Direto do Carf

Os caminhos para um atualizado repertório analítico de jurisprudência do Carf

Autores

  • Carlos Augusto Daniel Neto

    é sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) mestre em Direito Tributário pela PUC-SP com estágio pós-doutoral em Direito Tributário na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) é visiting scholar no Max-Planck-Instituts für Steuerrecht und Öffentliche Finanzen ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf pesquisador do NEF/FGV presidente da Comissão de Direito Aduaneiro do Iasp e professor permanente do mestrado profissional do Cedes e da pós-graduação do IBDT.

  • Susy Gomes Hoffmann

    é sócia do GHBP Advogados mestre e doutora em Direito Tributário pela PUC-SP e pesquisadora do NEF da FGV-SP.

27 de abril de 2022, 8h00

Your old road is rapidly aging
Please get out of the new one if you can't lend your hand

For the times, they are a-changin'

(Bob Dylan – "The Times They Are A-Changin'")

 

Na coluna de hoje, abriremos o espaço para uma "dobradinha" muito especial com o Núcleo de Estudos Fiscais da FGV-Direito (NEF/FGV), em torno de um ponto comum que nos une: a preocupação com a jurisprudência do Carf.

Spacca
Há alguns anos, o NEF/FGV reuniu pesquisadores para estudar a jurisprudência do Carf, buscando identificar os critérios relevantes nos principais temas em discussão até então. Desse estudo resultou o livro "Repertório Analítico de Jurisprudência do Carf", publicado em 2016, que analisou dezenas de temas controversos, a partir de acórdãos publicados até março de 2015, marco temporal relevante pelo advento da "Operação Zelotes", que paralisou o órgão e lhe trouxe mudanças profundas de estrutura e composição (e.g. turmas maiores, distribuição eletrônica de processos, exigência de licença da advocacia para conselheiros representantes dos contribuintes, dentre outras).

Dito isso e relembrando Heráclito, nada é permanente, exceto a mudança. De fato, de lá para cá, milhares de novos acórdãos foram proferidos: alguns temas se mantiveram como estavam, enquanto outros tiveram seu entendimento alterado; alguns temas chegaram de forma inaugural para serem analisados, enquanto outros simplesmente foram desaparecendo ou tiveram sua controvérsia esvaziada. Esse caráter dinâmico da jurisprudência do Carf, ao longo dos últimos sete anos, exigiu que o NEF/FGV novamente arregimentasse seus pesquisadores para uma nova rodada de pesquisas, buscando mais uma vez esmiuçar os critérios da jurisprudência desse importante tribunal administrativo.

O estudo original e o atual trazem propostas análogas: o objetivo é analisar os julgamentos, buscando identificar aspectos centrais das discussões, além de critérios e parâmetros (ratio) que impactaram a solução final, sem, contudo, apontar de forma crítica se a decisão tomada está em consonância com o entendimento dos autores, da doutrina ou da jurisprudência judicial. O que se pretende é, portanto, descortinar a jurisprudência do Carf sobre os temas eleitos e trazer uma informação de qualidade aos interessados.

Os temas foram escolhidos seguindo critérios de interesse e relevância debatidos entre os pesquisadores: há desde temas que estão presentes em uma grande quantidade de casos (com um elevado interesse "quantitativo"), até temas que estão presente em poucos casos, mas são altamente controvertidos. Também buscou-se privilegiar temas que assumiram grande relevo no debate acadêmico ao longo dos últimos anos.

Quanto ao recorte temporal de pesquisa, os pesquisadores analisarão os julgados publicados entre dezembro de 2015 (data de retomada dos julgamentos) até junho de 2020. O corte temporal ocorre em razão da introdução da regra de desempate, trazida pela Lei nº 13.988 de 14 de abril de 2020, que dispôs que, nos casos de empate, o julgamento deve se dar de forma mais favorável ao contribuinte [1].

A finalidade desse recorte é evitar distorções no levantamento das decisões, por força de uma mudança em uma regra de julgamento, apesar de reconhecermos que essa legislação poderá alterar a jurisprudência em alguns temas polêmicos, de tal modo, que um terceiro estudo será iniciado para analisar as mudanças de posicionamento do órgão após o advento do artigo 19-E da Lei nº 10.522/02, enquanto se aguarda também o desfecho das ações diretas de inconstitucionalidade movidas contra esse dispositivo.

Os pesquisadores estarão divididos em grupos temáticos, relativos a cada uma das Seções do Carf, e um grupo responsável por temas comuns a todas as Seções, como são os temas de normas gerais de direito tributário e processuais.

Mudam-se os tempos, mudam-se os métodos também: uma novidade nesta atual pesquisa está na forma de coleta dos julgados.

O trabalho de coleta ocorre por meio de inteligência artificial (IA), com o apoio da Jurisintel, uma startup que utiliza a IA para extrair, analisar e segregar decisões jurídicas, extraídas de bancos de dados públicos, a partir de parâmetros pré-estabelecidos pelos pesquisadores, trazendo um grande ganho de tempo e de precisão na obtenção de decisões relevantes à pesquisa.

