do prazo prescricional é o lançamento de cada edição, sem, contudo, demonstrar que retirou os produtos de circulação ou, ao menos, tomou qualquer conduta eficiente para tanto.

Assim, entende-se como correto o acórdão prolatado nos autos nº 0011502-04.2021.8.26.0000, posto que aplicada o artigo 189 do Código Civil, a teoria da "actio nata" objetiva, sem desconsiderar a continuidade da lesão diante da manutenção da venda dos produtos, os quais utilizaram-se da imagem e atributos dos atletas em total afronta aos artigos 87 e 87-A da Lei 9.615/1998 (Lei Pelé).

A decisão ainda será publicada, possibilitando a propositura de recurso especial e recurso extraordinário pelos interessados. Enquanto isso, mantêm-se suspensas as mais de 2.000 ações que tutelam o direito à reparação dos atletas.

Uma vez transitado em julgado, as teses insertas em v. acórdão deverão ser observadas pelos juízes e tribunais, nos termos dos artigos 926, 927, inciso III e 928, inciso I todos do CPC, aplicando-se aos casos análogos.

IRDR nº 0011502-04.2021.8.26.0000

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