O método será devidamente explicado quando da apresentação dos resultados da pesquisa, mas de uma forma geral, parte-se de palavras-chave e acórdãos-paradigma para identificar todos os acórdãos que trataram do tema. Ademais, é possível saber se o julgamento se deu por unanimidade, maioria ou voto de qualidade, facilitando a segregação dos resultados.

O propósito do NEF/FGV é simples: trazer dados objetivos sobre os julgados, e dar transparência de critérios e resultados sobre os julgamentos. Porém, apesar da simplicidade do propósito, o meio para atingir tal fim é árduo e exige muito trabalho para os pesquisadores.

A IA só vai até um determinado ponto, a partir do qual o trabalho humano e a experiência dos pesquisadores serão essenciais. O sistema obtém os dados, no caso os acórdãos, que são o nosso material de trabalho. Porém, esse material está bruto, cabendo aos pesquisadores, a partir de um juízo crítico, "separar o joio do trigo", sistematizando esse conjunto de decisões, seja para encaminhar conclusões parciais, seja para, por meio da IA, fazer novas "minerações" para afunilar o grupo de acórdãos que será efetivamente analisado.

Todo este processo — que será detalhadamente descrito no resultado da pesquisa — permite que não haja eleições subjetivas por parte dos pesquisadores sobre quais acórdãos serão o objeto da pesquisa. Os pesquisadores indicam os dados e a IA fornecerá os acórdãos. Na sequência, o trabalho dos pesquisadores estará em identificar as razões que levaram à tomada de decisão, indicando as possíveis diversas correntes existentes sobre o tema, e os percentuais de decisões para estas correntes.

Com esses dados, o leitor poderá entender o posicionamento do órgão de julgamento — Carf — e, inclusive, para os temas que forem análogos, poder comparar com os resultados da pesquisa anterior, viabilizando uma consciência diacrônica da evolução da jurisprudência, podendo verificar mudanças ou consolidações de entendimento sobre os temas.

Estamos iniciando essa jornada. Para alguns temas o número de acórdãos é extenso (e.g. créditos de insumos para as contribuições ao PIS e à Cofins e concomitância de multas isolada e de ofício), para outros, o número é pequeno, mas expressivo sobre o posicionamento do Carf (e.g. operações societárias de devolução de capital a valor contábil e planejamentos tributários envolvendo segregação de atividades).

Importante registrar que esse trabalho visa fortalecer o órgão julgador, porque, no final da pesquisa restará a firme indicação sobre os posicionamentos dos conselheiros, das Turmas, das Seções — a transparência das informações sempre conduz ao fortalecimento das instituições e ao aprimoramento da própria prática tributária. Por outro lado, a constatação de que certos temas continuam polêmicos, sem que seja possível, após anos, construir um consenso, pode vir a denotar que o caminho para a pacificação será por meio do Poder Legislativo, com as alterações legislativas necessárias, ou do Poder Judiciário, que pode apreciar a questão definitivamente. De um modo, ou de outro, estar instruído pela realidade é condição para que possamos mudá-la, com disse Bertold Brecht.

Gostaríamos de fazer referência, e prestar nossas deferências, àqueles que fazem o referido projeto de pesquisa do NEF/FGV ir adiante. A pesquisa tem como responsáveis acadêmicos os professores Eurico de Santi e Isaías Coelho, como responsável executivo o professores Eduardo Perez Salusse, e como pesquisadores, além dos subscritores desse artigo, os professores Breno Ferreira Martins Vasconcelos, Carlos Henrique de Oliveira, Daniel Souza Santiago da Silva, Diego Diniz Ribeiro, Karem Jureidini Dias e Laura Romano Campedelli. Além dos citados, o grupo conta com o auxílio de pesquisadores-assistentes, que serão devidamente referenciados nos resultados das pesquisas. Por fim, não podemos deixar de mencionar os sócios da JurisIntel, Igor Macêdo e Victor Maranhão, pelo suporte constante no levantamento de decisões.

Também gostaríamos de agradecer à colaboração da coluna "Direto do Carf", que pela equifinalidade que possui em relação ao nosso projeto de pesquisa, tem dois de seus colunistas colaborando diretamente na condição de pesquisadores (Carlos Daniel Neto e Diego Diniz), e será um dos meios para a divulgação de resultados parciais das pesquisas realizadas.

Acreditamos, como na primeira versão da pesquisa, que o diagnóstico trazido por esse trabalho é um passo importante para apontar caminhos para resolver os desafios da tributação; e, continuamos dispostos a acreditar que há meios para o fortalecimento da relação cooperativa entre o Fisco e o contribuinte, bem como para o desenvolvimento de um sistema tributário mais seguro e transparente.

 


[1] Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do artigo 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte.

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    é sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária, em estágio pós-doutoral em Direito Tributário na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf, pesquisador do NEF/FGV e do Nupem/IBDT e professor permanente do mestrado profissional do Cedes e de diversos cursos de pós-graduação.

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    é sócia do GHBP Advogados, mestre e doutora em Direito Tributário pela PUC-SP e pesquisadora do NEF da FGV-SP.

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